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Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 1
precisamos
falar sobre o
streaming
Carlos Taran
Rio de Janeiro, Brasil. Março de 2015.
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 2
precisamos
falar sobre o
streaming
Carlos Taran
Os serviços de streaming pagam pouco, pagam muito mal. Esta é a voz corrente entre
músicos, compositores e produtores. Já ouvi tal afirmativa uma centena de vezes mas,
quando procuro saber o que leva os profissionais da música a pensarem assim, percebo que
a maioria não entende a equação usada pela indústria para precificar a execução de suas
canções. Todos acham que ganham mal, mas não entendem os motivos.
Quando buscamos o outro lado do balcão e questionamos as empresas de streaming sobre
os valores pagos constatamos que a informação existe porém, certa parte não é divulgada.
Dados fundamentais para seu entendimento não são compartilhados. O problema é que, tão
valiosas informações, não são compartilhadas seja com os músicos, seja com os legítimos
“co-propietários” de suas canções, matéria prima e única razão para a existência deste novo
negócio chamado streaming.
A busca por uma explicação clara sobre a remuneração dos artistas e o funcionamento deste
novo modelo nos faz mergulhar neste assunto. Tanto que acabei decidindo que este seria
o tema do TCC no MBA em Gestão Cultural que estou finalizando na FGV. Claro, mesmo não
sendo músico, também sou um profissional da música e boa parte dos meus amigos são
artistas. Falo, portanto, de uma questão presente em meu cotidiano, em um texto iniciativo,
não definitivo. A intenção é promover o debate de alto nível, propondo uma reflexão sobre
o assunto e não uma caça a culpados. Não pretendo definir mocinhos ou bandidos, mesmo
porque não existem. Falo de um sistema relativamente novo. A ideia é a de tentar iluminar
uma questão importante que, por sua grandeza, desperta dúvidas e gera questionamentos.
Sei que ficou um pouco longo, mas se os negócios da música mexem com seu coração - e
com seu bolso - imagino que você vai querer ler até o final.
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 3
Os serviços de streaming permitem ouvir música online sem a necessidade de downloads.
Algumas das principais empresas do mercado são Spotify, Deezer, Rdio, Apple Music, Google
Play, Tidal e Rhapsody/Napster. Pleimo e Plaay são duas das iniciativas locais.
As principais chegam a ter em seus catálogos mais de trinta milhões de músicas e o modelo
de negócios que utilizam pode ser definido como freemium. Os acessos podem ser pagos,
com assinaturas mensais que dentre outras coisas permitem também a audição offline;
ou gratuitos, onde o ouvinte costuma ser obrigado a ouvir publicidade e tem acesso a uma
versão limitada de músicas e serviços.
Há bastante tempo assino o serviço premium de uma destas empresas e devo dizer que
estou muito satisfeito. Pago um valor mensal que está dentro de minhas possibilidades em
troca do acesso irrestrito a um catálogo imenso de músicas. Ouço tudo – ou quase tudo –
o que quero, quando quero e onde estiver. É ou não é uma maravilha?
De que falamos quando
falamos de streaming?
Freemium como modelo de negócio
A palavra freemium é relativamente nova, o modelo não. Popularizado na internet
desde a virada do século, este se baseia no acesso gratuito a uma versão básica
ou limitada de um serviço, uma espécie de “degustação”, mas que permite acceso
a uma versão com maiores beneficios quando realizado um pagamento.
O termo nasce em 2006 pela boca do investidor norte-americano Fred Wilson
e nada mais é do que a combinação de “free” com “premium”. Limite de prazo
de uso ou recursos limitados são algumas das características das versões grátis
no modelo freemium. Skype, Dropbox e Wetransfer são empresas que também
utilizam este modelo.
Leitura recomendada para quem quiser se aprofundar no assunto é o livro “Free -
Grátis: O futuro dos preços”, de Chris Anderson, publicado no Brasil em 2009 pela
Elsevier Editora. Mesmo autor de “A Cauda Longa”, da mesma editora.
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 4
Ainda encontro
a fórmula do streaming
A maior parte das empresas de streaming usa da mesma fórmula para calcular a distribuição
de suas receitas. Aqui você pode ver a equação que a Spotify, considerada líder do setor,
publica em seu site Spotify for Artists1
:
Como podemos observar na fórmula acima, a receita do artista (figura 5) será o resultado
da equação que a antecede. Os dados contidos nas figuras 1 e 2 são controlados pela
própria Spotify. O dado contido na figura 3 representa o repasse que o Spotify vai fazer aos
detentores dos direitos fonográficos e autorais. Já o dado na figura 4 vai representar a taxa
de royalties do artista na forma dos seus contratos com gravadoras, editoras e outros.
Corresponde dizer que se a Spotify é considerada líder do setor, não se trata só pela sua
posição no mercado, mas também por assumir iniciativas importantes para o setor todo.
Ter sido a primeira empresa a abrir um espaço onde explicar parte do seu negócio para os
artistas é um claro exemplo da sua liderança.
1
http://www.spotifyartists.com/spotify-explained/#royalties-in-detail
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 5
Quem seriam
os “detentores” dos direitos?
Uma obra musical é protegida pela lei de direitos autorais, divididos em direitos
morais e direitos patrimoniais. Os direitos morais são os de caráter pessoal e
vinculam ao criador com sua obra, sendo inalienáveis e irrenunciáveis. Já os direitos
patrimoniais são aqueles vinculados à fruição econômica da obra. Enquanto os
direitos patrimoniais podem ser cedidos ou licenciados, os morais não.
Quando ouvimos uma canção, observamos dois grandes grupos de direitos,
os que tem a ver com a composição e os que tem a ver com a gravação. Os que
tem a ver com a composição são os direitos de autor e incluem do compositor ao
arranjador. Já os que tem a ver com a gravação são os direitos conexos e incluem
dos artistas intérpretes ou executantes, aos produtores fonográficos e às empresas
de radiodifusão. Uma composição pode ter um ou vários autores, mas sempre
será única. Porém, podem existir várias gravações (ou fonogramas) da mesma
composição, podendo ela ser gravada mais de uma vez e por diferentes intérpretes.
Vamos utilizar como exemplo a música “Será”, que abre o primeiro disco da Legião
Urbana. A música foi composta por Renato Russo, Dado Villa-Lobos e Marcelo
Bonfá e está dividida em partes iguais (33,3% cada), portanto, os direitos morais são
e serão sempre desses três. Porém, os direitos patrimoniais da composição foram
na época cedidos à editora Tapajós (atualmente administrada pela editora Sony/
ATV). Portanto, a Tapajós é a detentora dos direitos patrimoniais da obra. Quando
existir fruição econômica da composição, esta vai gerar receita e os autores vão
receber um percentual da receita líquida que a Tapajós tiver, sempre na forma do
contrato assinado.
Por outro lado existem os fonogramas de “Será”. Um é o da gravação original, fixado
no primeiro disco da banda. Mas também existem outras gravações, como as feitas
pela própria Legião ao vivo ou, ainda, a famosa gravação do Raça Negra, dentre
outras. No caso das gravações da própria Legião Urbana, o produtor fonográfico foi
a EMI Music (hoje parte da Universal Music Group, da Vivendi). Portanto, os direitos
patrimoniais sob os fonogramas são da gravadora. A banda (por ser detentora de
direitos conexos das gravações) tem uma participação percentual (royalties) sobre as
receitas líquidas da comercialização dos fonogramas, sempre na forma do contrato
assinado. Receita que, no caso da Legião, vai ser sempre dividida em forma idêntica
entre os integrantes que a banda teve na gravação de cada disco.
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 6
Você sabia que as empresas de streaming repassam setenta por cento de suas receitas aos
detentores dos direitos autorais e fonográficos?
A explicação contida no gráfico abaixo mostra que, como explicado antes, elas são
financiadas por publicidade e assinaturas. Como qualquer empresa, da receita bruta (A) são
deduzidos os impostos e taxas obrigatórias para assim chegar na receita líquida (B). Este
cálculo costuma ser realizado pela empresa para cada território em que está presente e por
determinados períodos de tempo, por exemplo, mensalmente no Brasil.
Setenta por cento da receita líquida será repassada aos detentores dos direitos fonográficos
e autorais das músicas executadas ou, no jargão do mercado, dos streams. Os outros trinta
por cento ficam com as próprias empresas e representam o faturamento delas.
Que tal tentar simplificar
para entender?
Publicidade
$
Assinaturas
$
Receita
bruta
do serviço
A
- =Impostos
Receita
líquida
do serviço
B
30%
fica com o
serviço
70%
é repassado
aos detentores dos
direitos fonográficos
e autorais
GRÁFICO 1
A distribuição do montante a ser repassado pela empresa de streaming será realizada em
forma proporcional entre as músicas executadas naquele território e período. Portanto,
ganha mais quem toca mais, ganha menos quem toca menos, e não ganha nada quem não
tocar. A divisão do bolo é proporcional, por exemplo: se 70% da receita líquida da empresa
for de $ 100.000 e os streams de um determinado artista correspondessem ao 10% do total
de streams, os detentores dos direitos patrimonias das músicas daquele artista deverão
receber $ 10.000. Algo que podemos ver melhor no próximo gráfico:
C
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 7
x
TOTAL
a ser repassado
aos detentores dos
direitos fonográficos
e autorais
GRÁFICO 2
Streams do artista “Z”
Total de streams
=
Receita bruta dos
detentores dos direitos
fonográficos e autorais
do artista “Z”
Como podemos ver acima, serão três os dados que vão determinar a receita bruta dos
detentores dos direitos fonográficos e autorais das músicas executadas:
1. O montante total a ser repassado pela empresa, que será dividido entre todas as músicas
executadas (figura C).
2. Os streams do artista que estivermos analisando (e que chamamos de “Z” no exemplo).
3. O total de streams (ou total de músicas executadas)
Substituidos estes valores na fórmula, vamos obter como resultado a receita bruta para os
detentores dos direitos do artista “Z”, figura D.
Valor que ainda poderia sofrer descontos de impostos e possíveis taxas, como podemos ver
no gráfico 3, a seguir:
C D
Receita bruta dos
detentores dos direitos
fonográficos e autorais
do artista “Z”
D
- -Impostos
Taxa (%)
Agregador
(se tiver)
=
Receita líquida dos
detentores dos direitos
fonográficos e autorais
do artista “Z”
E
GRÁFICO 3
A figura E, acima, representa então a receita líquida a ser distribuída entre os detentores
dos direitos das músicas do artista “Z”. Num modelo tradicional, esses detentores seriam
principalmente o produtor fonográfico, a editora, os intérpretes e os autores. Basta aplicar
a taxa de royalty na forma estabelecida nos contratos para chegar no lucro final de cada um
deles, aquele dinheiro que vai limpo pra conta bancária e que podemos ver no gráfico 4.
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 8
Receita líquida dos
detentores dos direitos
fonográficos e autorais
do artista “Z”
x
Royalties (%)
fonográficos e
autorais do artista “Z”
=
Lucro do artista
“Z”
GRÁFICO 4
Importante dizer que, pelo que investigamos, do montante total a ser repassado aos
detentores dos direitos fonográficos e autorais pelos serviços de streaming (ou provedores,
como também são chamados na indústria), a remuneração pela parte autoral seria hoje de
12% dessa receita. Sendo que - segundo acordo entre a UBEM, o ECAD e os provedores - esse
12% é distribuído entre o ECAD e as editoras. As editoras vão distribuir a receita na forma
dos contratos assinados com os autores. Sem esquecer que o acordo pela parte autoral
determina 10% para o primeiro ano de serviço e 12% a partir do segundo ano. Já o restante
a ser repassado pelos proveodores corresponderia à parte fonográfica, que também vai
distribuir na forma de contratos assinados com os artistas.
Resumindo: se a receita depois de impostos do provedor for de $ 100. $ 12 vão para a parte
autoral, $ 58 vão para a parte fonográfica e $ 30 serão do próprio provedor.
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 9
Já sabemos que a fórmula para o pagamento é relativamente simples. Como uma receita
de bolo, basta ter os ingredientes e executar. Mas aí é que mora o problema. No nosso caso,
os ingredientes não estão disponíveis na prateleira. E fique firme na cadeira com o que vou
te contar: as empresas operadoras de streaming não divulgam seus números. Neste caso,
os números de faturamento e a quantidade total de execuções.
A informação que deveria ser clara e acessível habita uma caixa preta guardada a sete
chaves dentro do cofre de cada uma das empresas de streaming. Os artistas, criadores
e responsáveis pela música, a matéria prima do negócio, só têm acesso à sua própria
quantidade de streams e ao valor final que a empresa vai pagar por cada execução.
Imagine que nosso artista teve dez mil streams em um mês e o valor pago por música no
território em questão é de $ 0,006. Com as informações que lhe foram ofertadas ele poderá
saber que sua receita naquele mês será de $ 60. O problema é que ele terá que conviver com
algumas dúvidas: Essa receita é alta ou baixa? O pagamento está justo? Se ele teve dez mil
streams, qual foi a quantidade total de streams para ele receber $ 60? Se recebeu $ 60, quanto
recebeu a empresa de streaming que utiliza seu patrimônio? E sabe o que vai acontecer?
Ele vai ter de conviver com essas dúvidas, porque os dados que deveriam ser claros, não
são revelados.
Talvez você esteja pensando que as empresas privadas não precisam mesmo revelar seus
números, seja por questões de estratégia ou porque não são obrigados. O problema é que
ao esconder esses dados, ela prejudica o artista que não sabe qual é a base de cálculo para
o preço final de seu trabalho. É como se você fosse fazer um show em troca de 10% da
bilheteria. No camarim, o produtor do espetáculo te entrega um cheque de R$ 500 e você
imagina que a venda total foi de R$ 5.000. Mas, como você é cuidadoso com seu trabalho,
pede para ver o borderô e aí o produtor não te mostra. Como saber que foram pagos
realmente 10% da bilheteria? Sem a informação completa você nunca poderá checar se cinco
ou cinquenta mil pessoas pagaram para te asistir. Estou me explicando?
Você imagina uma empresa de streaming sem música? Pois é, elas não existiriam! Partindo
desse princípio, em que a música é a alma do negócio, neste modelo o artista acaba sendo
quase um sócio que aporta seu patrimônio, um parceiro colaborador dessas empresas.
Só que aqui ele disponibiliza gratuitamente seu patrimônio para que outros o comercializem
à vontade sem sequer prestar contas ao dono da obra. Você acha isso justo?
O que foi escondido
é o que se escondeu
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 10
A divisão total das receitas entre o total de streams só favorece aos artistas mais tocados e
ainda impede que o dinheiro do assinante seja destinado ao artista que ele ouviu.
Um assinante que tem uma conta premium pode pagar hoje R$ 14,90 em alguns serviços.
Imagine que esse cara ouviu uma única música ao longo do mês. Ele fez apenas um stream.
E vamos supor agora que essa única música ouvida pelo assinante é também a primeira
e única música lançada por um artista iniciante e independente que não tem gravadora e
nem editora e, naquele mês, não foi ouvida por mais ninguém.
Se o dinheiro pago pelo assinante fosse distribuído entre os artistas que ele ouve e, naquele
mês, este assinante ouviu só aquela música, a conta seria relativamente fácil. Suponhamos
que o serviço de streaming pague 20% de impostos e que a música executada pelo nosso
ouvinte tivesse sido distribuída nas plataformas digitais através de um “agregador”, que
ficaria com 20% da receita final (e supondo que, para simplificar, o agregador administraria e
repassaria tanto os direitos autorais quanto conexos). A conta seria mais ou menos assim:
Se esse era o primeiro problema,
qual seria o segundo?
Assinatura mensal de R$ 14,90 menos 20% de impostos ($2,98) = R$ 11,92.
R$ 11,92 seria a receita líquida do serviço vinda daquele assinante.
Desses R$ 11,92, 30% vai ser retido pelo serviço de streaming (R$ 3,58) e o restante 70%
(que serão R$ 8,34) serão repassados aos detentores dos direitos artísticos.
Dos R$ 8,34 repassados, o agregador vai ficar com 20% (R$ 1,67)
e repassar R$ 6,68 para o artista.
Resumindo: Neste exemplo, aquele artista receberia R$ 6,68 por causa do único stream
que um assinante premium (que tocou só uma música), fez naquele mês.
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 11
O Spotify declara no site Spotify for Artists2
que repassa entre USD 0,006 e USD 0,0084 por
stream. Em 2014 no Brasil, a média paga foi bem menor que isso e cada artista pode checar
os números em seus relatórios. Para o nosso cálculo, vamos fixar o valor do stream em
USD 0,006 e a cotação do dólar em R$ 3,00. Convertendo, chegamos ao preço de R$ 0,018
por stream. Descontando os 20% do agregador, o único intermediador em nosso exemplo,
o valor final por stream para o artista é de R$ 0,0144, quase um centavo e meio.
Quando aplicada a fórmula de distribuição utilizada atualmente, o artista exemplificado
receberia R$ 0,0144 pelo seu único stream em um mês. Se o dinheiro pago pelo assinante
fosse dividido diretamente entre as músicas que ele executa, no exemplo esse valor saltaria
para R$ 6,68. A seguir podemos ver um quadro de quanto ele receberia para diversas
quantidades de streams se o valor por execução ficasse constante em R$ 0,0144:
Mas quanto esse artista teria ganhado
se aplicarmos a fórmula atual
dos serviços de streaming?
Streams Royalties
1 0,01
100 1,44
1.000 14,40
10.000 144
100.000 1.440
1.000.000 14.400
No quadro podemos ver a relação do artista caso fosse executado mais vezes. Se ele tivesse
tido um milhão de streams, por exemplo, teria recebido R$ 14.400 mesmo que 999.999 das
execuções fossem de pessoas que ouvem de graça e apenas uma de um assinate premium.
Fica claro que o modelo beneficia economicamente a quem mais toca, independentemente
do tipo de ouvinte que gera o volume.
2
https://www.spotifyartists.com/spotify-explained/ “Recently, these variables have led to an average “per stream”
payout to rights holders of between $0.006 and $0.0084. This combines activity across our tiers of service. The effective
average “per stream” payout generated by our Premium subscribers is considerably higher.”
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 12
Sigo com um exemplo hipotético: um território onde uma empresa de streaming tenha um
milhão de consumidores. Do total, 20%, ou duzentos mil, pagam uma assinatura premium
mensaleouveosgênerosAeB.Os80%restantes,ouoitocentosmilouvintes,acessamdegraça
e preferem os gêneros M e N. Essa empresa fatura R$ 2.980.000 com assinaturas premium
no valor de R$14,90 cada e vamos supor que fatura R$ 745.000 com publicidade. Neste caso,
a arrecadação total seria de R$ 3.725.000, 80% por assinaturas e 20% por publicidade. Ou seja,
20% dos consumidores (aqueles que ouvem os gêneros A e B) geram 80% das receitas.
Se pensarmos em 100 execuções mensais em média por usuário, temos um total de 100
milhõesdestreamsaomês.Assim,20milhõesdestreamsserãodosgênerosAeBe80milhões
do M e N. Portanto, os artistas ouvidos por quem acessa o serviço de graça receberão 80%
da receita total. Resumindo: Grande parte dos pagamentos feitos pelos assinantes premium
será distribuído entre os artistas preferidos dos que nada pagaram.
Hecha la ley, hecha la trampa
Outrograndeproblemaéquenãoimportaoquesetocaeissofacilitaoaparecimento
de oportunistas, aqueles que só querem lucrar. A banda “Vulfpeck”, por exemplo,
lançou o projeto “Sleepify”, um disco com dez “músicas”. Colocamos esta última
palavra entre aspas porque todas as faixas são compostas do mais completo
silêncio e com duração de entre 31 e 32 segundos cada. A ideia da banda era financiar
uma tournê com shows gratuitos com o dinheiro arrecadado com os streams, eles
entendiam que era um disco ideal para se tocar como um loop na hora de dormir.
Mas Taran, por que 10 faixas de trinta e um segundos? Respondo: porque essa
é a duração mínima que uma faixa necessita ser tocada para que ela seja
considerada um stream. Sabemos que um dia tem 24 horas ou 86.400 segundos.
Logo, uma empresa que enxergue no streaming uma nova fonte de faturamento
e contratasse uma equipe para isso, poderia criar inúmeras contas gratuitas e
realizar até um máximo de 2.787 streams de 31 segundos por dia em cada conta.
Ao longo de um mês seriam tocados 83.613 streams por conta e, em um ano,
impresionantes 1.017.290 streams! Já pensou na receita que isso poderia gerar?
A propósito, o Spotify mandou retirar esse disco do Vulfpeck do catálogo, algo que
algumas pessoas também acabaram entendendo como uma forma de censura e
alertando para o controle do conteúdo por parte destas empresas no futuro.
3
http://www.rollingstone.com/music/news/silent-spotify-album-creator-talks-strategy-
behind-unique-plan-20140321
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 13
A herança do download
O modelo de streaming evidencia referências buscadas no modelo que o antecedeu;
o de downloads. Vamos a alguns exemplos:
Músicas avulsas: O modelo inicial do iTunes, lançado por Steve Jobs em abril de 2003,
propunha a possibilidade de comprar discos inteiros mas também faixas avulsas.
O streaming só contabiliza faixas avulsas.
Todas as músicas valem o mesmo: O iTunes propunha que todas as músicas
tivessem o mesmo custo: USD 0,99. Valor que além de simbólico - por ser de menos
de um dólar - mantinha certa compatibilidade quando comparado com o preço final
de um CD de 10 ou 12 faixas quando comprado numa loja. O streaming igualou
o preço das músicas, só que sem ter um valor pré-definido para cada uma delas.
O valor vai depender da performance comercial da empresa.
31 segundos: O modelo do download oferecia uma pré-escuta de até 30 segundos
sem custos tanto para o consumidor quanto para o iTunes, que não precisava pagar
direitos autorais e fonográficos por isso. O streaming é parecido: se você ouvir uma
música por até 30 segundos, ela não será contabilizada como uma execução. Não vai
gerar receita para ninguém. Isso é muito importante no streaming já que além de
promover a “degustação”, elimina a possibilidade de pagar por uma música da qual
o ouvinte não gostou ou executou por erro.
Receitas 70% / 30%: Com pequenas variações, o modelo do download também
oferecia ficar com 30% das receitas liquidas e repassar o 70% aos detentores dos
direitos artísticos. Gosto de pensar que isso foi apresentado como uma vantagem
competitiva perante as lojas tradicionais, aquelas que vendiam o produto físico e
costumavam ficar com 50% ou mais sobre o preço de venda ao público. Sem esquecer
que no formato digital não havia (e não há) fabricação, distribuição física ou stock, por
tanto não teria sentido manter as margens originais.
Agregadores: Não é qualquer um que pode disponibilizar música nos serviços de
streaming. Ou são as grandes gravadoras diretamente ou são os agregadores de
conteúdoqueofazem.Estesúltimossãoempresasqueseespecializamemformatar,
disponibilizar e administrar a música nos diferentes serviços digitais e cobrando um
valor fixo e/ou uma taxa variável por isso. No caso da taxa, varia hoje de 0% a 30%.
Gosto de pensar que na medida que o modelo se popularize, a taxa variável deveria
se aproximar mais de 0% do que de 30%.
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 14
Tudo isso posto, é evidente que os artistas queiram receber mais pela execução de suas
músicas. Mas é preciso entender também que o bolso do consumidor tem fundo. Com o
surgimento dos serviços de streaming, uma nova realidade surge: o acesso às músicas existe
à revelia da necessidade de adquiri-las. Geralmente uma mesma música é “consumida”
várias vezes, e acessá-la onde e quando quiser é confortável para o consumidor.
Alguns artistas acham que deveriam ser remunerados com valores pre-fixados. Também
achocompreensível,maspensoqueessareivindicaçãoesbarraemdoisfatores:asmudanças
da revolução digital em relação ao “consumo” de música e o bolso do consumidor. Por outro
lado, o fato de os artistas receberem mais não dependerá só do valor final pago pelo usuário,
pelas vendas de publicidade do serviço ou do % repassado pelo serviço de streaming.
Uma análise recente4
feita pela consultoria Ernst & Young em parceria com as principais
gravadoras (SNEP) da França, revela que 45% da receita total das gigantes Spotify e Deezer,
as duas plataformas incluídas no estudo, ficou com as gravadoras. Os artistas, no caso
intérpretes, não chegaram a receber 7%. Autores e editoras embolsaram 10% e as próprias
plataformas pouco mais de 20%. O restante, 17%, foram impostos.
Eu, por mim,
queria isso e aquilo...
3
http://pando.com/2015/02/06/labels-not-spotify-are-screwing-over-artists-and-breaking-
the-music-industry-heres-how-to-fix-it/
Share Of Streaming Revenue
Platform 20,8%
Labels 45,6%
16,7% Taxes
Songwriters/
10% Publishers
6,8% Artists
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 15
Estou convencido de que as gravadoras continuam a ter um papel fundamental na indústria
da música. Porém, acho que se a distribuição dos lucros no negócio do streaming precisa
ser revista, a primeira conversa deveria ser entre os artistas e suas gravadoras.
Uma pesquisa da Music Business Worldwide mostrou que, nos Estados Unidos, o comércio
de álbuns de catálogo no iTunes já supera a de álbuns novos. Dados semelhantes no
streaming ainda não foram divulgados por aqui. De toda forma, eu não me supreenderia
ao saber que a execução de músicas gravadas antes dos anos 2000 tenham importância
quantitativa num país como o Brasil.
Naquelas épocas os artistas (grupos ou solos) costumavam ter royalties variáveis entre 0%
e 20% da receita final obtida pelas gravadoras sobre mídias físicas (vinil, K7 e CD). A média
entre a maioria variava de 5% a 15%. Muitos dos discos “de catálogo” e suas músicas, claro,
continuamcomliquidezcomercialeganharamaindamaisfôlegocomanovarealidadedigital.
São trabalhos que tiveram alto investimento das companhias quando gravados e lançados.
Só que na época ninguém contava que eles ganhassem tamanha sobrevida com a receita
residual que continuaram gerando ao longo dos anos e a partir do surgimento de novos
formatos. Sendo que esses novos formatos não necessitam investimentos significativos
por sua natureza digital. E também não precisam de produção artística, fabricação, stock ou
distribuição física. Na maioria dos casos, nem de marketing. Se o lucro continua garantindo
eterno retorno ao investimento feito lá atrás e agora quase não tem custos, qual é a
explicação em manter os mesmos percentuais para os artistas?
Artistas de muito sucesso assinaram contratos diferenciados na época de elaboração de
seus clásicos e imortais álbuns físicos. As participações em royalties variam. Há quem tenha
7,5% e há quem chegou a 10%. Alguns artistas recebem 15% de royalties e grandes estrelas
conseguiram chegar em até 20%, ou mais.
Uma parte desses artistas tem conseguido renegociar recentemente percentuais maiores
sobre as vendas digitais, já que isso não estava previsto nos contratos originais. Porém,
a grande maioria ou ainda não negociou ou mantém os mesmos percentuais outrora
negociados para os discos físicos.
Será que não chegamos no momento de revisar os percentuais por uma distribuição mais
justa? Que tal 50% a 50%, que nem na sincronização pra filmes e comerciais? E se a gravadora
não estiver fazendo nada a mais do que um agregador faria, será delirio pensar que chegou
a hora de inverter as contas e fazer com que os artistas recebam 80% e as gravadoras 20%?
Fato é que precisamos reconversar.
Artistas & Gravadoras
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 16
Talvez alguém pense ser injusto rever valores sobre os royalties de quem fez o investimento,
correu risco e agora lucra com o empreendedorismo. Todavia, a negociação feita naquela
época estava atrelada a um modelo de negócio muito diferente do de hoje. Era um outro
mundo, uma outra indústria. A evolução foi muito rápida, os custos baratearam e hoje
é preciso um novo debate. Os investimentos em fabricação e distribuição não são mais
necessários. Cadê as grandes fábricas de discos? E os estúdios das próprias gravadoras?
E as enormes equipes de promoção e distribuição? Isso não existe mais e é com base nessa
relação de produção e lucro que poderia se dar uma nova negociação entre gravadoras e
artistas, que ainda participam dos direitos patrimoniais sobre suas obras.
Já sobre novos artistas e/ou novos trabalhos - e levando em consideração que grande parte
dos artistas hoje financia seus próprios trabalhos - a negociação dos royalties poderia ser
bem mais simples e justa. Principalmente porque resultaria mais fácil identificar os aportes
de cada parte (artista e gravadora). Tanto os aportes no processo de composição, produção
artística, gravação, mixagem e masterização; quanto no processo de comercialização,
distribuição, marketing e divulgação. Isso, claro, quando exista uma gravadora envolvida
no processo.
Existem artistas e/ou trabalhos que, pelo seu perfil ou momento, necessitam trabalhar
junto a grandes gravadoras. Outros necessitam de gravadoras menores. E existem também
aqueles que não necessitam de gravadora e apenas sim de um agregador. Cada caso é
um caso.
Em tempo: Todas as cláusulas que nos contratos falam de futuras mídias ou formatos
que venham a existir não têm efeito legal no Brasil, só vale o que existia no momento da
assinatura do contrato. O inciso V, do artigo 49º, da Lei 9.610 de Direitos Autorais não deixa
lugar a dúvidas: A cessão (de direitos) só se operará para modalidades de utilização já
existentes à data do contrato.6
6
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 17
“Aretheysimplyalegalisedversionoffile-sharingsitessuchasNapsterandPirateBay–with
the difference being that with streaming services the big labels now get hefty advances?”
Escreveu David Byrne, líder dos Talking Heads, em 2013 no “The Guardian”7
. Ele falava
sobre os serviços de streaming e as gravadoras. Em livre tradução queria dizer que, para
ele, os serviços de streaming não seriam mais do que uma versão legal dos antigos serviços
piratas de compartilhamento de músicas, como o Napster e o Pirate Bay. A diferença é que
com esses serviços as gravadoras estariam pegando adiantamentos gigantes.
No mesmo artigo ele comenta que as gravadoras não somente teriam recebido dinheiro
como também participação acionária das empresas de streaming para liberar os catálogos
de seus artistas. A questão é que esse dinheiro não teria sido repassado a eles. Assim:
as gravadoras teriam recebido luvas em dinheiro e ações enquanto os artistas ficaram de
mãos vazias aguardando o início do serviço online, quando passariam a receber parte da
receita gerada com assinatura e publicidade e calculada segundo a fórmula antes vista.
Segundo publicação oficial do NASDAQ em 29 de janeiro de 20158
a Spotify estaria avaliada
em 6 bilhões de dólares. As gravadoras são donas de quase 15% disso. Algumas delas: “The
major record companies - Vivendi SA’s Universal Music Group; ..Sony Music Entertainment
and ... Warner Music Group - together own just under 15% of Spotify....”
	 O que diferencia as empresas de streaming uma das outras? Talvez algumas
características como posicionamento, perspectivas comerciais ou software mas,
principalmente, o catálogo de músicas disponível e a quantidade de usuários cadastrados
(principalmente usuários premium). E o que aconteceria com essas empresas se os grandes
artistas decidissem por retirar seus catálogos? Por qual motivo um cliente assinaria um
serviço sem seus artistas prediletos? Qual seria o valor de mercado desta empresa?
	 Voltando ao potencial de mercado das empresas de streaming: se uma destas
empresas for vendida hoje por bilhões de dólares, quanto cabe aos artistas nessa transação?
Acho que nada!
O lado sombrio da força?
7
http://www.theguardian.com/music/2013/oct/11/david-byrne-internet-content-world
8
http://www.nasdaq.com/article/spotify-seeks-to-raise-about-500-million-hires-goldmanupdate-20150129-01357
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 18
Eu gostaria de compartilhar aqui algumas percepções muito pessoais, e claro que posso
estar equivocado:
•	 O streaming é uma alternativa muito boa para ouvir e desfrutar de música.
•	 Não gosto de pensar que o streaming é “o” caminho, como se fosse o único que temos 	
pela frente. É uma alternativa boa. Mas talvez amanhã surjam outras, também boas!
•	 Como assinante penso que quanto mais músicas e artistas disponíveis no catálogo,
melhor! E fico feliz com os serviços que começam a oferecer um som de melhor fidelidade.
•	 Todos os dados que determinam a receita do artista devem ser compartilhados com
o artista.
•	 Acho que o modelo poderia ser mais justo em relação a distribuição das receitas.
Entendo que seria mais justo se o montante pago mensalmente por cada assinante fosse
pro-rateado entre as músicas que o próprio assinante ouvisse. Em tempo: se alguém acha
que os serviços não fazem isso porque não podem, ou não divulgam os dados também
porque não podem, está enganado. Em software tudo pode (ou quase tudo).
•	 Isso sem esquecer que a receita de grande parte dos artistas depende da negociação de
royalties que estes tenham com as suas gravadoras. Artistas e gravadoras precisam conversar.
•	 Acho também que o dinheiro da publicidade deveria ser pro-rateado entre as músicas
associadas a elas.
•	 Acredito também que o principal cliente pode ser o assinante. A publicidade,
que estimo ser pouca, pode encolher pelo fato de a plataforma não parecer atrativa aos
anunciantes. Tomara que eu esteja errado, já que são essas receitas que sustentam esta
versão do modelo freemium.
•	 Também acho que o artista deveria ter a liberdade de decidir se quer ter sua obra
disponível de graça ou não. Entendo que para os serviços de streaming, hoje, é fundamental
ter a opção do cliente ouvir de graça. É essa a essência do modelo freemium no qual estão
inseridos, mas a opinião do artista deve ser ouvida e respeitada.
•	 Falando em publicidade, acho que o artista deveria participar da decisão de associar
sua obra com determinada marca ou produto. Já pensou o que faria aquele cantor vegano
se ouvisse sua obra junto a publicidade de uma marca de carne?
•	 Imagino que as empresas poderiam destinar parte da receita para remunerar cada
uma das músicas em catálogo, talvez realizando um pagamento que não dependa de
quanto tocam. Não me corresponde fazer propostas mas, se em lugar deles ficarem com
30% do faturamento ficassem com um 20% e dividissem o outro 10% entre todas as músicas
que estão no catálogo, já seria um bom começo. E continuaria atrelado à performance
econômica da empresa.
É pau! É pedra!
Mas, será o fim do caminho?
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 19
•	 Acredito que depois de alcançar um bom posicionamento e certa base de usuários,
o modelo vai permitir novas oportunidades de negócios. Podemos comparar, por exemplo,
com o modelo da TV a cabo, onde o cliente pode pagar um pouco a mais para contratar
pacotes com canais premium. Acho que no streaming você também vai poder pagar mais
para ter acceso ao catálogo de determinados artistas. Ou para outras opções, como ouvir
em primeira mão e por determinado prazo uma obra que, talvez mais na frente, vai estar
disponível no pacote básico.
•	 Acho também que, além da onda de artistas que estão retirando seus catálogos,
vamos observar uma outra onda, mas de artistas negociando diretamente com os serviços
de streaming. Tanto para manter os seus catálogos com exclusividade como para lançar
novos trabalhos em forma exclusiva. Se o Netflix não tardou em produzir e lançar “House of
cards”, com merecido sucesso, porque não esperar o próximo trabalho de um grande artista
produzido e lançado em forma exclusiva por um serviço de streaming?
•	 Por último, não podemos esquecer que existem outros agentes que também se
beneficiam – direta ou indiretamente – deste negócio: Os provedores de internet (que
fornecem a conexão, seja fixa ou móvel) e o Estado, que recolhe impostos.
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 20
Em2014estivereunidocomaltosexecutivosdosdiferentesserviçosdestreamingpresentes
no Brasil. Só agora percebo que parte da conversa com um deles me influenciou bastante
na hora de escrever este texto.
Enquanto esperava na bonita e arejada sala de reuniões, me detive a ler a letra de uma
música escrita em uma das paredes. Era uma música do The Smiths, banda de que sou fã e
na época estava lendo a biografia9
.
Imaginemcomofiqueicontente.Enquantogravadorashistóricasestãoquasedesaparecendo
e outras diminuindo, demitindo e outros “indo’s”. Eu estava em um escritório novo, lindo,
dedicado a música e, na parede, estava escrita a letra de uma música de uma das minhas
bandas favoritas. Pensei: existe luz no fim do túnel!
Só que, ao fim da letra percebi um erro. O nome dos autores estava grafado “Morrissey e
Mars”. Morrissey e Mars? Mas, peraí! Não, não é Mars, é Marr. Johnny Marr! Com r no final.
Na chegada do meu interlocutor, elogiei o bom gosto do escritório e alertei para o erro de
digitação no nome de um dos compositores da música. Comentei com ele que, sendo ali
uma empresa que tratava com música e um local de possível grande circulação de artistas,
não pegava bem ter nomes de autores errados. E a resposta dele até hoje não saiu da
minha cabeça: “Não se preocupe com esses detalhes, Taran. Aliás, você tem que entender
que nós não somos uma empresa de música, nós somos uma empresa de tecnologia”.
Ainda não voltei lá mas torço para que aquele simples e simbólico detalhe tenha sido
corrigido. Devo confessar aqui que eu adoro tecnologia, mas sempre a enxerguei como um
meio, não como um fim. Como um conjunto de conhecimentos, técnicas e processos que
visam alcançar objetivos e resolver problemas.
Sendo assim, não seria dificil pensar em alguns dos problemas existentes hoje no mercado
(como a pirataria, por exemplo) e oportunidades (acceso a internet com e sem fio, múltiplos
dispositivos ligados, aumento da quantidade de smartphones ou a importância da música
na vida das pessoas, entre outras) para concluirmos que estas seriam sim empresas de
tecnologia aplicada ao consumo de música. Resumindo: tudo bem que sejam empresas de
tecnologia mas, sem música, não existiriam.
Nós somos uma empresa de tecnologia,
não de música
9
http://www.record.com.br/livro_sinopse.asp?id_livro=28047
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 21
Enquanto acabo este texto leio a notícia de que o Myspace não precisa mais pagar direitos
autorais ao ECAD. Fico surpreso, muito surpreso. Não pelo fato de eles não precisarem mais
pagar, mas sim por um dia terem pago.
Segundo artigo do jornal Valor Econômico de 4 de março de 201510
, “O Myspace havia sido
enquadrado em transmissão por meio de webcasting, com a música sendo o conteúdo
principal e com finalidade comercial. Sendo que esse segmento deve pagar mensalmente
7,5% da receita total, com o mínimo de 50 unidades de direito autoral - o valor de cada
unidade é de R$ 60,40”.
Volto a investigar os pagamentos no streaming para saber se eles pagam algum percentual
dareceitaaoECAD.Lembroquemecomprometiaentregarotextologo.Maslembrotambém
que do percentual autoral devido por serviços interativos o ECAD recebe 25% direto do
provedor e os editores filiados a União Brasileira de Editores de Música (UBEM) recebem 75%.
Ou seja, recebem parte daquele % da parte autoral que vimos lá atrás. Mas lembro também:
o ECAD não recebe por downloads. E se não recebe por downloads, qual é razão de receber
por streaming?
No site do ECAD leio que “seu principal objetivo é centralizar a arrecadação e distribuição
dos direitos autorais de execução pública musical”.11
Se o ECAD tem por objetivo arrecadar
e distribuir direitos de execução pública, teria algum motivo para levar algum percentual
dos serviços de streaming que são execuções privadas? Por que o consumidor contrata algo
para execução privada e tem que pagar como se fosse pública?
Será pela possibilidade de alguém executar publicamente uma canção via streaming numa
loja, restaurante ou academia? Devemos lembrar que esses estabelecimentos já pagam
ao ECAD independentemente da forma que executam músicas12
. Academias, por exemplo,
pagam mensalmente um montante fixo de uma unidade de direito autoral para cada 10m2
.
Lojas também têm uma taxa pré-estabelecida. Em shows o pagamento é percentual e
por aí vai.
Pois é, acho que (também) precisamos falar do ECAD...
Saideira: Alguém falou em ECAD aí?
10
http://www.valor.com.br/legislacao/3935616/myspace-nao-precisa-pagar-direitos-autorais
11
http://www.ecad.org.br/pt/quem-somos/oEcad/Paginas/default.aspx
12
http://www.ecad.org.br/pt/eu-uso-musica/servicos-ao-usuario/tabela-de-precos/Paginas/Tabela-de-precos.
aspx#!Permanente
Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 22
Carlos TARAN. Formado em administração e
marketing, finaliza MBA em Gestão Cultural na FGV
Rio. É emprendedor, empresário e fundador da banda
Panamericana em parceria com Dado Villa-Lobos,
Dé Palmeira, Toni Platão e Charles Gavin. Entre
2008 e 2012 cuidou dos assuntos da Legião Urbana
para Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá. Em 2013
trabalhou com os Titãs como assessor estratégico,
colaborando no planejamento de carreira da banda
para os próximos anos. Em 2014 passou a se dedicar
a consultoria estratégica para vários artistas.
É uruguaio mas mora no Brasil desde 2007, depois de
viver também na Argentina e no Japão. No Uruguai foi
fundador e diretor da Revista Freeway – que vendeu
ao jornal El País em 2007 – e do festival VoxPop.
Na Argentina foi Diretor Comercial e de Marketing da
revista Los Inrockuptibles.
E.mail: taran@starsbureau.com
Agradecimentos: Dé Palmeira, Dado Villa-Lobos,
Chico Regueira, Philippe Leon e o Adv. Sérgio Branco.
Diagramação e fotos por Philippe Leon.
Texto composto em Titillium, uma fonte publicada em
licençaOFL(OpenFontLicense)ecriadacoletivamente
por alunos e professores na Accademia di Belle Arti di
Urbino / Campivisi, Itália.
Alguns direitos reservados a Carlos Taran.
Você tem o direito de copiar, distribuir e fazer
trabalhos derivados deste artigo, sempre que seja
para fins não-comerciais e credenciando o autor da
seguinte forma: “Precisamos falar sobre o streaming,
Carlos Taran, 2015”.

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O funcionamento do pagamento no streaming musical

  • 1. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 1 precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran Rio de Janeiro, Brasil. Março de 2015.
  • 2. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 2 precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran Os serviços de streaming pagam pouco, pagam muito mal. Esta é a voz corrente entre músicos, compositores e produtores. Já ouvi tal afirmativa uma centena de vezes mas, quando procuro saber o que leva os profissionais da música a pensarem assim, percebo que a maioria não entende a equação usada pela indústria para precificar a execução de suas canções. Todos acham que ganham mal, mas não entendem os motivos. Quando buscamos o outro lado do balcão e questionamos as empresas de streaming sobre os valores pagos constatamos que a informação existe porém, certa parte não é divulgada. Dados fundamentais para seu entendimento não são compartilhados. O problema é que, tão valiosas informações, não são compartilhadas seja com os músicos, seja com os legítimos “co-propietários” de suas canções, matéria prima e única razão para a existência deste novo negócio chamado streaming. A busca por uma explicação clara sobre a remuneração dos artistas e o funcionamento deste novo modelo nos faz mergulhar neste assunto. Tanto que acabei decidindo que este seria o tema do TCC no MBA em Gestão Cultural que estou finalizando na FGV. Claro, mesmo não sendo músico, também sou um profissional da música e boa parte dos meus amigos são artistas. Falo, portanto, de uma questão presente em meu cotidiano, em um texto iniciativo, não definitivo. A intenção é promover o debate de alto nível, propondo uma reflexão sobre o assunto e não uma caça a culpados. Não pretendo definir mocinhos ou bandidos, mesmo porque não existem. Falo de um sistema relativamente novo. A ideia é a de tentar iluminar uma questão importante que, por sua grandeza, desperta dúvidas e gera questionamentos. Sei que ficou um pouco longo, mas se os negócios da música mexem com seu coração - e com seu bolso - imagino que você vai querer ler até o final.
  • 3. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 3 Os serviços de streaming permitem ouvir música online sem a necessidade de downloads. Algumas das principais empresas do mercado são Spotify, Deezer, Rdio, Apple Music, Google Play, Tidal e Rhapsody/Napster. Pleimo e Plaay são duas das iniciativas locais. As principais chegam a ter em seus catálogos mais de trinta milhões de músicas e o modelo de negócios que utilizam pode ser definido como freemium. Os acessos podem ser pagos, com assinaturas mensais que dentre outras coisas permitem também a audição offline; ou gratuitos, onde o ouvinte costuma ser obrigado a ouvir publicidade e tem acesso a uma versão limitada de músicas e serviços. Há bastante tempo assino o serviço premium de uma destas empresas e devo dizer que estou muito satisfeito. Pago um valor mensal que está dentro de minhas possibilidades em troca do acesso irrestrito a um catálogo imenso de músicas. Ouço tudo – ou quase tudo – o que quero, quando quero e onde estiver. É ou não é uma maravilha? De que falamos quando falamos de streaming? Freemium como modelo de negócio A palavra freemium é relativamente nova, o modelo não. Popularizado na internet desde a virada do século, este se baseia no acesso gratuito a uma versão básica ou limitada de um serviço, uma espécie de “degustação”, mas que permite acceso a uma versão com maiores beneficios quando realizado um pagamento. O termo nasce em 2006 pela boca do investidor norte-americano Fred Wilson e nada mais é do que a combinação de “free” com “premium”. Limite de prazo de uso ou recursos limitados são algumas das características das versões grátis no modelo freemium. Skype, Dropbox e Wetransfer são empresas que também utilizam este modelo. Leitura recomendada para quem quiser se aprofundar no assunto é o livro “Free - Grátis: O futuro dos preços”, de Chris Anderson, publicado no Brasil em 2009 pela Elsevier Editora. Mesmo autor de “A Cauda Longa”, da mesma editora.
  • 4. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 4 Ainda encontro a fórmula do streaming A maior parte das empresas de streaming usa da mesma fórmula para calcular a distribuição de suas receitas. Aqui você pode ver a equação que a Spotify, considerada líder do setor, publica em seu site Spotify for Artists1 : Como podemos observar na fórmula acima, a receita do artista (figura 5) será o resultado da equação que a antecede. Os dados contidos nas figuras 1 e 2 são controlados pela própria Spotify. O dado contido na figura 3 representa o repasse que o Spotify vai fazer aos detentores dos direitos fonográficos e autorais. Já o dado na figura 4 vai representar a taxa de royalties do artista na forma dos seus contratos com gravadoras, editoras e outros. Corresponde dizer que se a Spotify é considerada líder do setor, não se trata só pela sua posição no mercado, mas também por assumir iniciativas importantes para o setor todo. Ter sido a primeira empresa a abrir um espaço onde explicar parte do seu negócio para os artistas é um claro exemplo da sua liderança. 1 http://www.spotifyartists.com/spotify-explained/#royalties-in-detail
  • 5. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 5 Quem seriam os “detentores” dos direitos? Uma obra musical é protegida pela lei de direitos autorais, divididos em direitos morais e direitos patrimoniais. Os direitos morais são os de caráter pessoal e vinculam ao criador com sua obra, sendo inalienáveis e irrenunciáveis. Já os direitos patrimoniais são aqueles vinculados à fruição econômica da obra. Enquanto os direitos patrimoniais podem ser cedidos ou licenciados, os morais não. Quando ouvimos uma canção, observamos dois grandes grupos de direitos, os que tem a ver com a composição e os que tem a ver com a gravação. Os que tem a ver com a composição são os direitos de autor e incluem do compositor ao arranjador. Já os que tem a ver com a gravação são os direitos conexos e incluem dos artistas intérpretes ou executantes, aos produtores fonográficos e às empresas de radiodifusão. Uma composição pode ter um ou vários autores, mas sempre será única. Porém, podem existir várias gravações (ou fonogramas) da mesma composição, podendo ela ser gravada mais de uma vez e por diferentes intérpretes. Vamos utilizar como exemplo a música “Será”, que abre o primeiro disco da Legião Urbana. A música foi composta por Renato Russo, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá e está dividida em partes iguais (33,3% cada), portanto, os direitos morais são e serão sempre desses três. Porém, os direitos patrimoniais da composição foram na época cedidos à editora Tapajós (atualmente administrada pela editora Sony/ ATV). Portanto, a Tapajós é a detentora dos direitos patrimoniais da obra. Quando existir fruição econômica da composição, esta vai gerar receita e os autores vão receber um percentual da receita líquida que a Tapajós tiver, sempre na forma do contrato assinado. Por outro lado existem os fonogramas de “Será”. Um é o da gravação original, fixado no primeiro disco da banda. Mas também existem outras gravações, como as feitas pela própria Legião ao vivo ou, ainda, a famosa gravação do Raça Negra, dentre outras. No caso das gravações da própria Legião Urbana, o produtor fonográfico foi a EMI Music (hoje parte da Universal Music Group, da Vivendi). Portanto, os direitos patrimoniais sob os fonogramas são da gravadora. A banda (por ser detentora de direitos conexos das gravações) tem uma participação percentual (royalties) sobre as receitas líquidas da comercialização dos fonogramas, sempre na forma do contrato assinado. Receita que, no caso da Legião, vai ser sempre dividida em forma idêntica entre os integrantes que a banda teve na gravação de cada disco.
  • 6. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 6 Você sabia que as empresas de streaming repassam setenta por cento de suas receitas aos detentores dos direitos autorais e fonográficos? A explicação contida no gráfico abaixo mostra que, como explicado antes, elas são financiadas por publicidade e assinaturas. Como qualquer empresa, da receita bruta (A) são deduzidos os impostos e taxas obrigatórias para assim chegar na receita líquida (B). Este cálculo costuma ser realizado pela empresa para cada território em que está presente e por determinados períodos de tempo, por exemplo, mensalmente no Brasil. Setenta por cento da receita líquida será repassada aos detentores dos direitos fonográficos e autorais das músicas executadas ou, no jargão do mercado, dos streams. Os outros trinta por cento ficam com as próprias empresas e representam o faturamento delas. Que tal tentar simplificar para entender? Publicidade $ Assinaturas $ Receita bruta do serviço A - =Impostos Receita líquida do serviço B 30% fica com o serviço 70% é repassado aos detentores dos direitos fonográficos e autorais GRÁFICO 1 A distribuição do montante a ser repassado pela empresa de streaming será realizada em forma proporcional entre as músicas executadas naquele território e período. Portanto, ganha mais quem toca mais, ganha menos quem toca menos, e não ganha nada quem não tocar. A divisão do bolo é proporcional, por exemplo: se 70% da receita líquida da empresa for de $ 100.000 e os streams de um determinado artista correspondessem ao 10% do total de streams, os detentores dos direitos patrimonias das músicas daquele artista deverão receber $ 10.000. Algo que podemos ver melhor no próximo gráfico: C
  • 7. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 7 x TOTAL a ser repassado aos detentores dos direitos fonográficos e autorais GRÁFICO 2 Streams do artista “Z” Total de streams = Receita bruta dos detentores dos direitos fonográficos e autorais do artista “Z” Como podemos ver acima, serão três os dados que vão determinar a receita bruta dos detentores dos direitos fonográficos e autorais das músicas executadas: 1. O montante total a ser repassado pela empresa, que será dividido entre todas as músicas executadas (figura C). 2. Os streams do artista que estivermos analisando (e que chamamos de “Z” no exemplo). 3. O total de streams (ou total de músicas executadas) Substituidos estes valores na fórmula, vamos obter como resultado a receita bruta para os detentores dos direitos do artista “Z”, figura D. Valor que ainda poderia sofrer descontos de impostos e possíveis taxas, como podemos ver no gráfico 3, a seguir: C D Receita bruta dos detentores dos direitos fonográficos e autorais do artista “Z” D - -Impostos Taxa (%) Agregador (se tiver) = Receita líquida dos detentores dos direitos fonográficos e autorais do artista “Z” E GRÁFICO 3 A figura E, acima, representa então a receita líquida a ser distribuída entre os detentores dos direitos das músicas do artista “Z”. Num modelo tradicional, esses detentores seriam principalmente o produtor fonográfico, a editora, os intérpretes e os autores. Basta aplicar a taxa de royalty na forma estabelecida nos contratos para chegar no lucro final de cada um deles, aquele dinheiro que vai limpo pra conta bancária e que podemos ver no gráfico 4.
  • 8. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 8 Receita líquida dos detentores dos direitos fonográficos e autorais do artista “Z” x Royalties (%) fonográficos e autorais do artista “Z” = Lucro do artista “Z” GRÁFICO 4 Importante dizer que, pelo que investigamos, do montante total a ser repassado aos detentores dos direitos fonográficos e autorais pelos serviços de streaming (ou provedores, como também são chamados na indústria), a remuneração pela parte autoral seria hoje de 12% dessa receita. Sendo que - segundo acordo entre a UBEM, o ECAD e os provedores - esse 12% é distribuído entre o ECAD e as editoras. As editoras vão distribuir a receita na forma dos contratos assinados com os autores. Sem esquecer que o acordo pela parte autoral determina 10% para o primeiro ano de serviço e 12% a partir do segundo ano. Já o restante a ser repassado pelos proveodores corresponderia à parte fonográfica, que também vai distribuir na forma de contratos assinados com os artistas. Resumindo: se a receita depois de impostos do provedor for de $ 100. $ 12 vão para a parte autoral, $ 58 vão para a parte fonográfica e $ 30 serão do próprio provedor.
  • 9. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 9 Já sabemos que a fórmula para o pagamento é relativamente simples. Como uma receita de bolo, basta ter os ingredientes e executar. Mas aí é que mora o problema. No nosso caso, os ingredientes não estão disponíveis na prateleira. E fique firme na cadeira com o que vou te contar: as empresas operadoras de streaming não divulgam seus números. Neste caso, os números de faturamento e a quantidade total de execuções. A informação que deveria ser clara e acessível habita uma caixa preta guardada a sete chaves dentro do cofre de cada uma das empresas de streaming. Os artistas, criadores e responsáveis pela música, a matéria prima do negócio, só têm acesso à sua própria quantidade de streams e ao valor final que a empresa vai pagar por cada execução. Imagine que nosso artista teve dez mil streams em um mês e o valor pago por música no território em questão é de $ 0,006. Com as informações que lhe foram ofertadas ele poderá saber que sua receita naquele mês será de $ 60. O problema é que ele terá que conviver com algumas dúvidas: Essa receita é alta ou baixa? O pagamento está justo? Se ele teve dez mil streams, qual foi a quantidade total de streams para ele receber $ 60? Se recebeu $ 60, quanto recebeu a empresa de streaming que utiliza seu patrimônio? E sabe o que vai acontecer? Ele vai ter de conviver com essas dúvidas, porque os dados que deveriam ser claros, não são revelados. Talvez você esteja pensando que as empresas privadas não precisam mesmo revelar seus números, seja por questões de estratégia ou porque não são obrigados. O problema é que ao esconder esses dados, ela prejudica o artista que não sabe qual é a base de cálculo para o preço final de seu trabalho. É como se você fosse fazer um show em troca de 10% da bilheteria. No camarim, o produtor do espetáculo te entrega um cheque de R$ 500 e você imagina que a venda total foi de R$ 5.000. Mas, como você é cuidadoso com seu trabalho, pede para ver o borderô e aí o produtor não te mostra. Como saber que foram pagos realmente 10% da bilheteria? Sem a informação completa você nunca poderá checar se cinco ou cinquenta mil pessoas pagaram para te asistir. Estou me explicando? Você imagina uma empresa de streaming sem música? Pois é, elas não existiriam! Partindo desse princípio, em que a música é a alma do negócio, neste modelo o artista acaba sendo quase um sócio que aporta seu patrimônio, um parceiro colaborador dessas empresas. Só que aqui ele disponibiliza gratuitamente seu patrimônio para que outros o comercializem à vontade sem sequer prestar contas ao dono da obra. Você acha isso justo? O que foi escondido é o que se escondeu
  • 10. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 10 A divisão total das receitas entre o total de streams só favorece aos artistas mais tocados e ainda impede que o dinheiro do assinante seja destinado ao artista que ele ouviu. Um assinante que tem uma conta premium pode pagar hoje R$ 14,90 em alguns serviços. Imagine que esse cara ouviu uma única música ao longo do mês. Ele fez apenas um stream. E vamos supor agora que essa única música ouvida pelo assinante é também a primeira e única música lançada por um artista iniciante e independente que não tem gravadora e nem editora e, naquele mês, não foi ouvida por mais ninguém. Se o dinheiro pago pelo assinante fosse distribuído entre os artistas que ele ouve e, naquele mês, este assinante ouviu só aquela música, a conta seria relativamente fácil. Suponhamos que o serviço de streaming pague 20% de impostos e que a música executada pelo nosso ouvinte tivesse sido distribuída nas plataformas digitais através de um “agregador”, que ficaria com 20% da receita final (e supondo que, para simplificar, o agregador administraria e repassaria tanto os direitos autorais quanto conexos). A conta seria mais ou menos assim: Se esse era o primeiro problema, qual seria o segundo? Assinatura mensal de R$ 14,90 menos 20% de impostos ($2,98) = R$ 11,92. R$ 11,92 seria a receita líquida do serviço vinda daquele assinante. Desses R$ 11,92, 30% vai ser retido pelo serviço de streaming (R$ 3,58) e o restante 70% (que serão R$ 8,34) serão repassados aos detentores dos direitos artísticos. Dos R$ 8,34 repassados, o agregador vai ficar com 20% (R$ 1,67) e repassar R$ 6,68 para o artista. Resumindo: Neste exemplo, aquele artista receberia R$ 6,68 por causa do único stream que um assinante premium (que tocou só uma música), fez naquele mês.
  • 11. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 11 O Spotify declara no site Spotify for Artists2 que repassa entre USD 0,006 e USD 0,0084 por stream. Em 2014 no Brasil, a média paga foi bem menor que isso e cada artista pode checar os números em seus relatórios. Para o nosso cálculo, vamos fixar o valor do stream em USD 0,006 e a cotação do dólar em R$ 3,00. Convertendo, chegamos ao preço de R$ 0,018 por stream. Descontando os 20% do agregador, o único intermediador em nosso exemplo, o valor final por stream para o artista é de R$ 0,0144, quase um centavo e meio. Quando aplicada a fórmula de distribuição utilizada atualmente, o artista exemplificado receberia R$ 0,0144 pelo seu único stream em um mês. Se o dinheiro pago pelo assinante fosse dividido diretamente entre as músicas que ele executa, no exemplo esse valor saltaria para R$ 6,68. A seguir podemos ver um quadro de quanto ele receberia para diversas quantidades de streams se o valor por execução ficasse constante em R$ 0,0144: Mas quanto esse artista teria ganhado se aplicarmos a fórmula atual dos serviços de streaming? Streams Royalties 1 0,01 100 1,44 1.000 14,40 10.000 144 100.000 1.440 1.000.000 14.400 No quadro podemos ver a relação do artista caso fosse executado mais vezes. Se ele tivesse tido um milhão de streams, por exemplo, teria recebido R$ 14.400 mesmo que 999.999 das execuções fossem de pessoas que ouvem de graça e apenas uma de um assinate premium. Fica claro que o modelo beneficia economicamente a quem mais toca, independentemente do tipo de ouvinte que gera o volume. 2 https://www.spotifyartists.com/spotify-explained/ “Recently, these variables have led to an average “per stream” payout to rights holders of between $0.006 and $0.0084. This combines activity across our tiers of service. The effective average “per stream” payout generated by our Premium subscribers is considerably higher.”
  • 12. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 12 Sigo com um exemplo hipotético: um território onde uma empresa de streaming tenha um milhão de consumidores. Do total, 20%, ou duzentos mil, pagam uma assinatura premium mensaleouveosgênerosAeB.Os80%restantes,ouoitocentosmilouvintes,acessamdegraça e preferem os gêneros M e N. Essa empresa fatura R$ 2.980.000 com assinaturas premium no valor de R$14,90 cada e vamos supor que fatura R$ 745.000 com publicidade. Neste caso, a arrecadação total seria de R$ 3.725.000, 80% por assinaturas e 20% por publicidade. Ou seja, 20% dos consumidores (aqueles que ouvem os gêneros A e B) geram 80% das receitas. Se pensarmos em 100 execuções mensais em média por usuário, temos um total de 100 milhõesdestreamsaomês.Assim,20milhõesdestreamsserãodosgênerosAeBe80milhões do M e N. Portanto, os artistas ouvidos por quem acessa o serviço de graça receberão 80% da receita total. Resumindo: Grande parte dos pagamentos feitos pelos assinantes premium será distribuído entre os artistas preferidos dos que nada pagaram. Hecha la ley, hecha la trampa Outrograndeproblemaéquenãoimportaoquesetocaeissofacilitaoaparecimento de oportunistas, aqueles que só querem lucrar. A banda “Vulfpeck”, por exemplo, lançou o projeto “Sleepify”, um disco com dez “músicas”. Colocamos esta última palavra entre aspas porque todas as faixas são compostas do mais completo silêncio e com duração de entre 31 e 32 segundos cada. A ideia da banda era financiar uma tournê com shows gratuitos com o dinheiro arrecadado com os streams, eles entendiam que era um disco ideal para se tocar como um loop na hora de dormir. Mas Taran, por que 10 faixas de trinta e um segundos? Respondo: porque essa é a duração mínima que uma faixa necessita ser tocada para que ela seja considerada um stream. Sabemos que um dia tem 24 horas ou 86.400 segundos. Logo, uma empresa que enxergue no streaming uma nova fonte de faturamento e contratasse uma equipe para isso, poderia criar inúmeras contas gratuitas e realizar até um máximo de 2.787 streams de 31 segundos por dia em cada conta. Ao longo de um mês seriam tocados 83.613 streams por conta e, em um ano, impresionantes 1.017.290 streams! Já pensou na receita que isso poderia gerar? A propósito, o Spotify mandou retirar esse disco do Vulfpeck do catálogo, algo que algumas pessoas também acabaram entendendo como uma forma de censura e alertando para o controle do conteúdo por parte destas empresas no futuro. 3 http://www.rollingstone.com/music/news/silent-spotify-album-creator-talks-strategy- behind-unique-plan-20140321
  • 13. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 13 A herança do download O modelo de streaming evidencia referências buscadas no modelo que o antecedeu; o de downloads. Vamos a alguns exemplos: Músicas avulsas: O modelo inicial do iTunes, lançado por Steve Jobs em abril de 2003, propunha a possibilidade de comprar discos inteiros mas também faixas avulsas. O streaming só contabiliza faixas avulsas. Todas as músicas valem o mesmo: O iTunes propunha que todas as músicas tivessem o mesmo custo: USD 0,99. Valor que além de simbólico - por ser de menos de um dólar - mantinha certa compatibilidade quando comparado com o preço final de um CD de 10 ou 12 faixas quando comprado numa loja. O streaming igualou o preço das músicas, só que sem ter um valor pré-definido para cada uma delas. O valor vai depender da performance comercial da empresa. 31 segundos: O modelo do download oferecia uma pré-escuta de até 30 segundos sem custos tanto para o consumidor quanto para o iTunes, que não precisava pagar direitos autorais e fonográficos por isso. O streaming é parecido: se você ouvir uma música por até 30 segundos, ela não será contabilizada como uma execução. Não vai gerar receita para ninguém. Isso é muito importante no streaming já que além de promover a “degustação”, elimina a possibilidade de pagar por uma música da qual o ouvinte não gostou ou executou por erro. Receitas 70% / 30%: Com pequenas variações, o modelo do download também oferecia ficar com 30% das receitas liquidas e repassar o 70% aos detentores dos direitos artísticos. Gosto de pensar que isso foi apresentado como uma vantagem competitiva perante as lojas tradicionais, aquelas que vendiam o produto físico e costumavam ficar com 50% ou mais sobre o preço de venda ao público. Sem esquecer que no formato digital não havia (e não há) fabricação, distribuição física ou stock, por tanto não teria sentido manter as margens originais. Agregadores: Não é qualquer um que pode disponibilizar música nos serviços de streaming. Ou são as grandes gravadoras diretamente ou são os agregadores de conteúdoqueofazem.Estesúltimossãoempresasqueseespecializamemformatar, disponibilizar e administrar a música nos diferentes serviços digitais e cobrando um valor fixo e/ou uma taxa variável por isso. No caso da taxa, varia hoje de 0% a 30%. Gosto de pensar que na medida que o modelo se popularize, a taxa variável deveria se aproximar mais de 0% do que de 30%.
  • 14. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 14 Tudo isso posto, é evidente que os artistas queiram receber mais pela execução de suas músicas. Mas é preciso entender também que o bolso do consumidor tem fundo. Com o surgimento dos serviços de streaming, uma nova realidade surge: o acesso às músicas existe à revelia da necessidade de adquiri-las. Geralmente uma mesma música é “consumida” várias vezes, e acessá-la onde e quando quiser é confortável para o consumidor. Alguns artistas acham que deveriam ser remunerados com valores pre-fixados. Também achocompreensível,maspensoqueessareivindicaçãoesbarraemdoisfatores:asmudanças da revolução digital em relação ao “consumo” de música e o bolso do consumidor. Por outro lado, o fato de os artistas receberem mais não dependerá só do valor final pago pelo usuário, pelas vendas de publicidade do serviço ou do % repassado pelo serviço de streaming. Uma análise recente4 feita pela consultoria Ernst & Young em parceria com as principais gravadoras (SNEP) da França, revela que 45% da receita total das gigantes Spotify e Deezer, as duas plataformas incluídas no estudo, ficou com as gravadoras. Os artistas, no caso intérpretes, não chegaram a receber 7%. Autores e editoras embolsaram 10% e as próprias plataformas pouco mais de 20%. O restante, 17%, foram impostos. Eu, por mim, queria isso e aquilo... 3 http://pando.com/2015/02/06/labels-not-spotify-are-screwing-over-artists-and-breaking- the-music-industry-heres-how-to-fix-it/ Share Of Streaming Revenue Platform 20,8% Labels 45,6% 16,7% Taxes Songwriters/ 10% Publishers 6,8% Artists
  • 15. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 15 Estou convencido de que as gravadoras continuam a ter um papel fundamental na indústria da música. Porém, acho que se a distribuição dos lucros no negócio do streaming precisa ser revista, a primeira conversa deveria ser entre os artistas e suas gravadoras. Uma pesquisa da Music Business Worldwide mostrou que, nos Estados Unidos, o comércio de álbuns de catálogo no iTunes já supera a de álbuns novos. Dados semelhantes no streaming ainda não foram divulgados por aqui. De toda forma, eu não me supreenderia ao saber que a execução de músicas gravadas antes dos anos 2000 tenham importância quantitativa num país como o Brasil. Naquelas épocas os artistas (grupos ou solos) costumavam ter royalties variáveis entre 0% e 20% da receita final obtida pelas gravadoras sobre mídias físicas (vinil, K7 e CD). A média entre a maioria variava de 5% a 15%. Muitos dos discos “de catálogo” e suas músicas, claro, continuamcomliquidezcomercialeganharamaindamaisfôlegocomanovarealidadedigital. São trabalhos que tiveram alto investimento das companhias quando gravados e lançados. Só que na época ninguém contava que eles ganhassem tamanha sobrevida com a receita residual que continuaram gerando ao longo dos anos e a partir do surgimento de novos formatos. Sendo que esses novos formatos não necessitam investimentos significativos por sua natureza digital. E também não precisam de produção artística, fabricação, stock ou distribuição física. Na maioria dos casos, nem de marketing. Se o lucro continua garantindo eterno retorno ao investimento feito lá atrás e agora quase não tem custos, qual é a explicação em manter os mesmos percentuais para os artistas? Artistas de muito sucesso assinaram contratos diferenciados na época de elaboração de seus clásicos e imortais álbuns físicos. As participações em royalties variam. Há quem tenha 7,5% e há quem chegou a 10%. Alguns artistas recebem 15% de royalties e grandes estrelas conseguiram chegar em até 20%, ou mais. Uma parte desses artistas tem conseguido renegociar recentemente percentuais maiores sobre as vendas digitais, já que isso não estava previsto nos contratos originais. Porém, a grande maioria ou ainda não negociou ou mantém os mesmos percentuais outrora negociados para os discos físicos. Será que não chegamos no momento de revisar os percentuais por uma distribuição mais justa? Que tal 50% a 50%, que nem na sincronização pra filmes e comerciais? E se a gravadora não estiver fazendo nada a mais do que um agregador faria, será delirio pensar que chegou a hora de inverter as contas e fazer com que os artistas recebam 80% e as gravadoras 20%? Fato é que precisamos reconversar. Artistas & Gravadoras
  • 16. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 16 Talvez alguém pense ser injusto rever valores sobre os royalties de quem fez o investimento, correu risco e agora lucra com o empreendedorismo. Todavia, a negociação feita naquela época estava atrelada a um modelo de negócio muito diferente do de hoje. Era um outro mundo, uma outra indústria. A evolução foi muito rápida, os custos baratearam e hoje é preciso um novo debate. Os investimentos em fabricação e distribuição não são mais necessários. Cadê as grandes fábricas de discos? E os estúdios das próprias gravadoras? E as enormes equipes de promoção e distribuição? Isso não existe mais e é com base nessa relação de produção e lucro que poderia se dar uma nova negociação entre gravadoras e artistas, que ainda participam dos direitos patrimoniais sobre suas obras. Já sobre novos artistas e/ou novos trabalhos - e levando em consideração que grande parte dos artistas hoje financia seus próprios trabalhos - a negociação dos royalties poderia ser bem mais simples e justa. Principalmente porque resultaria mais fácil identificar os aportes de cada parte (artista e gravadora). Tanto os aportes no processo de composição, produção artística, gravação, mixagem e masterização; quanto no processo de comercialização, distribuição, marketing e divulgação. Isso, claro, quando exista uma gravadora envolvida no processo. Existem artistas e/ou trabalhos que, pelo seu perfil ou momento, necessitam trabalhar junto a grandes gravadoras. Outros necessitam de gravadoras menores. E existem também aqueles que não necessitam de gravadora e apenas sim de um agregador. Cada caso é um caso. Em tempo: Todas as cláusulas que nos contratos falam de futuras mídias ou formatos que venham a existir não têm efeito legal no Brasil, só vale o que existia no momento da assinatura do contrato. O inciso V, do artigo 49º, da Lei 9.610 de Direitos Autorais não deixa lugar a dúvidas: A cessão (de direitos) só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato.6 6 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm
  • 17. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 17 “Aretheysimplyalegalisedversionoffile-sharingsitessuchasNapsterandPirateBay–with the difference being that with streaming services the big labels now get hefty advances?” Escreveu David Byrne, líder dos Talking Heads, em 2013 no “The Guardian”7 . Ele falava sobre os serviços de streaming e as gravadoras. Em livre tradução queria dizer que, para ele, os serviços de streaming não seriam mais do que uma versão legal dos antigos serviços piratas de compartilhamento de músicas, como o Napster e o Pirate Bay. A diferença é que com esses serviços as gravadoras estariam pegando adiantamentos gigantes. No mesmo artigo ele comenta que as gravadoras não somente teriam recebido dinheiro como também participação acionária das empresas de streaming para liberar os catálogos de seus artistas. A questão é que esse dinheiro não teria sido repassado a eles. Assim: as gravadoras teriam recebido luvas em dinheiro e ações enquanto os artistas ficaram de mãos vazias aguardando o início do serviço online, quando passariam a receber parte da receita gerada com assinatura e publicidade e calculada segundo a fórmula antes vista. Segundo publicação oficial do NASDAQ em 29 de janeiro de 20158 a Spotify estaria avaliada em 6 bilhões de dólares. As gravadoras são donas de quase 15% disso. Algumas delas: “The major record companies - Vivendi SA’s Universal Music Group; ..Sony Music Entertainment and ... Warner Music Group - together own just under 15% of Spotify....” O que diferencia as empresas de streaming uma das outras? Talvez algumas características como posicionamento, perspectivas comerciais ou software mas, principalmente, o catálogo de músicas disponível e a quantidade de usuários cadastrados (principalmente usuários premium). E o que aconteceria com essas empresas se os grandes artistas decidissem por retirar seus catálogos? Por qual motivo um cliente assinaria um serviço sem seus artistas prediletos? Qual seria o valor de mercado desta empresa? Voltando ao potencial de mercado das empresas de streaming: se uma destas empresas for vendida hoje por bilhões de dólares, quanto cabe aos artistas nessa transação? Acho que nada! O lado sombrio da força? 7 http://www.theguardian.com/music/2013/oct/11/david-byrne-internet-content-world 8 http://www.nasdaq.com/article/spotify-seeks-to-raise-about-500-million-hires-goldmanupdate-20150129-01357
  • 18. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 18 Eu gostaria de compartilhar aqui algumas percepções muito pessoais, e claro que posso estar equivocado: • O streaming é uma alternativa muito boa para ouvir e desfrutar de música. • Não gosto de pensar que o streaming é “o” caminho, como se fosse o único que temos pela frente. É uma alternativa boa. Mas talvez amanhã surjam outras, também boas! • Como assinante penso que quanto mais músicas e artistas disponíveis no catálogo, melhor! E fico feliz com os serviços que começam a oferecer um som de melhor fidelidade. • Todos os dados que determinam a receita do artista devem ser compartilhados com o artista. • Acho que o modelo poderia ser mais justo em relação a distribuição das receitas. Entendo que seria mais justo se o montante pago mensalmente por cada assinante fosse pro-rateado entre as músicas que o próprio assinante ouvisse. Em tempo: se alguém acha que os serviços não fazem isso porque não podem, ou não divulgam os dados também porque não podem, está enganado. Em software tudo pode (ou quase tudo). • Isso sem esquecer que a receita de grande parte dos artistas depende da negociação de royalties que estes tenham com as suas gravadoras. Artistas e gravadoras precisam conversar. • Acho também que o dinheiro da publicidade deveria ser pro-rateado entre as músicas associadas a elas. • Acredito também que o principal cliente pode ser o assinante. A publicidade, que estimo ser pouca, pode encolher pelo fato de a plataforma não parecer atrativa aos anunciantes. Tomara que eu esteja errado, já que são essas receitas que sustentam esta versão do modelo freemium. • Também acho que o artista deveria ter a liberdade de decidir se quer ter sua obra disponível de graça ou não. Entendo que para os serviços de streaming, hoje, é fundamental ter a opção do cliente ouvir de graça. É essa a essência do modelo freemium no qual estão inseridos, mas a opinião do artista deve ser ouvida e respeitada. • Falando em publicidade, acho que o artista deveria participar da decisão de associar sua obra com determinada marca ou produto. Já pensou o que faria aquele cantor vegano se ouvisse sua obra junto a publicidade de uma marca de carne? • Imagino que as empresas poderiam destinar parte da receita para remunerar cada uma das músicas em catálogo, talvez realizando um pagamento que não dependa de quanto tocam. Não me corresponde fazer propostas mas, se em lugar deles ficarem com 30% do faturamento ficassem com um 20% e dividissem o outro 10% entre todas as músicas que estão no catálogo, já seria um bom começo. E continuaria atrelado à performance econômica da empresa. É pau! É pedra! Mas, será o fim do caminho?
  • 19. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 19 • Acredito que depois de alcançar um bom posicionamento e certa base de usuários, o modelo vai permitir novas oportunidades de negócios. Podemos comparar, por exemplo, com o modelo da TV a cabo, onde o cliente pode pagar um pouco a mais para contratar pacotes com canais premium. Acho que no streaming você também vai poder pagar mais para ter acceso ao catálogo de determinados artistas. Ou para outras opções, como ouvir em primeira mão e por determinado prazo uma obra que, talvez mais na frente, vai estar disponível no pacote básico. • Acho também que, além da onda de artistas que estão retirando seus catálogos, vamos observar uma outra onda, mas de artistas negociando diretamente com os serviços de streaming. Tanto para manter os seus catálogos com exclusividade como para lançar novos trabalhos em forma exclusiva. Se o Netflix não tardou em produzir e lançar “House of cards”, com merecido sucesso, porque não esperar o próximo trabalho de um grande artista produzido e lançado em forma exclusiva por um serviço de streaming? • Por último, não podemos esquecer que existem outros agentes que também se beneficiam – direta ou indiretamente – deste negócio: Os provedores de internet (que fornecem a conexão, seja fixa ou móvel) e o Estado, que recolhe impostos.
  • 20. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 20 Em2014estivereunidocomaltosexecutivosdosdiferentesserviçosdestreamingpresentes no Brasil. Só agora percebo que parte da conversa com um deles me influenciou bastante na hora de escrever este texto. Enquanto esperava na bonita e arejada sala de reuniões, me detive a ler a letra de uma música escrita em uma das paredes. Era uma música do The Smiths, banda de que sou fã e na época estava lendo a biografia9 . Imaginemcomofiqueicontente.Enquantogravadorashistóricasestãoquasedesaparecendo e outras diminuindo, demitindo e outros “indo’s”. Eu estava em um escritório novo, lindo, dedicado a música e, na parede, estava escrita a letra de uma música de uma das minhas bandas favoritas. Pensei: existe luz no fim do túnel! Só que, ao fim da letra percebi um erro. O nome dos autores estava grafado “Morrissey e Mars”. Morrissey e Mars? Mas, peraí! Não, não é Mars, é Marr. Johnny Marr! Com r no final. Na chegada do meu interlocutor, elogiei o bom gosto do escritório e alertei para o erro de digitação no nome de um dos compositores da música. Comentei com ele que, sendo ali uma empresa que tratava com música e um local de possível grande circulação de artistas, não pegava bem ter nomes de autores errados. E a resposta dele até hoje não saiu da minha cabeça: “Não se preocupe com esses detalhes, Taran. Aliás, você tem que entender que nós não somos uma empresa de música, nós somos uma empresa de tecnologia”. Ainda não voltei lá mas torço para que aquele simples e simbólico detalhe tenha sido corrigido. Devo confessar aqui que eu adoro tecnologia, mas sempre a enxerguei como um meio, não como um fim. Como um conjunto de conhecimentos, técnicas e processos que visam alcançar objetivos e resolver problemas. Sendo assim, não seria dificil pensar em alguns dos problemas existentes hoje no mercado (como a pirataria, por exemplo) e oportunidades (acceso a internet com e sem fio, múltiplos dispositivos ligados, aumento da quantidade de smartphones ou a importância da música na vida das pessoas, entre outras) para concluirmos que estas seriam sim empresas de tecnologia aplicada ao consumo de música. Resumindo: tudo bem que sejam empresas de tecnologia mas, sem música, não existiriam. Nós somos uma empresa de tecnologia, não de música 9 http://www.record.com.br/livro_sinopse.asp?id_livro=28047
  • 21. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 21 Enquanto acabo este texto leio a notícia de que o Myspace não precisa mais pagar direitos autorais ao ECAD. Fico surpreso, muito surpreso. Não pelo fato de eles não precisarem mais pagar, mas sim por um dia terem pago. Segundo artigo do jornal Valor Econômico de 4 de março de 201510 , “O Myspace havia sido enquadrado em transmissão por meio de webcasting, com a música sendo o conteúdo principal e com finalidade comercial. Sendo que esse segmento deve pagar mensalmente 7,5% da receita total, com o mínimo de 50 unidades de direito autoral - o valor de cada unidade é de R$ 60,40”. Volto a investigar os pagamentos no streaming para saber se eles pagam algum percentual dareceitaaoECAD.Lembroquemecomprometiaentregarotextologo.Maslembrotambém que do percentual autoral devido por serviços interativos o ECAD recebe 25% direto do provedor e os editores filiados a União Brasileira de Editores de Música (UBEM) recebem 75%. Ou seja, recebem parte daquele % da parte autoral que vimos lá atrás. Mas lembro também: o ECAD não recebe por downloads. E se não recebe por downloads, qual é razão de receber por streaming? No site do ECAD leio que “seu principal objetivo é centralizar a arrecadação e distribuição dos direitos autorais de execução pública musical”.11 Se o ECAD tem por objetivo arrecadar e distribuir direitos de execução pública, teria algum motivo para levar algum percentual dos serviços de streaming que são execuções privadas? Por que o consumidor contrata algo para execução privada e tem que pagar como se fosse pública? Será pela possibilidade de alguém executar publicamente uma canção via streaming numa loja, restaurante ou academia? Devemos lembrar que esses estabelecimentos já pagam ao ECAD independentemente da forma que executam músicas12 . Academias, por exemplo, pagam mensalmente um montante fixo de uma unidade de direito autoral para cada 10m2 . Lojas também têm uma taxa pré-estabelecida. Em shows o pagamento é percentual e por aí vai. Pois é, acho que (também) precisamos falar do ECAD... Saideira: Alguém falou em ECAD aí? 10 http://www.valor.com.br/legislacao/3935616/myspace-nao-precisa-pagar-direitos-autorais 11 http://www.ecad.org.br/pt/quem-somos/oEcad/Paginas/default.aspx 12 http://www.ecad.org.br/pt/eu-uso-musica/servicos-ao-usuario/tabela-de-precos/Paginas/Tabela-de-precos. aspx#!Permanente
  • 22. Precisamos falar sobre o streaming Carlos Taran 22 Carlos TARAN. Formado em administração e marketing, finaliza MBA em Gestão Cultural na FGV Rio. É emprendedor, empresário e fundador da banda Panamericana em parceria com Dado Villa-Lobos, Dé Palmeira, Toni Platão e Charles Gavin. Entre 2008 e 2012 cuidou dos assuntos da Legião Urbana para Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá. Em 2013 trabalhou com os Titãs como assessor estratégico, colaborando no planejamento de carreira da banda para os próximos anos. Em 2014 passou a se dedicar a consultoria estratégica para vários artistas. É uruguaio mas mora no Brasil desde 2007, depois de viver também na Argentina e no Japão. No Uruguai foi fundador e diretor da Revista Freeway – que vendeu ao jornal El País em 2007 – e do festival VoxPop. Na Argentina foi Diretor Comercial e de Marketing da revista Los Inrockuptibles. E.mail: taran@starsbureau.com Agradecimentos: Dé Palmeira, Dado Villa-Lobos, Chico Regueira, Philippe Leon e o Adv. Sérgio Branco. Diagramação e fotos por Philippe Leon. Texto composto em Titillium, uma fonte publicada em licençaOFL(OpenFontLicense)ecriadacoletivamente por alunos e professores na Accademia di Belle Arti di Urbino / Campivisi, Itália. Alguns direitos reservados a Carlos Taran. Você tem o direito de copiar, distribuir e fazer trabalhos derivados deste artigo, sempre que seja para fins não-comerciais e credenciando o autor da seguinte forma: “Precisamos falar sobre o streaming, Carlos Taran, 2015”.