Publicado na 3ª Conferência de Comunicação e Tecnologias Digitais (UnB, 2009), o artigo trata de como qualquer tecnologia traz em si pressupostos sociais intrínsecos, que são agenciados pela
sociedade conforme suas necessidades ambientais e históricas específicas. Esses usos podem resultar em configurações bastante diversas das inicialmente imaginadas ou que serviram de inspiração ás técnicas. O artigo aborda tais aspectos, indicando resistências e riscos a um projeto mais democrático de uso das novas tecnologias, por um lado, e a expansão, por outro,
da lógica própria dos meios digitais, que busca chegar até mesmo aos meios de produção,
abrindo oportunidades para uma superação do modelo capitalista, ao menos em sua formulação
contemporânea. Uma versão preliminar foi apresentada em disciplina da UnB.
1. NOVAS MÍDIAS, CULTURA E CAPITALISMO
Resumo
Qualquer tecnologia traz em si pressupostos sociais intrínsecos, que são agenciados pela
sociedade conforme suas necessidades ambientais e históricas específicas. Esses usos podem
resultar em configurações bastante diversas das inicialmente imaginadas ou que serviram
de inspiração ás técnicas. O artigo aborda tais aspectos, indicando resistências e riscos a um
projeto mais democrático de uso das novas tecnologias, por um lado, e a expansão, por outro,
da lógica própria dos meios digitais, que busca chegar até mesmo aos meios de produção,
abrindo oportunidades para uma superação do modelo capitalista, ao menos em sua formulação
contemporânea.
Palavras-chave
Mídia; tecnologia; sociedade; comunicação; economia
Abstract
Technology has intrinsic social purposes, which are employed by society as needed in specific
historical and enviromental contexts. Such an usage may result in a conformation quite different
from the one initially conceived or the one which inspired the invention. The article approaches
those aspects, noting obstacles and risks for democratic application of the new technology as
well as opportunities for the overcome of capitalism, at least as it presents itself nowadays, due
to the expansion of digital media structure and concepts even to means of production.
Keywords
Media; technology; society; communications; economics
Resumen
Toda tecnología trae consigo supuestos sociales proprios, que son manejados por la sociedad
de acuerdo a sus necesidades ambientales y de circunstancias históricas específicas. Estos usos
pueden dar lugar a entornos muy diferentes de los inicialmente imaginados o en que se basáran
las técnicas. El artículo analiza estos aspectos, indica resistencias y riesgos para un proyecto de
uso más democrático de las nuevas tecnologías, por un lado, y la expansión, en el otro lado, de la
lógica propia de los medios digitales, que buscan incluso los medios de producción, franqueando
oportunidades para el superar del modelo capitalista, al menos en su formulación actual.
Palabras clave
Medios de comunicación, tecnología, sociedad, economia
Currículo
Murilo Laureano Pinto é bacharel em Comunicação Social/jornalismo (UEL/PR, 2003),
especialista em Assessoria em Comunicação Pública (IESB, 2007) e graduando em Direito
(UDF). Atualmente é analista de comunicação do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Endereço
eletrônico: murilo.pinto@gmail.com
NOVAS MÍDIAS, CULTURA E CAPITALISMO
2. As tecnologias de comunicação presentes tendem a sugerir uma nova ordenação social. No
campo da comunicação social, o contexto não é diferente. Cabe questionar, no entanto, em que
medida a nova configuração das relações comunicativas constitui efetiva alternativa, promovida
pelos indivíduos, à sociedade e à mídia de massas, ou se implica uma nova organização das
mídias estabelecidas, operadas estrategicamente na manutenção de suas funções ideológicas
típicas nas democracias ocidentais contemporâneas.
Inicialmente, deve-se refutar a inexistência de efeitos sociais das tecnologias de informação
e comunicação. Ainda que não se possa deduzir uma sociedade a partir da introdução de uma
técnica, é inegável que a abertura de novas possibilidades trazidas por elas podem definir a
configuração de uma coletividade. A escrita, por exemplo, nasceu há cerca de 5-6 mil anos,
mas ainda no século IV a.C. seu uso associado ao conhecimento era bastante criticado, entre
outros, por Sócrates. Para ele, “o desenvolvimento da escrita acarretaria profundas mudanças
nas condições de memorização do saber e das informações”, mudanças essas que classificava
como deletérias, já que levaria aos discípulos a presunção de possuir a ciência, não a ciência em
si mesma. (BRETON;PROULX, 2002, p. 25)
Somente no Renascimento a escrita, associada ao livro impresso, atingiria o relevo social que
ainda mantém. E isso se deveu não apenas à tecnologia. A sociedade chinesa já dispunha do
papel desde o século III, a impressão xilográfica era conhecida desde o século IX e a tipográfica
desde o XI. A razão de não ter desenvolvido um sistema semelhante à prensa de Gutenberg –
mais confiável e que produzia resultados mais uniformes – deveu-se, provavelmente, pela falta
de demanda social por tais práticas. A primazia alcançada pela escrita, por meio do livro, deveu-
se, portanto, a seu uso social, vinculado que foi ao mercantilismo e ao universalismo. (BRETON;
PROULX, 2002, p.39-50)
Depois, com o Iluminismo e o nascimento das sociedades democráticas atuais, a imprensa teve
seu uso ampliado, passando a deter a centralidade não só do pensamento científico-filosófico,
passando a ser considerada o local de união entre os indivíduos e, portanto, devendo ser dotada
da mesma liberdade garantida a estes. (BRETON; PROULX, 2002, p.52)
Isso porque a nova liberdade do indivíduo-cidadão supunha uma escolha, e essa escolha, a
informação. O acesso à comunicação social tornou-se assim uma necessidade constitutiva da nova
democracia. Informar-se não era mais simplesmente um direito pelo qual os povos haviam lutado,
mas um dever revolucionário (...) Quase não houve inovação técnica em matéria de comunicação,
mas os modos de expressão tradicionais transformaram-se em meios de comunicação a serviço do
espírito republicano. (BRETON; PROULX, 2002, p.53)
O vasto desenvolvimento de técnicas em diversas áreas observado na Revolução Industrial,
da mesma forma, permitiu a associação a novos modelos sociais para renovar os processos de
comunicação social. O progresso técnico aliou-se perfeitamente ao liberalismo econômico e
político, definindo a imprensa livre como garantidora da disseminação de informações necessária
à democracia. E havia a interdependência entre mercado e publicidade a lhe aproximar ainda
mais da lógica mercantil. (BRETON; PROULX, 2002, p.53-60)
O circunlóquio introdutório busca uma afirmação, enfim: a informática, como a escrita, surge de
uma necessidade inicial de cálculo matemático e memória estanque, passando progressivamente
por apropriações sociais que resultam em usos essencialmente diversos dos para os quais foram
originalmente pensados (BRETON;PROULX, 2002, p. 68-69). Assim,
A emergência do ciberespaço acompanha, traduz e favorece uma evolução geral da civilização.
Uma técnica é produzida dentro de uma cultura, e uma sociedade encontra-se condicionada por
suas técnicas. (...) Dizer que a técnica condiciona significa dizer que abre algumas possibilidades,
que algumas opções culturais ou sociais não poderiam ser pensadas a sério sem a sua presença.
Mas muitas possibilidades são abertas, e nem todas serão aproveitadas. (...) Aquilo que
3. identificamos, de forma grosseira, como “novas tecnologias” recobre na verdade a atividade
multiforme de grupos humanos, um devir coletivo complexo que se cristaliza sobretudo em volta
de objetos materiais, de programas de computador e de dispositivos de comunicação. (LEVY,
1999, p. 25-28)
Dessa forma, ao pensar as novas wgias de comunicação e informação e suas implicações, deve-
se ter presente que são resultado de processos coletivos e contextualizados e que, se não têm
necessária e apropriadamente um “impacto”, carregam implicações sociais intrínsecas e abrem
possibilidades que podem vir a extrapolar seu sentido e proposta iniciais.
Antes de se avançar, é preciso especificar o objeto tratado. Quando se fala em novas tecnologias
de comunicação e informação, se passa por mais de meio século de transformações produtivas
que distanciam quase que infinitamente artefatos chamados indistintamente de “computadores”.
Um mainframe dos anos 40 está muito mais distante de um smartphone atual do que um televisor
a válvula de um HDTV, e não só nem especialmente em termos tecnológicos. Os dois são, não se
pode negar, “computadores”, mas seus usos são tão essencialmente diversos que um observador
alienígena poderia não ser capaz de associá-los. Talvez pudesse associar os computadores atuais
aos televisores de ponta – e estaria correto. Mas, a unir coisas tão diferentes está um mesmo
elemento: o digital.
Digitalizar uma informação consiste em traduzi-la em números. (...) Em geral, não importa qual
é o tipo de informação ou de mensagem: se pode ser explicitada ou medida, pode ser traduzida
digitalmente. Ora, todos os números podem ser expressos em linguagem binária, sob forma de 0
e 1. Portanto, no limite, todas as informações podem ser representadas por esse sistema. (LEVY,
1999, p. 50)
Assim, a informação digital tem três características fundamentais para o estudo da comunicação
social: pode ser representada por diversos tipos de dispositivos – fios elétricos, fitas magnéticos,
discos óticos, moléculas biológicas etc.; pode ser transmitida e copiada sem perda, sendo
reconstituída integralmente no momento do uso apesar da degradação decorrente do processo
de transmissão ou cópia; e qualquer mensagem, reduzida ao código binário, pode ser processada
lógica e matematicamente por circuitos eletrônicos especializados (LEVY, 1999, p. 50).
São essas características que permitem a emergência de uma transformação central na
comunicação, comparável à invenção do alfabeto e que não pode ser subestimada. Pela primeira
vez, uma hipermídia integra modalidades de escrita, oralidade e audiovisual em um sistema
interativo (CASTELLS, 1999, p. 354). Essa interação, efetiva e não somente em termos de
reação de mercado ou social, típica das mídias de massa, constitui outra característica essencial
das novas mídias. Foi introduzida no sistema pela necessidade de estudantes submetidos
a rigorosos invernos de se comunicar sem deslocamento. O modem pessoal nasceu assim,
construído fora da estrutura original da internet, militar, e baseado em códigos livres, como era
comum antes do advento da Microsoft, que criou o modelo de negócios de software proprietário.
Ao tornar-se comercial, a internet adotou não só essa tecnologia, mas a própria contracultura do
movimento hippie e a cultura universitária, acadêmica, de compartihamento do conhecimento.
Decorre dessa origem que os padrões tecnológicos que permitiram e permitem sua amplidão
sejam abertos e gratuitos. (CASTELLS, 1999, 362-382).
Tais características trazem como conseqüência, que a propriedade intelectual e as informações
podem ser instantaneamente distribuídas por todo o planeta, reproduzidas infinitamente,
praticamente sem custo, sem necessariamente o conhecimento do autor-proprietário e sem nem
mesmo deixar de estar em sua posse (BARLOW, 2003 apud MASON, 2008, p. 4). E as próprias
mensagens carregam os atributos da rede, de penetrabilidade, descentralidade multifacetada e
flexibilidade (CASTELLS, 1999, p. 381).
4. Mason (p.28) demonstra que essa cultura está a ponto de ser levada a outro nível: não só as
informações, mas a própria posse dos meios de produção está caindo nas mãos da massa. Ele
registra o projeto RepRap, que busca desenvolver uma impressora caseira de objetos, levando
ao extremo uma tecnologia que custa atualmente milhares de dólares e serve apenas para criar
protótipos de engenharia industrial e design. O objetivo do RepRap é construir uma máquina
que custe US$ 400 e use como insumo materiais ao custo de US$ 0,02/cm³ consumido, criada
tanto a máquina quanto os objetos sob código livre; a máquina deve ser capaz de se reproduzir.
O protótipo atual já gerou sandálias infantis em 2008, levando um dia – de trabalho autônomo,
sem operador – para criar um par. Os arquivos com os projetos, que são lidos pela máquina,
ficam disponíveis no site. Há iniciativas, não relacionadas, que permitem a criação de celulares
completamente independentes e compatíveis com as redes de telefonia oficiais; software e
hardware são livres (TuxPhone, 2008). Há ainda quem pretenda desenvolver até mesmo uma
infra-estrutura de rede própria, independente de torres, baseada em redes “mesh” (nas quais um
mesmo dispositivo é ao mesmo tempo receptor e retransmissor do canal, amplificando o alcance
de nós-chave) (DOTPUBLIC,2006)
Castells (1999,p. 397) afirma ainda que a sociedade em rede inclui a maioria de suas expressões
culturais no sistema de comunicação digital. Isso enfraqueceria o poder simbólico dos emissores
tradicionais, posicionados fora do sistema (família, moral, autoridade, religião). “Não que
desapareçam, mas são enfraquecidos a menos que se recodifiquem no novo sistema” (id.).
Mason (p. 231-240) acredita que, no que tange o mercado, é o que acontecerá. Para ele, o
modo “pirata” de produção – cultura de código aberto, compartilhamento, distribuição livre e
reaproveitamento, legal ou ilegal – abre novos espaços, fora do mercado, e força as empresas
à readaptação, passando a ser mais eficientes e ganhar novos clientes; a sociedade, após o
ajuste, ganha o máximo de valor adicionado. O autor afirma que os piratas não irão subverter o
capitalismo, mas se apresentam – desde as origens da pirataria, nos mares – como um excelente
modelo de negócios, que irá levar, hoje, à uma nova linhagem de capitalismo, onde a produção
em massa subsiste, mas de forma mais democrática, que ele chama de “capitalismo punk”.
Com relação à cultura, observa-se movimentos semelhantes: enquanto religiões tradicionais
perdem fieis, o bispo Macedo mantém uma conta “pessoal” no Twitter[1]. A mídia parece
entender o contexto, como são exemplos algumas campanhas publicitárias globais – Sprite,
“Imagem não é nada” – ou, como coloca o proprietário da NewsCorp, holding de editoras,
jornais, rádios, gravadores, estúdios, emissoras, canais a cabo, por satélite, sites, agências de
publicidade e de notícias, bares, times de futebol americano e de metade da liga de Rugbi da
Austrália, Rupert Murdoch:
O poder está se afastando da velha elite de nossa área, os editores, executivos e, encaremos, os
proprietários. Uma nova geração de consumidores de mídia se levantou, demandando conteúdos
distribuídos quando eles querem, como eles querem e na medida em que eles querem. (apud
MASON, p. 49)
A situação do jornais atualmente nos Estados Unidos sugere novo reforço à perspectiva de
Mason. Incapazes de responder às questões colocadas pela internet em seu campo comercial,
os jornais tendem a sucumbir, principalmente no momento de crise atual (LERER, 2009). Mas,
como Mason, Castells (1999, p.499) também acredita que “essa evolução para as formas de
gerenciamento e produção em rede não implica o fim do capitalismo. (...) Mas esse tipo de
capitalismo é profundamente diferente de seus predecessores históricos.”
No campo da comunicação, podemos afirmar que a mudança principal está no domínio sobre os
conteúdos. Os magnatas da mídia perceberam que a geração de conteúdos e de sua distribuição
não basta mais à manutenção do poder simbólico de que dispõem. Castells e outros (2004, p.
5. 238-249), mais recentemente, também observam uma mudança essencial, advinda com os novos
aparelhos celulares, principalmente: os indivíduos estão constantemente submetidos a contextos
diversos, simultâneos (assistem televisão em família e mantêm contatos com membros de outras
redes, por exemplo); produzem o conteúdo e fornecem serviços alternativos aos oficiais ou do
mercado; mais que consumismo ou estilo, os aparelhos são expressão de identidade orientada
pela apropriação da tecnologia embarcada; a linguagem passa por mudanças; e termos nascidos
das limitações da digitação passam a ser usados em ambientes formais, com implicações
culturais.
Estamos convencidos que contemplamos a emergência de uma nova paisagem social na qual
pessoas individualmente se esforçam para arcar com a responsabilidade de construir redes de
comunicação com base em quem são e o que querem. A liberdade é uma aventura perigosa. A
alternativa, no entanto, é a exclusão das redes de comunicação que movem nossas vidas em nossa
era. (CASTELLS et al., 2004, p. 249)
As novas gerações não pretendem se excluir. Dadas as condições de acesso – economia, infra-
estrutura etc. – tendem a se adaptar muito bem aos novos recursos. Começam a se tornar comuns
casos de contas de telefonia celular de dezenas de páginas, com cobranças pela troca de até 20
mil mensagens de texto em um mês, por adolescentes de menos de 15 anos. (MATYSZCZYK,
2009; FARRELL, 2009).
Mas, a questão está no acesso. E não só em termos de inclusão digital. O papel antes exercido
pelos veículos de massa está hoje em parte sendo transferido para os provedores de infra-
estrutura de acesso. São eles que detém a capacidade de manipular as informações de modo a
privilegiar ou banir determinadas comunicações – em um mundo onde todos podem produzir
conteúdos com os mesmos atributos de qualidade que as empresas de mídia típicas, os
provedores colocam-se como novos gatekeepers em potencial. Não se fala de manipulação
das mensagens em si. Mas, sim, dos dados pelos quais elas são transmitidas. Tecnologias
como filtros de correio eletrônico e de conteúdo ou modelagem de tráfego são buscadas pelos
provedores de internet e o modelo de negócios limitando certos serviços e favorecendo o tráfego
originado de geradores e distribuidores de conteúdo parceiros – que paguem pelo privilégio –
tem sido limitado em maior ou menor extensão por legislações em todo o mundo.
A proteção à neutralidade da rede existe desde o telégrafo (ESTADOS, 2003) e permitiu o
desenvolvimento da internet como se conhece (BERNERS-LEE, 2006). Mas hoje provedores
tem adotado a prática, sem que seja decisivamente proibido, e alguns países estudam leis que
efetivamente permitam algum grau de modelagem de tráfego para certos aplicativos, serviços
e conteúdos. Nos Estados Unidos, a neutralidade foi removida em 2005, quando se afastou a
aplicação do princípio relacionado a telefones (OPEN, 2008). Hoje, com a concentração da
propriedade não só no espaço dos conteúdos, mas também na infra-estrutura, a questão da
neutralidade da rede se aproxima do direito à liberdade de comunicação.
Na essência, ainda não resolvido, resta o colocado pelo pesquisador do Media Lab do MIT
Stewart Brand na primeira Hacker’s Conference, em 1984:
A informação quer ser gratuita – porque agora é tão simples copiar e distribuir casualmente – e a
informação quer ser cara – porque na Era da Informação, nada é tão valioso como a informação
correta no momento certo. (BRAND apud CLARKE, 2000)
No entanto, toda técnica traz embutida em si projetos e esquemas imaginários, mesmo que não
se possa concluir já em sua origem os usos sociais que estão por ela condicionados (LEVY,
1999, p. 23). No caso da internet, ela traz como valores intrínsecos a universalidade, a alteridade
e a autonomia (id., p. 130-133). Na comparação com as mídias de massa, o que esses valores
implicam é o afastamento da descontextualização das mensagens. Ao invés de ampliar a lógica
6. da redução da mensagem ao seu mínimo denominador comum, capaz de ser absorvido de forma
uniforme independentemente do contexto ou repertório do receptor, diante da incapacidade de
interação e retroalimentação, as novas mídias universalizam o contexto, permitem a interação
e favorecem a participação autônoma dos indivíduos em um ambiente compartilhado qualquer
que seja a aplicação específica que se trate: comunidades, jornais, blogs, comunicadores
instantâneos, email... todos estão unidos pelo link, formando um único inter e hipertexto (LEVY,
1999, p. 111-121).
Observadas as inovações tecnológicas das últimas décadas – Microsoft e Apple, ambiente e
navegadores web, Google – e furos “jornalísticos” – de Monica Lewinski pelo Drudge Report
aos bilhetes aéreos no parlamento pelo Congresso em Foco – todos têm em comum terem sido
articulados inicialmente por indivíduos ou pequenos grupos, dispondo de recursos parcos, não
diferentes da maioria dos cidadãos de classe média e infinitamente inferiores aos das grandes
empresas de suas respectivas áreas. Ao contrário, a fusão AOL-Time Warner em 2000 – a
maior até então, englobando marcas como CNN, Forbes e HBO – não trouxe nenhuma inovação
significativa, tendo registrado dois anos após perda de US$ 100 bilhões do total de US$ 350
bilhões em que era cotada, em decorrência de reavaliação de ativos intangíveis – como a
criatividade e inovação. (HU;JUNNARKAR, 2000; WILLENS, 2003).
Esses indícios reforçam a idéia de que há efetivamente espaço para uma superação da lógica
midiática. Certamente, em sua configuração atual, a internet desfavorece a sociedade do
espetáculo e propõe um estilo de comunicação não midiático, “mas comunitário, transversal e
recíproco” (LEVY, 1999, p. 224).
Ao mesmo tempo em que estabelecem uma percepção comum, as mídias não permitem a
comunicação entre aqueles que percebem a mesma “realidade”. (...) Em contrapartida, no
ciberespaço, não se trata mais de uma difusão a partir dos centros, e sim de uma interação no
centro de uma situação, de um universo de informações, onde cada um contribui explorando
de forma própria, modificando ou estabilizando (...) O ciberespaço abriga negociações sobre
significados, processos de reconhecimento mútuo dos indivíduos e dos grupos por meio da
atividade de comunicação (harmonização e debate entre os participantes). (...) Acrescentemos que
é muito mais difícil executar manipulações em espaço onde todos podem emitir mensagens e onde
informações contraditórias podem confrontar-se do que em um sistema onde os centros emissores
são controlados por uma minoria. (LEVY, 1999, p. 224-225).
Reitere-se que refluxos e retrocessos são possíveis, e ameaças – como a quebra da neutralidade
da rede, mas também outras – estão constantemente presentes e também sujeitas à criatividade e
à inovação de indivíduos e da sociedade. São diversos os ciclos de obscurantismo e renascimento
na história da civilização, e a tensão persiste.
Mas a realidade atual é que há notícias circulando sem nunca terem sido editadas
profissionalmente; filmes sem atores; teorias sem revisão de pares; patentes sem royalties;
campanhas sem partidos... Mais que isso, os indivíduos podem não só acessar às mensagens –
em sentido amplo –, mas àqueles outros indivíduos que as conceberam, como antecipava Levy
(1999, p. 231).
A persistir e aprofundar-se a lógica presente, verifica-se que há espaço crescente para a
participação de diversos atores no processo de agendamento. E com a crescente dependência
da mídia de massa de fontes e autoridades tradicionais e mensagens de impacto (PAYNE,
MATSAGANIS, 2006), ganham força sujeitos alternativos, reforçados pelas possibilidades das
novas mídias. Vive-se um momento de transição, mas as características das tecnologias que
sustentam a nova organização do ambiente de comunicação e os agenciamentos sociais a partir
delas sugerem uma expansão da lógica que hoje apenas insinua uma consolidação futura. Ainda
que, quando esta ocorra, poderá estar estabilizada em uma configuração bastante diversa da
7. verificada atualmente, a depender do modo de evolução dessas apropriações sociotécnicas.
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www.cfo.com/article.cfm/3008674>. Acesso em 24 mar. 2009.
8. [1] http://twitter.com/bispomacedo. O Twitter é a mas recente “next big thing” a ser adotada pelo mainstream,
passando a ser destaque em emissoras, revistas e jornais tradicionais.