SlideShare ist ein Scribd-Unternehmen logo
1 von 35
Downloaden Sie, um offline zu lesen
 
revista ex-isto no. 1 | p. 1 
 
Revista ex-isto 
Há pouco mais de dois anos surgiu a ideia 
de criar uma revista sobre existencialismo, 
fenomenologia, filosofia e psicologia, 
relacionando com a história, as artes e a 
vida. Contudo, para colocá-la em prática, 
foi preciso tempo e amadurecimento dessa 
proposta, assim como somar interessados 
em difundir tais temáticas. Enfim, aqui 
estamos com o primeiro número da 
revista ex-isto​ em formato digital. 
 
Bruno Carrasco, novembro de 2020. 
 
Conteúdo 
Não há fatos, apenas interpretações​ | p. 2
O dia em que procurei um terapeuta existencial
| p. 5
Existencialismo: doutrina de ação​ | p. 7
Essência, existência, gênero​ | p. 11
Um “demônio” trágico​ | p. 15
A era da estupidez, George Christian​ | p. 17
Cotidiano, Guto Nunes​ | p. 18
Livro: O ser e o nada​ | p. 19
Filme: A primeira noite de tranquilidade​ | p. 20
O que é o esperanto?​ | p. 21
Fundamentos da psicoterapia fenomenológico
existencial​ | p. 22
O que é 'ex-isto'?​ | p. 34
 
_____________________________________________ 
Imagem da capa​: Lago antes do nascer do sol, 
Ferdinand Hodler, 1918. 
 
 
 
 
_________________________________________________ 
  
Carrasco, Bruno Barbedo, 1982-, 
Revista ex-isto: existencialismo, filosofia,       
psicologia e artes / Bruno Carrasco (organizador). no.               
1. Pouso Alegre, MG: ex-isto, 2020. 
_________________________________________________ 
 
 
Este trabalho está licenciado com uma Licença 
Creative Commons - Atribuição-NãoComercial 
4.0 Internacional​. 
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 2 
 
Filosofia 
Não há fatos, apenas interpretações 
 
O que Nietzsche quis dizer com           
"Não há fatos, apenas interpretações"?         
Muitos são aqueles que criticam essa           
sentença, defendendo os fatos como         
inquestionáveis, criticando e classificando       
esta ideia como absurda e sem sentido,             
enquanto outros a enaltecem enquanto         
característica da filosofia pós-moderna. 
 
 
(Friedrich Nietzsche) 
  
Em ambos os casos, a própria frase             
gera diferentes interpretações e       
posicionamentos, portanto podemos     
começar seu entendimento partindo dela         
mesma, do modo como ela é interpretada,             
pois essa mesma citação não é um fato,               
que possui um entendimento igual para           
todos, mas sim entendida por meio de             
diversas interpretações. 
 
 
 
 
Para entendê-la, penso ser       
importante conhecer um pouco a respeito           
da filosofia nietzschiana, em especial o           
modo como esse pensador entende o           
conhecimento e a verdade. Para Nietzsche,           
a verdade e o conhecimento não           
correspondem a algo único, acabado ou           
absoluto, mas sim como elementos         
determinados por interesses e       
perspectivas distintas. 
 
Para Nietzsche, todo conhecimento é         
inevitavelmente guiado por interesses e         
condicionamentos subjetivos, ideológicos; o       
conhecimento resulta da projeção de         
nossos impulsos e anseios, razão pela qual             
Nietzsche considera sempre determinado       
por certa perspectiva, seja individual, seja           
sócio culturalmente determinada. 
(Oswaldo Giacoia, em 'Nietzsche', 2000) 
  
Granier (2009) apresenta como       
características da filosofia nietzschiana o         
perspectivismo e o pluralismo. Nesse         
sentido, um fato nunca é entendido como             
algo independente da perspectiva de quem           
o observa, ou seja, os fatos são sempre               
observados e interpretados por um viés e             
por valores específicos. Deste modo,         
coexistem diferentes interpretações e       
pontos de vista sobre um mesmo fato. 
De acordo com Giacoia (2006), o           
perspectivismo entende que todo       
conhecimento depende sempre de       
condicionamentos subjetivos, históricos,     
sociais, econômicos, culturais e       
psicológicos, que determinam a valoração         
e implicam uma perspectiva específica, de           
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 3 
 
modo que não há conhecimento absoluto,           
neutro ou objetivo. 
O pluralismo corresponde às       
tendências filosóficas que constatam a         
coexistência de variados princípios que         
constituem as coisas e a realidade,           
tendendo assim a acolher os diferentes           
pontos de vista, distintas formas de           
valoração, experiências culturais,     
convicções ou visões de mundo. 
 
O pluralismo Nietzschiano é uma         
determinação primordial da realidade, (...).         
Não existe conhecimento a não ser           
interpretativo, e não existe interpretação a           
não ser no plural. 
(Jean Granier, em 'Nietzsche', 2009) 
  
Harari (2015) comenta que até a           
década de 1940 não havia um crime de               
"estupro da esposa", pois a mulher era             
entendida como um "objeto" que pertencia           
ao homem: ao pai, ao irmão ou ao marido.                 
Seu "uso" era um direito desses homens.             
Hoje entendemos essa antiga prática como           
absurda e abusiva, portanto o         
entendimento sobre as relações sexuais e           
o respeito ao corpo se transformou de             
acordo com a época e contexto. 
Agora, analisemos outra frase de         
Nietzsche: "não há fatos, apenas         
interpretações". Ele não está proferindo         
uma verdade absoluta com essa frase, pois             
não é essa a intenção de sua filosofia. Além                 
disso, podemos aplicar essa sentença a ela             
mesma, de modo que a própria frase se               
apresenta como uma interpretação, e não           
como uma verdade. 
Em sua frase, o próprio filósofo se             
coloca neste sentido, ou seja, ele não             
apresenta a sua filosofia como uma           
verdade absoluta, mas como uma         
possibilidade, um caminho. Examinemos,       
então, essa frase contextualizada em seu           
fragmento póstumo: 
 
Contra o positivismo, que permanece no           
fenômeno: ‘só há fatos’, diria eu: não,             
justamente não há fatos, apenas         
interpretações. 
(Friedrich Nietzsche, KSA XII, 7 [60]) 
  
 
Positivismo é uma tendência de         
filosofia que se mantêm apenas nos fatos             
enquanto observáveis e mensuráveis. Mas,         
para Nietzsche, um fato nunca é observado             
apenas enquanto fato, por ser sempre           
interpretado e valorado. Não é possível           
entender as coisas "em si". Enquanto o             
positivismo se detêm aos fatos, o filósofo             
vai declarar que o entendimento de um             
fato é resultante de uma interpretação. 
Seu entendimento apresenta que os         
fatos são sempre tomados por uma           
perspectiva específica, e esse       
entendimento propõe um inacabamento à         
filosofia, pois todo entendimento e         
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 4 
 
interpretação se dá, inevitavelmente,       
dependendo de um momento histórico, de           
condições, interesses, situações e       
circunstâncias específicas, tal como       
comenta em 'Humano, demasiado       
humano': 
 
Falta de sentido histórico é o defeito             
hereditário de todos os filósofos (...) Não             
querem aprender que o homem veio a ser,               
e que mesmo a faculdade de cognição veio               
a ser (...) tudo veio a ser; não existem fatos                   
eternos: assim como não existem verdades           
absolutas. 
(Nietzsche em 'Humano, demasiado       
humano', aforismo 2) 
 
O conhecimento e a verdade não           
correspondem a algo dado, mas criado,           
inventado e recheado de interpretações.         
Apesar de conhecermos o mundo de um             
modo, ele pode ser sempre interpretado           
de outro modo, pois não há um sentido               
por detrás das coisas, mas inúmeros           
sentidos e perspectivas possíveis. 
Como crítico da metafísica,       
Nietzsche entende que o conhecimento e a             
verdade não correspondem a algo dado, a             
um fato. A verdade, para o filósofo, é algo                 
criado, inventado e recheado de         
interpretações. O mundo e as coisas           
podem sempre ser interpretados de outro           
modo, pois não há um sentido por detrás               
das coisas, mas inúmeros sentidos e           
perspectivas possíveis. 
Nosso conhecimento de mundo       
está sempre relacionado aos nossos         
impulsos e intenções, por isso mesmo           
Nietzsche coloca em questão a vontade de             
verdade, entendendo que interpretamos o         
mundo a partir de nossos impulsos e             
necessidades diversas, onde cada impulso         
opera com um desejo de domínio,           
buscando impor sua perspectiva como         
norma sobre os outros, onde não há             
verdades absolutas. 
 
Para ele [Nietzsche], o conhecimento não           
passa de uma interpretação, de uma           
atribuição de sentidos, sem jamais ser uma             
explicação da realidade. Ora, o conferir           
sentidos é, também, o conferir valores, ou             
seja, os sentidos são atribuídos a partir de               
uma determinada escala de valores que se             
quer promover. 
(Aranha; Martins, em 'Filosofando', 1993) 
 
 
 
Referências: 
ARANHA; MARTINS. Filosofando: introdução à         
filosofia. São Paulo: Moderna, 1993. 
GIACOIA JÚNIOR, Oswaldo. Nietzsche. São         
Paulo: Publifolha, 2000. 
GIACOIA JÚNIOR, Oswaldo. Pequeno Dicionário         
de Filosofia Contemporânea. São Paulo:         
Publifolha, 2006. 
GRANIER, Jean. Nietzsche. Porto Alegre: L&PM,           
2009. 
HARARI, Yuval. Sapiens - uma breve história da               
humanidade. Porto Alegre: L&PM, 2015. 
NIETZSCHE, Friedrich. Humano, Demasiado       
Humano. Companhia das Letras, 2005. 
 
 
 
 
Por ​Bruno Carrasco​, terapeuta dos afetos,           
estudioso de filosofia e psicologia, em           
favor da ampliação de possibilidades de           
escolhas e do cuidado de si. 
 
www.fb.com/brunodevir 
www.instagram.com/brunodevir 
 
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 5 
 
Psicologia 
O dia em que procurei um 
terapeuta existencial 
 
Aconteceu quando eu ainda era         
um estudante de psicologia, que como           
outros passou boa parte da graduação           
pensando não precisar da tão falada           
psicoterapia, mas com a realidade dos           
atendimentos chegando tão rápido,       
decidi ir e falar de uma ou outra coisa que                   
me incomodava, “bobagem sabe”, “coisa         
do dia a dia”, “coisas que todo mundo               
vive”. Então foi assim, escolhi um           
profissional que já conhecia, sabia ser           
alguém sério, marquei a sessão e fui,             
chegando lá não sabia muito bem o que               
dizer, na sala de espera já me perguntava               
se realmente tinha sido uma boa ideia,             
por que afinal “eu não precisava, era só               
pela faculdade mesmo”. Deu o horário, o             
terapeuta me acompanhou até o         
consultório, eu escolhi uma poltrona e me             
sentei, e aí, a partir desse momento             
comecei uma das melhores experiências         
da minha vida. 
Conversei por uma hora com outra           
pessoa que realmente me ouviu, que           
estava atento a cada palavra, que           
demonstrou profundo interesse por cada         
banalidade ou “besteira” que eu contava e             
que fui percebendo não ser tão banal             
assim, e que nem era tanta “besteira”,             
que ali haviam coisas importantes que           
precisavam sair de dentro do meu           
imaginário, que precisavam ser ditas em           
voz alta, não para o psicólogo, mas para               
mim mesmo. 
 
 
 
 
 
 
 
Ao contrário do que eu esperava,           
não houveram muitas perguntas, mesmo         
estudando psicologia, eu ainda carregava         
o estereótipo das mídias de que o             
terapeuta vai te aplicar “zilhões” de           
perguntas, de que ele iria querer invadir             
meus mais profundos segredos e que de             
alguma forma poderia até mesmo saber           
se eu estivesse mentindo em algum           
momento, mas não as poucas perguntas           
que vieram foram simples, diretas e           
cirúrgicas, e talvez nem fossem bem           
perguntas, era o famoso “fale mais sobre             
isso” ou “como é isso pra você”, mas foi                 
tão bem aplicado, que me levava a pensar               
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 6 
 
em respostas e relacionar vivências e           
sentimentos que eu nunca havia         
considerado, que talvez nunca tivesse de           
alguma forma relacionado. 
Logo nessa primeira sessão, passei         
a compreender que força e coragem           
frente a vida não tinham nada a ver com                 
aguentar tudo calado, ou suportar a dor             
sem demonstrar, mas sim tem relação           
com compreender, ter a real bravura de             
encarar-se, de sentir de verdade e saber o               
motivo do que se sente, de avaliar as               
escolhas, boas e ruins e lidar de verdade               
com a responsabilidade, e não com viver             
a famosa má-fé de “está tudo bem”, logo               
de cara aprendi a importância que meus             
sentimentos e emoções tinham e quando           
eles precisavam ser demonstrados e         
expostos, assim como passei a pensar           
que haviam momentos que eram só           
meus, e tudo bem. Passei a me aceitar               
melhor, fisicamente e emocionalmente, e         
a não esperar tanto o julgamento dos             
demais sobre a vida, mas sim ter a minha                 
percepção e criar consciência desta. 
Quando a sessão acabou, eu saí           
do prédio e senti algo inédito, uma             
profunda leveza, um alívio enorme, como           
se existisse um peso invisível sob meus             
ombros que tinha finalmente sido         
aliviado. O que quero dizer aqui é que               
com um terapeuta existencial, encontrei         
empatia e acolhimento, encontrei       
realmente um espaço meu que não           
simplesmente me ligou a uma pessoa que             
tinha técnicas de psicologia para aplicar           
em mim, mas que me colocou realmente             
em contato comigo mesmo. 
 
Deixo este relato, pois tenho a           
esperança de que por aí tem uma outra               
pessoa nesse ponto crítico de ir ou não a                 
terapia, e espero que essa vivência possa             
auxiliar na sua escolha. 
 
 
 
 
 
Por ​Patricio Lauro​, psicólogo existencial,         
professor, responsável pelo podcast       
‘Sessão Brainstorming’, amante da       
filosofia, espírito livre. 
 
www.fb.com/patriciopsi 
www.instagram.com/patriciolaurom 
www.youtube.com/sessaobrainstorming 
 
Ser-com​: um casal de psicólogos falando           
sobre psicologia, relações e a vida. 
www.instagram.com/sercompsi   
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 7 
 
Existencialismo 
Existencialismo: doutrina de ação 
 
Como estudante de Psicologia,       
buscava uma vertente que viesse de           
encontro com minhas ideias e percepções           
de indivíduo e de mundo para o             
atendimento clínico futuro. Quando,       
brevemente, tive contato com o conceito           
de que “o homem é o único responsável               
por seu caminho” e li, pela primeira vez,               
Jean Paul Sartre sentenciar que “não           
importa o que a vida fez de ti, e sim o que                       
você faz com o que a vida fez de você”,                   
percebi que havia encontrado algo que,           
finalmente, fazia sentido. Era o         
Existencialismo. 
A escola ou doutrina existencialista         
surge entre os séculos XIX e XX na Europa                 
e tem entre seus principais expoentes           
Søren Kierkegaard, Martin Heidegger e         
Jean Paul Sartre. Cada qual a sua             
maneira, esses pensadores refletem       
acerca de temas comuns, tais como           
liberdade, escolha, responsabilidade,     
angústia e finitude. E colocam o homem             
como o centro de sua experiência de vida,               
em outras palavras, como o autor de seu               
próprio destino. 
 
“A existência precede a essência” 
 
Contrariando a ideia cartesiana       
que separa o corpo e a mente, para os                 
filósofos do Existencialismo, corpo e         
mente são indissociáveis. Além disso,         
estudiosos existencialistas colocam que, 
 
 
 
 
antes de nascer, o homem é “nada” e,               
somente a partir do momento em que se               
coloca no mundo, em contato com outros             
homens e na ocasião de suas primeiras             
escolhas, é que esse homem se torna um               
indivíduo capaz de construir sua essência           
(valores, ideais, projetos). 
O homem, tal como o existencialista o             
concebe, só não é passível de uma             
definição porque, de início, não é nada: só               
posteriormente será alguma coisa e será           
aquilo que ele fizer de si mesmo. Assim,               
não existe natureza humana, já que não             
existe um Deus para concebê-la. O homem             
é tão-somente, não apenas como ele se             
concebe, mas também como ele se quer;             
como ele se concebe após a existência,             
como ele se quer após esse impulso para a                 
existência (SARTRE, p. 10, 2014).  
 
Melhor explicando, a essência do         
homem se dá a partir de seu nascimento               
e das escolhas que faz ao longo de seu                 
projeto de vida, até a morte. Essa             
essência, portanto, não vem pronta, é           
mutável e se constitui ao longo da             
existência/experiência de cada indivíduo,       
em conformidade com suas escolhas. 
Ainda de acordo com Sartre em           
seu manifesto em defesa do         
Existencialismo – O Existencialismo é um           
Humanismo – “o homem nada mais é do               
que aquilo que ele faz de si mesmo: é                 
esse o primeiro princípio do         
existencialismo. É também a isso que           
chamamos de subjetividade: a       
subjetividade de que nos acusam” (p. 10,             
2014). 
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 8 
 
Liberdade x responsabilidade 
 
O ser é livre para escolher o seu               
caminho. Suas escolhas são realizadas a           
todo momento e, ainda que o indivíduo             
imagine “não escolher”, estará realizando         
a escolha de “se levar pela multidão”,             
deixar que outros escolham para si.           
Contudo, essa liberdade acarreta sempre         
a responsabilidade pelos resultados –         
positivos ou negativos – de cada uma             
dessas escolhas. 
Desse modo, o primeiro passo do           
existencialismo é o de pôr todo homem na               
posse do que ele é e de submetê-lo à                 
responsabilidade total de sua existência.         
Assim, quando dizemos que o homem é             
responsável por si mesmo, não queremos           
dizer que o homem é apenas responsável             
pela sua estrita individualidade, mas que           
ele é responsável por todos os homens             
(SARTRE, p. 11, 2014). 
 
O sujeito pode, por exemplo,         
escolher deixar um emprego de prestígio           
e com bom salário por não suportar as               
regras e a rotina do dia a dia. Porém, terá                   
de lidar com as consequências de ficar             
sem o dinheiro, de precisar buscar um             
novo emprego, da frustração da família           
com sua decisão etc. Ou ele pode, de               
outra forma, continuar nesse emprego         
que não lhe traz felicidade, mas que paga               
as contas, traz alegria para a família e               
prestígio social. Seja qual for a decisão, o               
sujeito sempre terá de fazer escolhas na             
vida, das mais simples às mais           
complexas. E se responsabilizar por cada           
uma delas, sabendo que as         
consequências refletem não apenas em         
sua vida, mas em toda a sociedade. 
 
Ainda de acordo com Jean-Paul Sartre, 
Ao afirmarmos que o homem se escolhe a               
si mesmo, queremos dizer que cada um de               
nós se escolhe, mas queremos dizer           
também que, escolhendo-se, ele escolhe         
todos os homens. De fato, não há um               
único de nossos atos que, criando o             
homem que queremos ser, não esteja           
criando, simultaneamente, uma imagem       
do homem tal como julgamos que ele deva               
ser. Escolher ser isto ou aquilo é afirmar,               
concomitantemente, o valor do que         
estamos escolhendo, pois não podemos         
nunca escolher o mal; o que escolhemos é               
sempre o bem e nada pode ser bom para                 
nós sem o ser para todos. Se, por outro                 
lado, a existência precede a essência, e se               
nós queremos existir ao mesmo tempo           
que moldamos nossa imagem, essa         
imagem é válida para todos e para toda a                 
nossa época. Portanto, a nossa         
responsabilidade é muito maior do que           
poderíamos supor, pois ela engaja a           
humanidade inteira (p. 12, 2014). 
 
Angústia e má-fé 
 
A responsabilidade por cada       
escolha feita é imensa e, como vimos, não               
é possível deixar de escolher, a partir do               
momento em que o homem nasce no             
mundo, até o momento em que deixa de               
existir. O sentimento que acompanha         
essas escolhas é a angústia. Angústia,           
desamparo, desespero são termos       
bastante presentes nos estudos do         
Existencialismo. Pois não é possível estar           
no mundo escolhendo a si mesmo e aos               
outros homens sem deparar com esses           
afetos. 
Para Sartre, “o homem é angústia”           
(p. 13, 2014). E para compreender a             
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 9 
 
angústia na concepção existencialista, o         
pensador propõe o seguinte: 
O homem que se engaja e que se dá conta                   
de que ele não é apenas aquele que               
escolheu ser, mas também um legislador           
que escolhe simultaneamente a si mesmo           
e a humanidade inteira, não consegue           
escapar ao sentimento de sua total e             
profunda responsabilidade. É fato que         
muitas pessoas não sentem ansiedade,         
porém nós estamos convictos de que estas             
pessoas mascaram a ansiedade perante si           
mesmas, evitam encará-la; certamente       
muitos pensam que, ao agir, estão apenas             
engajando a si próprios e, quando se lhes               
pergunta: mas se todos fizessem o           
mesmo?, eles encolhem os ombros e           
respondem: nem todos fazem o mesmo.           
Porém, na verdade, devemos sempre         
perguntar-nos: o que aconteceria se todo           
mundo fizesse como nós? e não podemos             
escapar a essa pergunta inquietante a não             
ser através de uma espécie de má fé (p.                 
14, 2014). 
 
Diferentemente da ideia do       
senso-comum, para o pensamento       
existencialista a má-fé acontece quando         
um homem “mente para si mesmo”, não             
reconhecendo sua liberdade de fazer         
escolhas e se autodeterminar. Tentando         
mascarar sua angústia por ter de escolher             
a todo momento, o indivíduo abre mão             
de sua autenticidade, de uma vida           
autêntica, passando a viver escolhas de           
outros – vivendo de maneira inautêntica,           
fingindo crer que as escolhas já estão             
postas, sendo impossível, assim, de         
serem transformadas. 
O indivíduo que se submete às           
regras e normas sociais, sem         
questioná-las ou mesmo sem acreditar no           
que vive; aquele Homem que mente para             
si mesmo, seria o indivíduo que vive na               
má-fé existencialista.  
Cada homem deve perguntar a si próprio:             
sou eu, realmente, aquele que tem o             
direito de agir de tal forma que os meus                 
atos sirvam de norma para toda a             
humanidade? E, se ele não fazer a si               
mesmo esta pergunta, é porque estará           
mascarando sua angústia. Não se trata de             
uma angústia que conduz ao quietismo, à             
inação. Trata-se de uma angústia simples,           
que todos aqueles que um dia tiveram             
responsabilidades conhecem bem. (...)       
Veremos que esse tipo de angústia – a que                 
o existencialismo descreve – se explica           
também por uma responsabilidade direta         
para com os outros homens engajados           
pela escolha. Não se trata de uma cortina               
entreposta entre nós e a ação, mas parte               
constitutiva da própria ação (SARTRE, p.           
14-16, 2014). 
 
“Doutrina de ação” 
 
Posso finalizar o texto com a           
afirmação sartreana de que, acima de           
tudo, o Existencialismo é uma “doutrina           
de ação” (p. 48, 2014). Pois se trata de                 
colocar o sujeito como centro do seu             
universo, um “universo humano” ou         
“universo da subjetividade humana” (p.         
46, 2014), em que a relação dialética de               
ser-no-mundo (in Ser e Tempo,         
HEIDEGGER, 1927), em que o homem           
existe, nasce no mundo e, só depois,             
constrói sua subjetividade, sua essência,         
por meio de escolhas que transformam           
não apenas a si, mas a todos em               
determinado local, determinada época e         
contexto histórico, gera responsabilidade       
e uma angústia propulsora de ações e             
mudanças significativas tanto     
individualmente, como coletivamente. 
Por perseguir “objetivos     
transcendentes é que ele (o homem)           
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 10 
 
pode existir; sendo o homem essa           
superação e não se apoderando dos           
objetos senão em relação a ela, ele se               
situa no âmago, no centro dessa           
superação” (SARTRE, p. 47, 2014). Ainda           
sobre o caráter humanista do         
Existencialismo, que coloca o Homem         
como único legislador de si: 
...recordamos ao homem que não existe           
outro legislador a não ser ele próprio e               
que é no desamparo que ele decidirá             
sobre si mesmo; e porque mostramos que             
não é voltando-se para si mesmo mas             
procurando sempre uma meta fora de si –               
determinada libertação, determinada     
realização particular – que o homem se             
realizará precisamente como ser humano         
(p. 47, 2014). 
 
A transcendência do homem       
existencialista reside no seu esforço de           
superação de vida – nas escolhas           
ininterruptas objetivando romper     
barreiras, explorar possibilidades para       
alcançar sua subjetividade mais autêntica,         
alterando a si próprio, ao outro e à               
sociedade. 
 
 
 
Referências: 
REYNOLDS, J. Existencialismo. Petrópolis, RJ:         
Vozes, 2013. (Série Pensamento Moderno). 
SARTRE, J. P. O Existencialismo é um             
Humanismo. 4a ed. São Paulo: Vozes, 2014. 
 
 
 
 
 
 
 
 
Jean-Paul Sartre (1905-1980) 
 
 
 
 
 
Por ​Luana Muñoz de Oliveira Orlandi​,           
jornalista e estudante de psicologia. 
E-mail: luana_orlandi@uol.com.br 
 
 
 
   
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 11 
 
Gênero 
Essência, existência, gênero 
 
Aristóteles defendia que     
compreender a verdadeira causa de um           
evento era intuir sua essência,         
especificidade e necessidade. Outro       
filósofo que corroborou com as idéias de             
Aristóteles foi o alemão Gottfried Wilhelm           
Leibniz (1646–1716). Para ele, o mundo           
foi criado para um determinado fim. Tudo             
o que existe tem uma causa final que               
define o seu propósito e a sua existência.               
Nada acontece sem uma razão profunda           
suficiente. Agir para um fim e, em relação               
a este, avaliar os próprios meios é típico               
da natureza humana. Conforme a         
hipótese finalista, a natureza também         
seria movida por análogo critério de           
intencionalidade. O cristianismo fez do         
finalismo sinônimo de providência divina.  
Influenciada pelo pensamento     
essencialista e finalista, as questões de           
gênero foram sendo construídas pelas         
normas religiosas, médicas, políticas e         
jurídicas. Portanto, o raciocínio       
estabelecido foi o seguinte: aquele que é             
definido como homem biológico foi feito           
com um pênis. Depois foi dotado de uma               
“essência masculina”. Sua finalidade é         
buscar uma mulher biológica que foi feita             
com uma vagina e dotada de uma             
“essência feminina”. A partir desse         
encontro, os dois estabelecerão uma         
relação complementar e serão os         
responsáveis pela perpetuação da       
espécie humana (Abbagnano, 2007;       
Chauí, 2003; Nicola, 2005 apud Antunes,           
2017). 
 
 
 
 
Além de garantirem a       
continuidade da vida, estarão cumprindo         
com as normas religiosas e         
mandamentos sociais estabelecidos.     
Aristóteles ainda dizia que tudo é           
composto de uma substância, o termo           
significa literalmente o que está por baixo             
de. Não possui uma existência acidental e             
eventual. Ela existe para si. Tem vida             
própria e goza de determinadas         
propriedades possuindo apenas uma       
essência. Substância e essência       
coincidem. 
Nesse caso podemos pensar na         
“essência masculina” e na “essência         
feminina”. Essas, por sua vez, são           
compostas de comportamentos     
normatizados e específicos para cada         
gênero em questão. Tal forma de           
raciocinar ficou conhecida na filosofia         
como essencialismo. As essências são         
produzidas através de respostas dadas à           
seguinte pergunta: o que é isto ou aquilo?               
Quando se pergunta, por exemplo, o que             
é o gênero, a mulher, o homem, o idoso                 
ou a travesti, está se perguntando pela             
definição desses entes. 
Para Aristóteles pode-se descrever       
a essência como aquilo que permanece e             
se conserva imutável, apesar da mutação           
aparente. Definir a essência da vida é             
mais difícil do que definir a essência de               
um triângulo, por exemplo. Em oposição           
ao essencialismo, há outra corrente na           
filosofia denominada de existencialismo.       
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 12 
 
Essa linha de pensamento diz que o ser               
humano não é um conjunto de teorias.             
Há uma preocupação com o sentido ou o               
objetivo das vidas humanas, mais que           
com verdades científicas ou metafísicas         
sobre o universo. 
Assim, o existencialismo foi       
influenciado pela fenomenologia do       
filósofo alemão Edmund Husserl (1859-         
1938). Tal pensamento dizia que a           
experiência interior ou subjetiva é         
considerada mais importante do que a           
verdade “objetiva”. O existencialismo diz         
que o homem não foi planejado por             
alguém para uma finalidade, como os           
objetos que o próprio homem cria. O             
homem se faz em sua própria existência.             
Não havendo tal essência, todos são           
iguais e igualmente livres para se fazerem             
em relação a determinado contexto.         
Afirma o primado da existência sobre a             
essência. 
Não há afirmações gerais e         
verdadeiras sobre o que os homens           
devem ser. Um de seus principais           
representantes é o filósofo francês         
Jean-Paul Sartre (1905-1980) que leva         
esse indeterminismo às suas mais         
radicais consequências. Para Aristóteles,       
e muitos outros filósofos, a essência de             
ser humano era ser racional. Mas para             
Sartre, a pessoa deve produzir sua           
própria essência. A existência precede a           
essência. Como seres conscientes,       
estamos sempre querendo preencher o         
“vir a ser” que na realidade é a verdadeira                 
“essência” do nosso ser consciente.         
Queremos nos transformar em coisas em           
vez de permanecer perpetuamente num         
estado em que as possibilidades estão           
sempre irrealizadas. 
Para Sartre só nos tornamos algo           
acabado quando morremos. O homem         
passa toda sua existência em um           
processo de devir. Estamos sempre         
abertos às novas possibilidades de         
reinvenção partindo de um determinado         
contexto existencial possível. Sartre       
chamou isso de facticidade. Ela diz           
respeito às resistências e objetos que a             
liberdade necessariamente se defronta       
quando cria nova situação. Como         
exemplo de facticidade, podemos pensar         
no sexo biológico, família, país, cidade,           
cultura, época e condição socioeconômica         
que nascemos. 
As condições impostas pela       
facticidade conjugadas ao significado       
dado pela liberdade se combinam para           
criar uma nova situação. Sartre defende           
que não importa o que foi feito do               
indivíduo, e sim o que o indivíduo faz com                 
aquilo que foi feito dele. A resistência é               
intrínseca à liberdade e ao humano.           
Travestis nasceram biologicamente     
homens. Podemos pensar que esse fato           
remete à facticidade ou àquilo que foi             
feito delas. Alteram seus corpos com           
signos considerados culturalmente     
próprios do feminino. Esse fato remete à             
liberdade ou ao que fazem com aquilo             
que foi feito delas. 
No entender de Sartre estamos         
condenados à liberdade. Cada ato         
contribui para definir como nos         
apresentamos ao mundo. Em qualquer         
momento podemos começar a agir de           
modo diferente e desenhar um retrato           
diferente de nós mesmos. Há sempre           
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 13 
 
uma possibilidade de mudança, de         
começar a fazer um tipo diferente de             
escolha. Temos o poder de nos           
transformar indefinidamente, tendo     
sempre como ponto de partida, nossa           
facticidade. Não há nenhuma “essência”         
determinada que oriente a priori o           
comportamento de ninguém. Porém, há o           
que Sartre chama “projeto original”. 
Como uma pessoa é uma unidade,           
e não apenas um amontoado de desejos             
ou hábitos sem relação, deve haver para             
cada uma delas uma escolha         
fundamental por um papel ou script de             
vida, o qual dá o significado de qualquer               
aspecto específico de seu       
comportamento. Essa escolha nem       
sempre acontece de forma consciente.         
Saber sobre o “projeto original” de           
alguém demanda cuidadosa análise de         
sua trajetória existencial. Sartre       
acreditava que não há nenhum deus e,             
portanto, não há qualquer plano divino           
que determine o que deve acontecer. Não             
há um sentido ou propósito último           
inerente à vida humana. Logo ela é             
absurda. 
Isto significa que o indivíduo foi           
jogado de fato na existência sem           
nenhuma razão real para ser.         
Simplesmente descobrimos que     
existimos e temos então que decidir o             
que fazer de nós mesmos. O homem não               
é mais do que aquilo que ele faz de si                   
mesmo. Se não há nenhum deus, não há               
nenhum padrão objetivo de valores.         
Consequentemente, devemos estabelecer     
ou inventar, a partir da liberdade e             
facticidade nossos próprios valores       
particulares. Tal é o primeiro princípio do             
existencialismo ateu de Sartre. Sem         
diretrizes absolutas, nós devemos sofrer         
a agonia de nossa tomada de decisão e a                 
angústia de suas consequências. 
A angústia é, então, a consciência           
da própria liberdade e a consciência da             
imprevisibilidade última do nosso       
comportamento. Sartre define como “má         
fé” a tentativa de fugir da angústia             
fingindo que não somos livres. Tentamos           
nos convencer que as nossas atitudes e             
ações são determinadas pela nossa         
personalidade, horóscopo, situação ou       
por qualquer outra coisa fora de nós             
mesmos. Segundo Sartre, nenhum       
motivo ou resolução passada determina o           
que fazemos agora. Cada momento         
requer uma escolha nova ou renovada.           
Mesmo que não fizermos nada, uma           
escolha já está sendo realizada: o não             
agir. 
Negar a liberdade é uma tomada           
de posição covarde, a fim de fugir da               
angústia da escolha, e achar o repouso e               
a segurança na confortável ilusão de ser             
uma essência acabada. Portanto, o         
existencialismo se contrapõe ao       
essencialismo, à medida que defende que           
não somos determinados. Para essa         
corrente filosófica, podemos nos       
reinventar a cada momento. Inicialmente,         
as ideias essencialistas se tornaram mais           
expressivas que as ideias existencialistas         
(Perdigão, 1995; Sartre, 2005 apud         
Antunes, 2017). 
Portanto, as primeiras     
influenciaram mais as ciências biológicas         
do que as ciências humanas. Logo, para             
as ciências médicas e biológicas, assim           
como todos os entes, homens e mulheres             
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 14 
 
também possuem uma essência e         
finalidade que serão manifestadas ao         
longo da vida. 
Os estudos ​queer se propõem a           
compreender as práticas sociais que         
organizam a sociedade como um todo           
através da “sexualização”,     
“heterossexualização”, 
“homossexualização” de corpos desejos,       
atos, identidades, relações sociais,       
conhecimentos, cultura e instituições       
sociais. Interrogação dos processos       
sociais normatizadores que criam       
classificações gerando a ilusão de que           
existem sujeitos estáveis, identidades       
naturais e comportamentos regulares       
(Seidman apud Miskolci, 2009 apud         
Antunes, 2017). 
Para Miskolci (2009) apud Antunes,         
(2017), a matriz essencializadora e         
hierarquizadora criada pela sociedade       
seria formada pela conexão entre etnia e             
sexualidade. Nela há um nó que evidencia             
o mesmo processo normatizador que         
acaba criando seres considerados mais         
humanos e menos humanos (seres         
abjetos). Os seres humanos só se tornam             
viáveis através de categorias socialmente         
reconhecidas. Portanto, segundo tal       
matriz essencializadora, travestis idosas,       
são consideradas abjetas e invisíveis,         
justamente por não corresponderem a         
nenhuma categoria considerada viável e         
às normas estipuladas.  
A teoria ​queer ​desafia a sociologia           
a não estudar mais aqueles que rompem             
as normas, nem os processos sociais que             
os criaram como desviantes. Ao invés           
disso, insiste em focar nos processos           
normatizadores marcados pela produção       
simultânea do hegemônico e do         
subalterno. Tais estudos se preocupam         
em criticar os processos normatizadores.         
Portanto, segundo Pelúcio (2009) apud         
Antunes, (2017) os estudos queer,         
procuram desvelar mecanismos de       
naturalização e essencialização dos       
termos e relações por eles significados.  
 
 
Referência Bibliográfica: 
ANTUNES, P. P. S. Homofobia         
internalizada: o preconceito do       
homossexual contra si mesmo. São Paulo:           
Annablume, 2017. 
 
Disponível em PDF:  
https://tede2.pucsp.br/browse?type=author&
value=Antunes%2C%20Pedro%20Paulo%20Sa
mmarco&fbclid=IwAR1I0drxfNKO40FTTT7gks
WiCJhtmZTTYBEE2-R1TaRc8wgDOfEQ5Gf-zeI 
 
 
 
 
Por ​Pedro Sammarco​, psicólogo clínico         
graduado pelo Mackenzie, com formação         
em Gestalt-Terapia pelo Sedes Sapientiae,         
especialização em Sexualidade Humana       
pela USP, mestrado em Gerontologia e           
doutorado em Psicologia Social pela         
PUC-SP. É autor dos livros "Travestis           
envelhecem" e "Homofobia internalizada:       
o preconceito do homossexual contra si           
mesmo", publicados pela editora       
Annablume. 
 
www.instagram.com/pedrosammarco 
www.fb.com/pedrosammarcopsicologo 
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 15 
 
Literatura 
Um “demônio” trágico 
 
A literatura russa nos legou         
grandes escritores, dentre tantos deles         
Fiódor Dostoiéviski (1821-1881) se       
destaca como um dos mais densos           
filosoficamente e psicologicamente. 
Em sua obra “Os demônios”         
encontram-se diversos personagens, um       
deles me recordou o filósofo Friedrich           
Nietzsche (1844-1900), o personagem       
Aleksiei Kiríllov incorpora o apolíneo e o             
dionisíaco da filosofia de Nietzsche e nos             
remonta a uma tragédia grega antiga do             
período pré-socrático. 
 
 
 
Fiódor Dostoiévski 
 
 
 
 
O personagem de Kiríllov é belo           
porque trágico, trágico à la Sófocles           
(497-405 a.C.). Kiríllov é um personagem           
febril, que se consome em seus           
pensamentos, num raciocínio constante       
sobre suas ideias que o levará a um               
destino trágico. Kiríllov quer provar que           
Deus morreu! Grande missão este         
personagem se impõe! Mas como, como           
provar a morte de Deus? Em seu estado               
febril Kiríllov decide que está disposto a             
levar às últimas consequências para         
tentar provar a inexistência desse “ser”,           
deus. 
Kiríllov raciocina: “...se crê, crê que           
não crê. Mas se não crê, então crê que                 
não crê.” Não há saída, para Kiŕillov é               
impossível deixar de acreditar em algo,           
mesmo não crendo em nada se crê             
sempre em algo, constata. A “salvação”           
para seus dilemas, e seu trunfo enquanto             
herói, é se matar por um ideal, matar-se               
em defesa do Ateísmo, que ele diz             
ninguém ainda o ter feito, ninguém se             
matou em defesa da “não-crença” e ele             
seria o primeiro! Grande constatação!         
Matando a si ele demonstra a todos que               
quem tem o poder sobre a vida, é ele, e                   
não Deus. Kiríllov almeja a independência           
de sua existência, sem submissão a nada             
transcendente. 
 
 
 
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 16 
 
 
Esse “herói trágico moderno” -         
assim como nas tragédias gregas antigas -             
vence todas as circunstâncias colocadas         
pela sua razão pela tragicidade de seu             
ato, o suicídio. Seu ato é dionisíaco, pois é                 
a desintegração do “eu”, um somar com a               
natureza, e também apolíneo por ser um             
ato individual (​principium individuationis​)       
mesmo que para dar término da própria             
vida culminando numa tragédia. Como         
afirma Roberto Machado em seu livro           
Nietzsche e a verdade: 
Para o herói trágico é necessário perecer,             
por onde ele deve vencer. 
(pág.38) 
Kiríllov vence, por matar a si           
mesmo em defesa de uma ideia, um             
herói trágico que num ato de           
autoconsciência encontra uma forma de         
anunciar ao mundo que não é um deus o                 
mantenedor da vida, do mundo, o           
homem tem poder sobre si mesmo de             
dar cabo à sua vida justificado pela             
“razão”, e nisso encontra sua consolação. 
Eis a estranha consolação que proporciona           
a tragédia: a certeza de que existe um               
prazer superior a que acede pela ruína e               
pelo aniquilamento do herói, da         
individualidade, da consciência; pela       
destruição dos valores apolíneos. (pág. 40           
– Roberto Machado em Nietzsche e a             
verdade). 
Fica aqui o convite à leitura desta             
obra literária excepcional. Lembrando       
que as melhores traduções de         
Dostoiévski no Brasil são da editora 34,             
em especial dos tradutores Boris         
Shnaiderman e Paulo Bezerra. 
 
 
 
 
 
 
 
Por ​João Marcos​, proprietário do Sebo           
São Darwin, tatuador, interessado em         
literatura, filosofia e história. 
 
Sebo São Darwin: 
www.facebook.com/saodarwin 
www.instagram.com/sebo_sao_darwin 
 
Tatuaisô: 
www.instagram.com/tatuaiso 
www.facebook.com/tatuaiso 
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 17 
 
 
Galeria Independente 
George Christian 
 
 
 
George Christian é compositor,       
multiinstrumentista e cantor, residente       
em Salvador (BA), fortemente engajado         
na produção e difusão de sua música             
independente por distintos meios online,         
tendo produzido diversos EPs e álbuns           
lançados, utilizando como principal       
instrumento o violão elétrico, juntamente         
com explorações instrumentais. 
Também atua como compositor de         
trilhas sonoras, tendo em seu currículo os             
filmes "Imagens", de Luiz Rosemberg         
Filho, e a série "No Icons" (inédito), de               
Alexandre Guena. Seus trabalhos       
trafegam nos campos tanto da música           
experimental, quanto da música de         
concerto, realizando esporádicas     
performances ao vivo. 
 
 
 
 
 
 
A Era da Estupidez 
 
Seu álbum mais recente, 'A Era da             
Estupidez', é o álbum mais progressivo           
em sua discografia. Trata-se de um           
trabalho conceitual em que se observa,           
paradoxalmente, uma narrativa que se         
inicia como um lamento solitário e vai se               
desdobrando num cataclisma ultra       
psicodélico de timbragens ao observar a           
estupidez no mundo. 
O compositor se assume solista e           
multiinstrumentista, onde o corpo da         
improvisação e da composição       
espontânea percorre contornos mais       
estruturados e desafiadores. Das dores         
secretamente autobiográficas às dores do         
mundo ao redor. O álbum é um             
manifesto contra uma época de         
retrocessos éticos e um elogio à loucura             
criativa. 
 
Link para escutar o disco: 
hamfuggirecords.bandcamp.com/album/
a-era-da-estupidez 
 
George Christian: 
georgechristianmusic.wixsite.com 
instagram.com/gc.soundartifacts 
fb.com/georgechristianmusic 
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 18 
 
 
cotidiano / junho 2020 
pastel seco em papel kraft 
 
 
 
 
Galeria Independente é um       
projeto do ex-isto que visa divulgar           
artistas que produzem um trabalho         
autoral, de caráter inventivo, crítico e/ou           
libertário, que se relacione (de alguma           
maneira) com as temáticas do         
existencialismo, fenomenologia, filosofia     
contemporânea ou psicologia. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Guto Nunes 
instagram.com/gggguto/ 
 
 
 
 
 
O intuito desta galeria é gerar           
visibilidade de artistas pouco conhecidos         
pelos meios midiáticos de massa, que           
atuam principalmente de maneira       
independente, seja na música, pintura,         
escultura, literatura, fotografia, cinema,       
dança, teatro, história em quadrinhos ou           
arte digital. 
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 19 
 
Livro 
O ser e o nada - Jean-Paul Sartre 
 
“O Ser e o Nada” do filósofo             
francês Jean-Paul Sartre é um grande           
clássico do existencialismo, publicado       
pela renomada Editora Vozes. Neste livro           
encontramos reflexões sobre a       
consciência, percepção, autoilusão,     
existência e o livre-arbítrio. Um livro           
robusto e de linguagem complexa, porém           
indispensável para os interessados dessa         
corrente de pensamento. 
Influenciado fortemente por     
filósofos como Martin Heidegger e         
Edmund Husserl no uso do método           
fenomenológico como ótica para explorar         
o ser (ontologia), nosso autor configura           
uma relação entre consciência e mundo           
de maneira posicional, pois, consciência é           
sempre consciência de algo e o método             
fenomenológico é justamente aquele que         
busca o fenômeno como ele aparece. A             
aparência não é mera ilusão que esconde             
a essência de algo, ao contrário, a             
essência mesma é uma aparição. 
 
Podemos rastrear também sua       
dívida com Kierkegaard, quando o filósofo           
francês escreve sobre a condição da           
humanidade como radicalmente livre e a           
relação dessa liberdade com a angústia.           
O ser não é pré-determinado, sua           
essência é uma construção, onde nos           
autoafirmamos através de nossas ações         
(escolhas), somos condenados a sermos         
livres e por isso somos obrigados a             
escolher, agir, a não escolha também é             
uma escolha onde somos totalmente         
responsáveis. Já a angústia jaz da           
liberdade, “um sentimento inevitável de         
profunda e total responsabilidade por         
nossas próprias escolhas e ações”. 
Constantemente tentamos fugir da       
responsabilidade, e essa tentativa foi o           
que Sartre chamou de má-fé, aqui           
concentra-se as temáticas do engano de           
si. A mentira implica que o mentiroso está               
completamente a par da verdade, não é             
um ignorante ou vítima de um erro, mas               
sim tem uma consciência cínica         
incoerente com suas palavras. A mentira           
também pressupõe o “outro”, o         
enganado. Já a má-fé compartilha muitos           
aspectos da mentira, porém, não         
pressupõe o outro: sendo assim uma           
mentira para si mesmo. A má-fé é uma               
“desagregação íntima no seio do ser”. 
 
Por ​Kaíque Jeordhanne​, bacharel em         
Ciências Ambientais, idealizador do       
projeto Ler e Despertar, onde faz           
resenhas e oferece dicas de livros. 
 
www.instagram.com/leredespertar   
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 20 
 
Filme 
A primeira noite de tranquilidade 
 
Valério Zurlini foi um diretor de           
destaque no cinema italiano nas décadas           
de 50 a 70, mas de alguma forma, no                 
âmbito internacional, seu nome ganhou         
menor repercussão que o de outros           
cineastas. Talvez obscurecido pela       
fenomenal repercussão que outros       
cineastas do período alcançaram – Fellini,           
Visconti, Antonioni... Mas certamente não         
por conta de seu cinema ser algo inferior.               
Zurlini dirigiu poucos filmes, mas alguns           
deles, como “A primeira noite de           
tranquilidade”, revelam seu talento para         
retratar o estado de espírito de           
personagens imersos em crises       
existenciais e situações limites. 
“A primeira noite de tranquilidade”         
remete a uma passagem da obra de             
Goethe, que ao final do filme irá revelar               
seu caráter trágico. A história é centrada             
no personagem de Daniele (Alain Delon),           
um professor de literatura de meia idade             
que fracassou em se mostrar a altura das               
expectativas de sua família burguesa. Um           
Delon derrotado, com olheiras e eterno           
semblante de quem passou a noite em             
alguma festa decadente entrega uma         
atuação lapidar. Daniele parece ir de           
cidade a cidade, de emprego a emprego,             
sem qualquer desejo de chegar a algo ou               
algum lugar. Seu currículo é cheio de             
espaços vazios, e Daniele não está           
minimamente interessado em explicar       
tais ausências, assim como também         
parece ter pouco interesse por sua           
namorada deprimida. Numa Rimini       
poética e melancólica – Zurlini oferece           
belos takes da cidade no outono, período             
em que transcorre a história – Daniele             
tem sua existência maquinal e indiferente           
agitada por um sentimento que há           
tempos não o movia; o desejo. Ele é               
despertado por outra personagem que         
parece viver um impasse tão grande           
quanto o de Daniele. A bela e triste               
Vanina, a aluna adolescente que         
demonstra interesse por suas aulas.         
Daniele irá, é claro, se apaixonar por             
Vanina. Mas para além da diferença de             
idade e das relações sociais que irão             
obstruir os planos de Daniele, há também             
o fato de Vanina ser amante de um rapaz                 
envolvido com a máfia local e de ter um                 
passado tão complicado quanto o de           
Daniele. 
O filme se constrói pela força de             
seus personagens. Além de Daniele e           
Vanina, outras figuras interessantes       
habitam essa história onde parece que           
ninguém vai conseguir o mínimo de           
satisfação em suas complicadas       
existências. O filme lida com várias das             
questões centrais ao existencialismo –         
angústia, solidão, liberdade,     
singularidades que ora aproximam, ora         
afastam os indivíduos. “A primeira noite           
de tranquilidade” versa sobre um mundo           
onde impera a falta de sentido e sobre o                 
quanto nossas vidas são um tanto quanto             
absurdas. 
 
 
Por ​Graziela Maria Lisboa Pinheiro​,         
estudante de psicologia, mestre e         
doutora em letras, graduada em         
comunicação social e cinema. 
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 21 
 
Diversos 
O que é o esperanto? 
 
Em poucas palavras, o esperanto é           
uma língua planejada criada na intenção           
de facilitar a comunicação entre pessoas           
que falam línguas diferentes. A base do             
esperanto foi iniciada pelo médico e           
filólogo polonês Dr. Lázaro Zamenhof, em           
1887. Desde então, o projeto de língua             
planejada transformou-se em uma língua         
viva, com cultura própria, mas         
internacional, tendo até mesmo falantes         
nativos. 
Hoje podemos também dizer que         
o esperanto é muito mais que apenas             
uma língua inventada, atualmente, é uma           
cultura rica e diversa que reúne pessoas             
de várias partes do mundo, essa cultura             
se mostra através de músicas, filmes,           
redes sociais, literatura, teatro e outras           
manifestações artísticas. 
O esperanto não pertence a         
nenhuma nação e pertence a todos           
aqueles que, de alguma maneira, têm           
contato com essa ferramenta       
extremamente eficaz de comunicação       
transnacional. Essa língua é culturalmente         
cosmopolita, aquele está inserido na         
comunidade esperantista, na maioria das         
vezes, também tem interesse por um           
mundo sem fronteiras e, principalmente,         
sem barreiras linguísticas. 
O livre contato e a facilidade desta             
comunicação fluida, possibilita aos       
usuários do esperanto total acesso às           
mais diversas culturas. Tendo como         
princípio fundamental à neutralidade, o         
esperantista se assume como um cidadão           
do mundo, totalmente integrado às         
interações transnacionais. 
O falante do esperanto tem a           
oportunidade de se inserir em qualquer           
grupo social, não impondo, de maneira           
alguma, sua língua nacional, dessa forma,           
tais indivíduos atingem uma aquisição         
cultural plenamente efetiva. Tolerância,       
respeito e cordialidade são alguns dos           
principais valores cultivados no meio         
esperantista. 
Será um grande prazer poder         
mostrar um pouco deste universo cultural           
para você leitor da revista ex-isto. 
 
 
 
Por ​Fábio Silva​, licenciado em Letras pela             
UFLA, pós-graduado em linguística       
aplicada à educação pela Faveni, membro           
da Liga Internacional de Professores         
Esperantistas e é diretor da Embaixada           
do Esperanto de Pouso Alegre. 
 
www.linguainternacional.org 
www.facebook.com/ambasadejo 
www.instagram.com/esperanton 
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 22 
 
Artigo 
Fundamentos da psicoterapia 
fenomenológico existencial 
Bruno Carrasco 
 
Resumo: 
Este artigo tem como intuito apresentar           
os embasamentos filosóficos e       
metodológicos da psicoterapia     
fenomenológico existencial: a filosofia       
existencialista e o método       
fenomenológico, destacando sua     
particularidade no modo de encarar a           
existência humana e de proceder o           
processo psicoterapêutico. O     
existencialismo oferece um olhar sobre a           
condição humana enquanto algo não         
definido, livre e responsável por suas           
escolhas, e em constante transformação,         
que se constitui em seu existir concreto             
por meio de sua experiência singular, no             
mundo, em constante relação com as           
pessoas, objetos, espaços e consigo         
mesmo. A atitude fenomenológica dispõe         
uma abertura para as singularidades da           
existência em seus modos próprios de se             
manifestar, buscando compreender as       
distintas características, interesses e       
desinteresses de cada indivíduo, evitando         
pressuposições ou conceitos prévios       
sobre a pessoa, captando o modo como             
esta se revela a cada encontro. 
 
Palavras-chave: Psicoterapia, 
Existencialismo, Fenomenologia, 
Psicologia. 
 
 
 
 
 
Introdução 
 
O presente trabalho pretende       
oferecer uma breve introdução sobre os           
fundamentos filosóficos da psicoterapia       
fenomenológico existencial, expondo     
seus norteamentos teóricos, iniciando       
com a filosofia existencialista e seu           
entendimento sobre a existência humana,         
e o método fenomenológico, que indica           
atitudes e disposições para se aproximar           
da existência em seus distintos modos de             
se expressar. 
Existencialismo é uma filosofia       
contemporânea que encara a existência a           
partir de sua manifestação concreta,         
singular e afetiva, entendendo o ser           
humano livre para fazer escolhas e           
responsável por elas, sempre aberto a           
novas possibilidades. A fenomenologia se         
apresenta como uma atitude para se           
aproximar das singularidades, do modo         
como cada um se apresenta. 
O intuito desta pesquisa é explorar           
os pressupostos filosóficos e as teorias           
que servem de embasamento para a           
prática da psicoterapia fenomenológico       
existencial. Pretende-se, portanto,     
apresentar algumas questões do       
existencialismo e da fenomenologia com         
relação ao entendimento de ser humano,           
e sobre o modo como proceder a análise               
da existência humana, de acordo com           
estas vertentes. 
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 23 
 
A psicoterapia fenomenológico     
existencial dispõe uma maneira específica         
de encarar a existência humana,         
entendendo esta como um processo e           
não como algo fixo, mas sempre aberto à               
transformações, sendo constantemente     
afetada pela relação com as outras           
pessoas, objetos e espaços, aberta a           
novos entendimentos de mundo e de si.             
O método fenomenológico possibilita       
uma aproximação das singularidades e         
da relação afetiva da pessoa com o             
mundo, com os outros e consigo mesma,             
compreendendo seus modos de ser e           
suas vivências no mundo. 
Este trabalho se inicia com a           
descrição dos fundamentos teóricos,       
filosóficos e conceituais da psicoterapia         
fenomenológico existencial, com a       
pretensão de oferecer uma introdução         
sobre esta vertente de psicoterapia, que           
por ser pouco conhecida, acaba sendo           
erroneamente confundida com outras       
tendências como a Abordagem Centrada         
na Pessoa, de Carl Rogers, a           
Gestalt-Terapia, de Fritz Perls, ou a           
Psicoterapia Existencial Humanista, de       
Rollo May. 
Para a pesquisa foram utilizados         
alguns dos livros mais destacados         
publicados sobre existencialismo e       
fenomenologia, juntamente com artigos       
sobre os temas abordados. Essa         
necessidade de voltar aos fundamentos         
possui justamente o intuito de oferecer           
um breve entendimento introdutório       
sobre as bases para que se possa             
compreender melhor sua proposta       
psicoterapêutica na prática. 
1. Existencialismo 
 
O termo ‘existencialismo’ é       
resultante da soma da palavra ‘existência’           
com o sufixo ‘ismo’. Segundo Penha           
(2014, p.11), a palavra ‘existência’ é uma             
derivação do verbo existir, que se origina             
do latim ​existere​, cujo significado         
corresponde a “sair de uma casa, um             
domínio, um esconderijo. Mas       
precisamente: existência, na origem, é         
sinônimo de mostrar-se, exibir-se,       
movimento para fora”. 
O existencialismo enquanto     
vertente de filosofia possui influências de           
diversos filósofos, entre eles Sören         
Kierkegaard (1813-1855), Friedrich     
Nietzsche (1844-1900), Martin Heidegger       
(1889-1976), e outros que contrariam boa           
parte das bases da filosofia ocidental           
desde a Antiguidade até a Idade           
Moderna. Porém, foi por meio do filósofo             
francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) que         
esta filosofia se tornou popular. Sartre se             
assumiu enquanto existencialista e       
destacou o existencialismo como uma         
filosofia do engajamento e da ação,           
evidenciando a responsabilidade de cada         
pessoa por sua existência. 
Reynolds (2014) destaca entre os         
temas fundamentais tratados pelos       
existencialistas: a liberdade, a morte, a           
finitude, a experiência fenomenológica, a         
angústia, a náusea, o tédio, a           
autenticidade e a responsabilidade.       
Segundo ele, eventos como a Segunda           
Guerra Mundial e a ocupação alemã na             
França, possibilitaram um maior       
questionamento sobre questões como a         
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 24 
 
liberdade, a responsabilidade e a morte.           
Segundo Penha (2014), o existencialismo         
foi a corrente filosófica mais discutida           
entre as décadas de 1940 e 1950. 
No livro ‘O existencialismo é um           
humanismo’, Sartre cita sua célebre frase           
“a existência precede a essência” (2014,           
p.18), argumentando que este é o           
primeiro princípio do existencialismo,       
complementando que “o homem nada é           
além do que ele se faz” (2014, p.19).               
Segundo ele, não há nenhuma definição           
prévia sobre o ser humano com relação             
aos seus modos de ser, de se relacionar e                 
de se colocar no mundo. Cada pessoa se               
constrói na prática da vida concreta, na             
relação com outras pessoas e por meio             
das escolhas que faz. 
 
Que significa, aqui, que a existência           
precede a essência? Significa que o           
homem existe primeiro, se encontra,         
surge no mundo, e se define em seguida.               
Se o homem, na concepção do           
existencialismo, não é definível, é porque           
ele não é, inicialmente, nada. Ele apenas             
será alguma coisa posteriormente, e será           
aquilo que ele se tornar. Assim, não há               
natureza humana, pois não há um Deus             
para concebê-la. (SARTRE, 2014, p.19) 
 
O conceito essência, segundo a         
tradição filosófica, refere-se àquilo que         
seria previamente determinado, que       
caracterizaria algo ou um ser antes           
mesmo de sua existência concreta. Neste           
sentido, a existência seria resultante         
desta essência. A filosofia existencialista         
se contrapõe a esta vertente         
essencialista, entendendo a existência       
como resultante da própria existência         
concreta, e não de uma essência. 
Foulquié (1975) apresenta o       
existencialismo partindo de sua diferença         
para com o essencialismo. Para ele, até o               
século XIX o pensamento essencialista         
prevalecia, e a filosofia não questionava o             
primado da essência sobre a existência,           
ou seja, partiam do entendimento de que             
toda existência era fruto de uma essência             
previamente definida. 
Seja no mundo das ideias de           
Platão, como nas categorias em         
Aristóteles, ambos no século IV a.C., nas             
essências da escolástica, na segunda         
metade da Idade Média, e nas ideias             
inatas de René Descartes, no século XVII,             
todas estas filosofias priorizavam as         
essências em detrimento da existência. 
Uma tendência muito presente na         
filosofia ocidental, desde Aristóteles, que         
inclusive foi utilizada pela ciência         
moderna, é olhar para as coisas partindo             
das categorias que são estabelecidas         
sobre elas de acordo com suas           
semelhanças com relação a outras coisas,           
e que inclusive as discrimina por suas             
diferenças. Essa tendência de encarar as           
coisas partindo de suas categorias         
prévias, ao invés das experiências sobre           
as coisas, nos dificultou a captação das             
distintas particularidades sobre o que         
percebemos, ou seja, de suas distinções e             
singularidades. 
 
O existencialismo surge, pois, como uma           
teoria que afirma o primado ou a             
prioridade da existência. Mas em relação a             
que afirma este primado ou prioridade?           
Em relação à essência. (FOULQUIÉ, 1975,           
7p.) 
 
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 25 
 
Para a filosofia essencialista, a         
essência corresponderia a algo universal         
contendo todas as características de um           
ser, enquanto que a existência seria           
apenas uma disposição para transformar         
em ato tal essência, portanto uma mera             
efetivação das essências prévias. O         
existencialismo, pelo contrário, considera       
a existência como prioridade, ao invés da             
essência. Neste sentido, a existência não           
é uma efetivação de uma essência           
previamente definida, mas uma condição         
que constitui justamente os modos de ser             
e as características mais próprias de cada             
pessoa, na relação com as outras pessoas             
e com o mundo. 
 
Como indica a própria palavra, o           
existencialismo caracteriza-se sobretudo     
pela tendência de colocar o acento na             
existência. O existencialista     
desinteressa-se das essências, dos       
possíveis, das noções abstratas: situa-se         
nas antípodas do espírito matemático; seu           
interesse dirige-se ao que existe, ou           
melhor, à existência daquilo que existe.           
(FOULQUIÉ, 1975, 37p.) 
 
Segundo Foulquié (1975), o       
existencialismo também se coloca       
contrário ao racionalismo e ao         
positivismo, que priorizaram a razão e a             
objetividade, respectivamente, em     
detrimento da experiência. Contrariando       
essas teorias sobre a existência humana,           
a filosofia existencialista parte do         
entendimento de que é impossível fixar           
regras prévias para a existência e para os               
modos de ser de cada indivíduo,           
buscando olhar para as diferenças ao           
invés das teorias ou generalizações. 
No existencialismo, a existência é         
concebida como um privilégio do ser           
humano, não sendo algo pronto ou           
previamente determinado, tal como       
entendiam os filósofos essencialistas,       
mas como um constante vir-a-ser, em           
permanente transformação. Por não ser         
definida previamente, a existência       
humana é livre para fazer escolhas, pois             
para existir precisamos, necessariamente,       
escolher. Não escolhemos como e onde           
nascer, mas podemos escolher o que           
fazer diante das circunstâncias em que           
estamos inseridos. É por meio da relação             
que estabelecemos com os lugares, com           
os objetos e com as pessoas, juntamente             
com as escolhas que fazemos, que           
constituímos nosso modo de existir. 
 
(...) eu sou bonito ou feio, filho de               
proletário ou de ilustre ascendência, chove           
ou faz calor… diante destes fatos sou             
impotente. Mas sou senhor de minha           
atitude à respeito destas maneiras de ser,             
independentes de mim: posso       
orgulhar-me ou envergonhar-me delas,       
aceitá-las ou insurgir-me contra elas. Eu           
não as escolho, mas escolho a forma             
como as considero, ou, no dizer dos             
existencialistas, eu as assumo. (FOULQUIÉ,         
1975, 46p.) 
 
Essa liberdade de fazer escolhas,         
segundo o entendimento existencialista,       
não consiste em vivenciar momentos do           
modo como desejamos ou esperamos,         
mas escolher o que fazer diante das             
distintas situações e adversidades que         
atravessamos. 
Para a filosofia existencialista,       
todos somos livres para fazer escolhas e             
direcionar a nossa existência a todo           
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 26 
 
momento, de acordo com nossas         
condições e possibilidades. Porém, não         
temos nenhuma garantia sobre o que           
pode acontecer por conta de um caminho             
que escolhemos seguir, de modo que           
toda escolha é um risco, e isso nos gera                 
uma sensação de angústia. 
Por não termos uma essência que           
nos defina ou que nos constitua           
previamente, somos nós os únicos         
responsáveis pelas escolhas que fazemos.         
Isso nos torna responsáveis por nossa           
existência, pela pessoa que nos         
tornamos. A cada escolha que fazemos, a             
cada momento que escolhemos, estamos         
escolhendo a nós mesmos, a pessoa que             
estamos sendo. 
 
Mas se realmente a existência precede a             
essência o homem é responsável pelo que             
é. Assim, a primeira decorrência do           
existencialismo é colocar todo homem em           
posse daquilo que ele é, e fazer repousar               
sobre ele a responsabilidade total por sua             
existência. (SARTRE, 2014, 20p.) 
 
Toda pessoa pode, em certo         
sentido, e de acordo com suas condições             
e circunstâncias externas, escolher o que           
fazer de si mesma, a todo momento de               
sua existência. O que não é possível,             
segundo Sartre (2014), é não escolher. É             
neste sentido que ele declara que “o             
homem está condenado a ser livre”           
(Sartre, 2014, 24p.), ou seja, a liberdade             
não é uma opção, mas uma condição da               
existência humana. Enquanto condição       
implica em estarmos sempre escolhendo         
o que vamos fazer de nossa existência. 
Como não há uma essência prévia           
que determine nossa existência e nossos           
modos de viver, não há também nenhum             
sentido previamente estabelecido sobre       
como viver a vida. Essa constatação pode             
parecer angustiante, mas é também         
libertadora. Para o existencialismo, o         
sentido da vida pode ser acolhido,           
abraçado ou criado.  
 
Sem a orientação de regras universais de             
moralidade, da natureza humana ou de           
um Deus cognoscível, que emitiu certos           
mandamentos indiscutíveis (e várias       
teologias podem acordar com isso),         
devemos dotar o mundo de significado e             
somente nós podemos fazer isso.         
Devemos realizar este ato de fé: criar o               
significado em que buscamos viver.         
(REYNOLDS, 2014, 17p.) 
 
A escolha que cada um faz sobre             
sua existência é acompanhada, segundo         
Kierkegaard, pelo temor e por uma falta             
de tranquilidade, pois apesar de todas as             
nossas avaliações e deduções racionais         
sobre o que iremos escolher, nunca           
teremos certeza de que uma de nossas             
escolhas será como desejamos ou         
esperamos, ou mesmo que será melhor           
do que aquela que não escolhemos.           
Neste sentido, toda escolha que fizermos           
será sempre um risco, e cada escolha             
implica na negação das outras         
possibilidades de escolha. 
Tanto em Kierkegaard quanto em         
Sartre, a angústia consiste numa espécie           
de medo de si, do que pode ser feito                 
diante de uma escolha, e da dificuldade             
de se escolher, ao perceber-se o único             
responsável por sua escolha, portanto         
também responsável por sua existência. 
 
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 27 
 
2. Fenomenologia 
 
O termo ‘fenomenologia’ foi       
utilizado por diversos autores, com         
intenções distintas. Etimologicamente     
significa o estudo ou a ciência dos             
fenômenos, sendo os fenômenos aquilo         
que aparece. 
Do modo como hoje entendemos,         
essa temática começa a aparecer entre o             
final do século XIX e início do século XX,                 
com o filósofo e matemático alemão           
Edmund Husserl (1859-1938), sendo       
continuada e transformada por filósofos         
como Martin Heidegger (1889-1976),       
Jean-Paul Sartre (1905-1980), Maurice       
Merleau-Ponty (1908-1961), entre outros. 
Apesar de autores anteriores a         
Husserl terem utilizado este termo, como           
Hegel (1770-1831) ou Kant (1724-1804), é           
com Husserl que a fenomenologia segue           
um novo caminho, que irá influenciar a             
filosofia, a psicologia e o modo de se               
fazer ciências humanas no século XX em             
diante, entendendo que “o sentido do ser             
e o do fenômeno não podem ser             
dissociados” (Dartigues, 2008, 11p.). 
Partindo de um questionamento       
sobre a ciência positivista e a filosofia             
idealista, criticando o uso do método das             
ciências naturais na psicologia e nas           
ciências humanas, a fenomenologia       
aparece como um contraponto e uma           
nova perspectiva de se fazer ciência,           
contrariando o entendimento objetivista       
e as teorizações metafísicas, propondo         
encarar as coisas tal como aparecem,           
retornando ao mundo da vida. 
 
Entre o discurso especulativo da         
Metafísica e o raciocínio das ciências           
positivas deve, pois, existir uma terceira           
via, aquela que antes de todo raciocínio,             
nos colocaria no mesmo plano da           
realidade ou, como diz Husserl, das “coisas             
mesmas”. (DARTIGUES, 2008, 18p.) 
  
A fenomenologia é uma atitude         
que busca encarar o fenômeno do modo             
como este se mostra por si mesmo,             
libertado de seus encobrimentos,       
teorizações e interpretações. Trata-se de         
um método que busca descrever os           
fenômenos do modo como são         
percebidos e experimentados, ao invés         
de estabelecer teorias ou categorias         
sobre o que se mostra. 
Se apresenta, portanto, como um         
método de acesso à experiência, que não             
pretende encontrar razões metafísicas ou         
descrever as coisas de maneira objetiva,           
mas se aproximar do modo como           
sentimos e apreendemos o mundo. Para           
Cerbone (2012, 20p.), a fenomenologia         
“está precisamente ocupada com os         
modos pelos quais as coisas aparecem ou             
se manifestam para nós, com a forma e               
estrutura da manifestação”. Trata-se,       
portanto, de uma busca da compreensão           
das coisas como são captadas, do modo             
como são captadas. 
 
A fenomenologia tem por objeto as coisas             
que se manifestam ou se mostram, tais             
como se manifestam os fenômenos; neste           
sentido, as coisas constituem aquilo que é             
rigorosamente dado, aquilo que eu         
encontro e que é, para mim, originalmente             
presente. (...) É a filosofia do           
inacabamento, do devir, do movimento         
constante, onde o vivido aparece e é             
sempre ponto de partida para se chegar a               
algo. (LIMA, 2014, 12-13p.) 
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 28 
 
O método fenomenológico é um         
esforço para ir de encontro com as             
experiências sem estar permeado pelas         
especulações teóricas ou pressuposições       
sobre elas. Por conta disso, não parte da               
generalização teórica nem da abstração,         
mas busca reconhecer e valorizar as           
singularidades daquilo que é percebido,         
observando a existência partindo de sua           
manifestação singular. 
Esta atitude é utilizada em         
distintas abordagens de psicologia que         
possuem como foco a subjetividade e as             
emoções, como a Psicoterapia Existencial,         
a Abordagem Centrada na Pessoa, a           
Gestalt-Terapia, entre outras. Ao       
contrário das abordagens objetivas e         
interpretativas, busca-se aproximar da       
pessoa atendida do modo como ela           
experimenta suas vivências. 
 
Trata-se, na verdade, de um “retorno”, um             
caminho de volta, em que o “fim” nada               
mais é do que o começo: “de volta às                 
coisas mesmas”, para citar a tão famosa             
expressão husserliana. A fenomenologia é,         
portanto, o caminho de volta às coisas             
mesmas, ao mundo da experiência vivida           
ou Lebenswelt (mundo-da-vida).     
(STRUCHINER, 2007, 242p.) 
  
Uma das críticas da fenomenologia         
está relacionada ao uso dos métodos das             
ciências naturais para os estudos das           
ciências humanas. A fenomenologia       
constata que quando olhamos para um           
objeto qualquer, como uma pintura, o           
que vemos não são as moléculas e ondas               
de luz que atingem a nossa retina, tal               
como entende a ciência positivista. Nós           
estabelecemos uma relação com este         
objeto, uma consciência intencional, de         
modo que nos abrimos para a percepção             
deste e o experimentamos como belo ou             
feio, interessante ou desinteressante,       
alegre ou triste, expressivo ou morno,           
entre tantas outras possíveis experiências         
que emergem dessa relação. Ou seja,           
nossa captação de mundo não se trata de               
uma mera relação objetiva, mas também           
afetiva e valorativa. 
Esta percepção é intencional, pois         
resulta da relação entre a nossa           
consciência, do modo como se direciona           
para um objeto, e o objeto, do modo               
como se apresenta a nossa consciência.           
Porém, nunca captamos um objeto em           
sua totalidade, o observamos sempre         
partindo de um ângulo, de modo que há               
muitos ângulos e variações possíveis, que           
podem alterar a nossa percepção das           
coisas e do mundo. 
 
A consciência é sempre intencional, está           
constantemente voltada para um objeto,         
enquanto este é sempre objeto para uma             
consciência; há entre ambos uma         
correlação essencial, que só se dá na             
intuição originária da vivência. A         
intencionalidade é, essencialmente, o ato         
de atribuir um sentido; ela é que unifica a                 
consciência e o objeto, o sujeito e o               
mundo. Com a intencionalidade há o           
reconhecimento de que o mundo não é             
pura exterioridade e o sujeito não é pura               
interioridade, mas a saída de si para um               
mundo que tem uma significação para ele.             
(FORGHIERI, 2019, 15p.) 
  
O filósofo e psicólogo alemão         
Franz Brentano (1838-1917) influenciou a         
fenomenologia de Edmund Husserl,       
especialmente com o seu entendimento         
sobre a intencionalidade da consciência.         
De acordo com Brentano, “todos os           
nov.2020 | ​ex-isto.com  
revista ex-isto no. 1 | p. 29 
 
processos psíquicos seriam marcados       
pela intencionalidade, ou seja, estariam         
sempre dirigidos para um objeto” (Penna,           
2001, 18p.). A experiência que tenho com             
algo é apenas uma aparição possível           
deste algo. 
O interesse da fenomenologia não         
é sobre a consciência ou sobre o objeto,               
mas sobre a correlação entre ambos, que             
surge da relação entre a consciência e o               
objeto, deixando de lado qualquer         
intenção de formular hipóteses ou         
estabelecer inferências sobre o que é           
percebido, de modo a permitir que o que               
é percebido se mostre em seu modo de               
aparecer. 
 
(...) os filósofos tradicionais costumavam         
começar por teorias ou axiomas abstratos,           
mas os fenomenólogos alemães iam         
direto à vida como a viviam a cada               
momento. Deixavam de lado quase tudo o             
que vinha alimentando a filosofia desde           
Platão: enigmas sobre a realidade das           
coisas ou sobre a possibilidade de           
conhecermos com certeza alguma coisa         
sobre elas. Esses fenomenólogos alemães,         
em vez disso, ressaltavam que qualquer           
filósofo que faça tais perguntas já está             
inserido num mundo cheio de coisas —             
ou, pelo menos, cheio de aparências de             
coisas ou “fenômenos” (da palavra grega           
que significa “coisas que aparecem”).         
Então por que não se concentrar nesse             
encontro com os fenômenos e ignorar o             
resto? Não é necessário abandonar para           
sempre os velhos enigmas, mas eles           
podem ser postos entre parênteses, por           
assim dizer, para que os filósofos possam             
lidar com assuntos mais terrenos.         
(BAKEWELL, 2017, 10p.) 
  
Para proceder com o método         
fenomenológico, é preciso praticar a         
redução, ou a ​'epoché'​, termo grego que             
significa abstenção ou suspensão do         
juízo, de modo que colocamos todas as             
nossas suposições, hipóteses ou       
imaginações entre parênteses. Isso não         
significa eliminar as pressuposições, mas         
deixá-las de lado, para se abrir ao que se                 
apresenta. 
A redução fenomenológica     
consiste em focar a atenção não nas             
coisas, mas na experiência que         
estabelecemos com as coisas, se         
aproximando dos fenômenos tal como se           
apresentam à consciência, despindo-se       
de abstrações, ideias feitas, teorias e           
hábitos. Neste sentido, fenômeno é tudo           
aquilo que se apresenta à consciência,           
seja este um objeto, uma situação, uma             
imagem ou uma lembrança, real ou           
imaginada. 
 
O que é, então, uma xícara de café? Posso                 
definir a bebida em termos da química e               
da botânica da planta, acrescentar         
resumidamente como os grãos são         
cultivados e exportados, como são         
moídos, como a água quente passa pelo             
pó e então esse líquido é vertido num               
recipiente de determinado formato, para         
ser apresentado a um integrante da           
espécie humana que o ingere oralmente.           
Posso analisar o efeito da cafeína no corpo               
ou abordar o comércio internacional do           
café. Posso encher uma enciclopédia com           
esses fatos e ainda assim estarei longe de               
dizer o que é esta xícara de café em                 
particular, à minha frente. Por outro lado,             
se procedo ao inverso e invoco um leque               
de associações puramente pessoais e         
sentimentais. (...) essa xícara de café é um               
aroma rico, ao mesmo tempo agreste e             
perfumado; é o movimento indolente de           
uma voluta de vapor erguendo-se de sua             
superfície. Quando o levo à boca, é um               
líquido que se move placidamente e um             
peso dentro da xícara de bordas grossas             
nov.2020 | ​ex-isto.com  
Revista ex-isto - no. 1
Revista ex-isto - no. 1
Revista ex-isto - no. 1
Revista ex-isto - no. 1
Revista ex-isto - no. 1

Weitere ähnliche Inhalte

Was ist angesagt?

Merleau Ponty (para Os Universais)
Merleau Ponty (para Os Universais)Merleau Ponty (para Os Universais)
Merleau Ponty (para Os Universais)Adriano Cunha
 
Psicologia, uma (nova) introdução
Psicologia, uma (nova) introduçãoPsicologia, uma (nova) introdução
Psicologia, uma (nova) introduçãoBruno Carrasco
 
Fenomenologia de Husserl
Fenomenologia de HusserlFenomenologia de Husserl
Fenomenologia de Husserlprofadnilson
 
Psicoterapia fenomenologica existencial
Psicoterapia fenomenologica existencialPsicoterapia fenomenologica existencial
Psicoterapia fenomenologica existencialÉrika Renata
 
Psicoterapia Fenomenológico Existencial
Psicoterapia Fenomenológico ExistencialPsicoterapia Fenomenológico Existencial
Psicoterapia Fenomenológico ExistencialBruno Carrasco
 
Psicologia Fenomenológico-Existencial
Psicologia Fenomenológico-ExistencialPsicologia Fenomenológico-Existencial
Psicologia Fenomenológico-ExistencialSara Campagnaro
 
Fenomenologia e existencialimo
Fenomenologia e existencialimoFenomenologia e existencialimo
Fenomenologia e existencialimoSilvia Cintra
 
O conceito de subjetividade nas teorias sócio-históricas
O conceito de subjetividade nas teorias sócio-históricasO conceito de subjetividade nas teorias sócio-históricas
O conceito de subjetividade nas teorias sócio-históricasJuliana Soares
 
A Ciência, o ideal científico e a razão instrumental
A Ciência, o ideal científico e a razão instrumentalA Ciência, o ideal científico e a razão instrumental
A Ciência, o ideal científico e a razão instrumentalFelipe Saraiva Nunes de Pinho
 
Teoria do Conhecimento II - João Luís
Teoria do Conhecimento II - João LuísTeoria do Conhecimento II - João Luís
Teoria do Conhecimento II - João LuísTurma Olímpica
 

Was ist angesagt? (20)

Lebensphilosophy
LebensphilosophyLebensphilosophy
Lebensphilosophy
 
Fenomenologia
FenomenologiaFenomenologia
Fenomenologia
 
Amodernidade
AmodernidadeAmodernidade
Amodernidade
 
Gnosiologia
GnosiologiaGnosiologia
Gnosiologia
 
Fenomenologia
FenomenologiaFenomenologia
Fenomenologia
 
Hegel.resumo (1)
Hegel.resumo (1)Hegel.resumo (1)
Hegel.resumo (1)
 
Introdução à fenomenologia prof. felipe pinho
Introdução à fenomenologia prof. felipe pinhoIntrodução à fenomenologia prof. felipe pinho
Introdução à fenomenologia prof. felipe pinho
 
Merleau Ponty (para Os Universais)
Merleau Ponty (para Os Universais)Merleau Ponty (para Os Universais)
Merleau Ponty (para Os Universais)
 
Psicologia, uma (nova) introdução
Psicologia, uma (nova) introduçãoPsicologia, uma (nova) introdução
Psicologia, uma (nova) introdução
 
A ideia-de-fenomenologia
A ideia-de-fenomenologiaA ideia-de-fenomenologia
A ideia-de-fenomenologia
 
Fenomenologia de Husserl
Fenomenologia de HusserlFenomenologia de Husserl
Fenomenologia de Husserl
 
Psicoterapia fenomenologica existencial
Psicoterapia fenomenologica existencialPsicoterapia fenomenologica existencial
Psicoterapia fenomenologica existencial
 
Gnosiologia
GnosiologiaGnosiologia
Gnosiologia
 
Psicoterapia Fenomenológico Existencial
Psicoterapia Fenomenológico ExistencialPsicoterapia Fenomenológico Existencial
Psicoterapia Fenomenológico Existencial
 
Psicologia Fenomenológico-Existencial
Psicologia Fenomenológico-ExistencialPsicologia Fenomenológico-Existencial
Psicologia Fenomenológico-Existencial
 
Fenomenologia e existencialimo
Fenomenologia e existencialimoFenomenologia e existencialimo
Fenomenologia e existencialimo
 
O conceito de subjetividade nas teorias sócio-históricas
O conceito de subjetividade nas teorias sócio-históricasO conceito de subjetividade nas teorias sócio-históricas
O conceito de subjetividade nas teorias sócio-históricas
 
Filosofia 9ºano Fenomenologia de Husserl
Filosofia 9ºano  Fenomenologia de HusserlFilosofia 9ºano  Fenomenologia de Husserl
Filosofia 9ºano Fenomenologia de Husserl
 
A Ciência, o ideal científico e a razão instrumental
A Ciência, o ideal científico e a razão instrumentalA Ciência, o ideal científico e a razão instrumental
A Ciência, o ideal científico e a razão instrumental
 
Teoria do Conhecimento II - João Luís
Teoria do Conhecimento II - João LuísTeoria do Conhecimento II - João Luís
Teoria do Conhecimento II - João Luís
 

Ähnlich wie Revista ex-isto - no. 1

Teoria do conhecimento
Teoria do conhecimentoTeoria do conhecimento
Teoria do conhecimentoLinda Lopes
 
Psicologia contemporanea articulacoes-teoricopraticas_slides_dilema_cap_i_e_ii
Psicologia contemporanea articulacoes-teoricopraticas_slides_dilema_cap_i_e_iiPsicologia contemporanea articulacoes-teoricopraticas_slides_dilema_cap_i_e_ii
Psicologia contemporanea articulacoes-teoricopraticas_slides_dilema_cap_i_e_iiLucas Coutinho
 
Asp 2015 cfo i - filosofia - trabalho - 20140606 - filosofia pós-moderna
Asp 2015   cfo i - filosofia - trabalho - 20140606 - filosofia pós-modernaAsp 2015   cfo i - filosofia - trabalho - 20140606 - filosofia pós-moderna
Asp 2015 cfo i - filosofia - trabalho - 20140606 - filosofia pós-modernaVagner Gavioli
 
Aula 1 conceitos e concep ã§ãµes de ciãªncia
Aula 1 conceitos e concep ã§ãµes de ciãªnciaAula 1 conceitos e concep ã§ãµes de ciãªncia
Aula 1 conceitos e concep ã§ãµes de ciãªnciaRoberto Mubarac
 
Teoria do conhecimento
Teoria do conhecimentoTeoria do conhecimento
Teoria do conhecimentoEstude Mais
 
AULA R.FRANKLIN - Profª Lina - 2010
AULA R.FRANKLIN - Profª Lina - 2010AULA R.FRANKLIN - Profª Lina - 2010
AULA R.FRANKLIN - Profª Lina - 2010Lina Sue
 
Racionalismo x Empirismo - Filosofia
Racionalismo x Empirismo - FilosofiaRacionalismo x Empirismo - Filosofia
Racionalismo x Empirismo - FilosofiaCarson Souza
 
SUBJETIVIDADE FILOSOFIA PSICOLOGIA
SUBJETIVIDADE FILOSOFIA PSICOLOGIASUBJETIVIDADE FILOSOFIA PSICOLOGIA
SUBJETIVIDADE FILOSOFIA PSICOLOGIAUFC
 
Palestra sesc a emergência do conceito ... 160611
Palestra sesc a emergência do conceito ... 160611Palestra sesc a emergência do conceito ... 160611
Palestra sesc a emergência do conceito ... 160611UFC
 
Filosofia 2º bimestre -1ª série - o conhecimento
Filosofia   2º bimestre -1ª série - o conhecimentoFilosofia   2º bimestre -1ª série - o conhecimento
Filosofia 2º bimestre -1ª série - o conhecimentomtolentino1507
 
Areflexofilosfica 120219080955-phpapp01 (2)
Areflexofilosfica 120219080955-phpapp01 (2)Areflexofilosfica 120219080955-phpapp01 (2)
Areflexofilosfica 120219080955-phpapp01 (2)Josivaldo Corrêa Silva
 
Areflexofilosfica 120219080955-phpapp01 (2)
Areflexofilosfica 120219080955-phpapp01 (2)Areflexofilosfica 120219080955-phpapp01 (2)
Areflexofilosfica 120219080955-phpapp01 (2)Josivaldo Corrêa Silva
 
Essencialismo e anti essencialismo e pragmatismo
Essencialismo e anti essencialismo e pragmatismoEssencialismo e anti essencialismo e pragmatismo
Essencialismo e anti essencialismo e pragmatismohilton leal
 
Nietzsche 1 (livro filosofando)
Nietzsche 1 (livro filosofando)Nietzsche 1 (livro filosofando)
Nietzsche 1 (livro filosofando)Kwawa
 

Ähnlich wie Revista ex-isto - no. 1 (20)

Teoria do conhecimento
Teoria do conhecimentoTeoria do conhecimento
Teoria do conhecimento
 
Psicologia contemporanea articulacoes-teoricopraticas_slides_dilema_cap_i_e_ii
Psicologia contemporanea articulacoes-teoricopraticas_slides_dilema_cap_i_e_iiPsicologia contemporanea articulacoes-teoricopraticas_slides_dilema_cap_i_e_ii
Psicologia contemporanea articulacoes-teoricopraticas_slides_dilema_cap_i_e_ii
 
Filosofia séc xx
Filosofia séc xxFilosofia séc xx
Filosofia séc xx
 
Johannes Hessen 06-06.pptx
Johannes Hessen  06-06.pptxJohannes Hessen  06-06.pptx
Johannes Hessen 06-06.pptx
 
Asp 2015 cfo i - filosofia - trabalho - 20140606 - filosofia pós-moderna
Asp 2015   cfo i - filosofia - trabalho - 20140606 - filosofia pós-modernaAsp 2015   cfo i - filosofia - trabalho - 20140606 - filosofia pós-moderna
Asp 2015 cfo i - filosofia - trabalho - 20140606 - filosofia pós-moderna
 
Aula 1 conceitos e concep ã§ãµes de ciãªncia
Aula 1 conceitos e concep ã§ãµes de ciãªnciaAula 1 conceitos e concep ã§ãµes de ciãªncia
Aula 1 conceitos e concep ã§ãµes de ciãªncia
 
Slide filosofia
Slide filosofiaSlide filosofia
Slide filosofia
 
Teoria do conhecimento
Teoria do conhecimentoTeoria do conhecimento
Teoria do conhecimento
 
Apriorismo Lazaro.docx
Apriorismo Lazaro.docxApriorismo Lazaro.docx
Apriorismo Lazaro.docx
 
AULA R.FRANKLIN - Profª Lina - 2010
AULA R.FRANKLIN - Profª Lina - 2010AULA R.FRANKLIN - Profª Lina - 2010
AULA R.FRANKLIN - Profª Lina - 2010
 
Tópicos capítulo 6
Tópicos capítulo 6  Tópicos capítulo 6
Tópicos capítulo 6
 
Racionalismo x Empirismo - Filosofia
Racionalismo x Empirismo - FilosofiaRacionalismo x Empirismo - Filosofia
Racionalismo x Empirismo - Filosofia
 
SUBJETIVIDADE FILOSOFIA PSICOLOGIA
SUBJETIVIDADE FILOSOFIA PSICOLOGIASUBJETIVIDADE FILOSOFIA PSICOLOGIA
SUBJETIVIDADE FILOSOFIA PSICOLOGIA
 
Palestra sesc a emergência do conceito ... 160611
Palestra sesc a emergência do conceito ... 160611Palestra sesc a emergência do conceito ... 160611
Palestra sesc a emergência do conceito ... 160611
 
Filosofia 2º bimestre -1ª série - o conhecimento
Filosofia   2º bimestre -1ª série - o conhecimentoFilosofia   2º bimestre -1ª série - o conhecimento
Filosofia 2º bimestre -1ª série - o conhecimento
 
Areflexofilosfica 120219080955-phpapp01 (2)
Areflexofilosfica 120219080955-phpapp01 (2)Areflexofilosfica 120219080955-phpapp01 (2)
Areflexofilosfica 120219080955-phpapp01 (2)
 
Areflexofilosfica 120219080955-phpapp01 (2)
Areflexofilosfica 120219080955-phpapp01 (2)Areflexofilosfica 120219080955-phpapp01 (2)
Areflexofilosfica 120219080955-phpapp01 (2)
 
A reflexão filosófica
A reflexão filosóficaA reflexão filosófica
A reflexão filosófica
 
Essencialismo e anti essencialismo e pragmatismo
Essencialismo e anti essencialismo e pragmatismoEssencialismo e anti essencialismo e pragmatismo
Essencialismo e anti essencialismo e pragmatismo
 
Nietzsche 1 (livro filosofando)
Nietzsche 1 (livro filosofando)Nietzsche 1 (livro filosofando)
Nietzsche 1 (livro filosofando)
 

Mehr von Bruno Carrasco

Fundamentos da Psicoterapia Fenomenológico Existencial - Bruno Carrasco
Fundamentos da Psicoterapia Fenomenológico Existencial - Bruno CarrascoFundamentos da Psicoterapia Fenomenológico Existencial - Bruno Carrasco
Fundamentos da Psicoterapia Fenomenológico Existencial - Bruno CarrascoBruno Carrasco
 
O uso do conceito de cultura como exercício de poder - Bruno Carrasco
O uso do conceito de cultura como exercício de poder - Bruno CarrascoO uso do conceito de cultura como exercício de poder - Bruno Carrasco
O uso do conceito de cultura como exercício de poder - Bruno CarrascoBruno Carrasco
 
Alienação na Escola - Bruno Carrasco
Alienação na Escola - Bruno CarrascoAlienação na Escola - Bruno Carrasco
Alienação na Escola - Bruno CarrascoBruno Carrasco
 
Nietzsche - alguns conceitos
Nietzsche - alguns conceitosNietzsche - alguns conceitos
Nietzsche - alguns conceitosBruno Carrasco
 
Sartre - principais conceitos
Sartre - principais conceitosSartre - principais conceitos
Sartre - principais conceitosBruno Carrasco
 
Filosofias no Helenismo
Filosofias no HelenismoFilosofias no Helenismo
Filosofias no HelenismoBruno Carrasco
 
Sócrates, Platão e Aristóteles
Sócrates, Platão e AristótelesSócrates, Platão e Aristóteles
Sócrates, Platão e AristótelesBruno Carrasco
 
Pré-Socráticos - Os Primeiros Filósofos
Pré-Socráticos - Os Primeiros FilósofosPré-Socráticos - Os Primeiros Filósofos
Pré-Socráticos - Os Primeiros FilósofosBruno Carrasco
 
Foucault e a História da Loucura
Foucault e a História da LoucuraFoucault e a História da Loucura
Foucault e a História da LoucuraBruno Carrasco
 
Heráclito - o filósofo do devir
Heráclito - o filósofo do devirHeráclito - o filósofo do devir
Heráclito - o filósofo do devirBruno Carrasco
 
Adolescência e desafios
Adolescência e desafiosAdolescência e desafios
Adolescência e desafiosBruno Carrasco
 
Foucault - o poder e o sujeito
Foucault - o poder e o sujeitoFoucault - o poder e o sujeito
Foucault - o poder e o sujeitoBruno Carrasco
 
Sugestões para o estudo da psicologia
Sugestões para o estudo da psicologiaSugestões para o estudo da psicologia
Sugestões para o estudo da psicologiaBruno Carrasco
 
Arteterapia, uma breve introdução
Arteterapia, uma breve introduçãoArteterapia, uma breve introdução
Arteterapia, uma breve introduçãoBruno Carrasco
 
Sartre e o existencialismo
Sartre e o existencialismoSartre e o existencialismo
Sartre e o existencialismoBruno Carrasco
 
Gabriel Marcel e o existencialismo
Gabriel Marcel e o existencialismoGabriel Marcel e o existencialismo
Gabriel Marcel e o existencialismoBruno Carrasco
 
Nietzsche e o existencialismo
Nietzsche e o existencialismoNietzsche e o existencialismo
Nietzsche e o existencialismoBruno Carrasco
 
Kierkegaard e o existencialismo
Kierkegaard e o existencialismoKierkegaard e o existencialismo
Kierkegaard e o existencialismoBruno Carrasco
 
Pedagogia da Autonomia - Paulo Freire
Pedagogia da Autonomia - Paulo FreirePedagogia da Autonomia - Paulo Freire
Pedagogia da Autonomia - Paulo FreireBruno Carrasco
 

Mehr von Bruno Carrasco (20)

Fundamentos da Psicoterapia Fenomenológico Existencial - Bruno Carrasco
Fundamentos da Psicoterapia Fenomenológico Existencial - Bruno CarrascoFundamentos da Psicoterapia Fenomenológico Existencial - Bruno Carrasco
Fundamentos da Psicoterapia Fenomenológico Existencial - Bruno Carrasco
 
O uso do conceito de cultura como exercício de poder - Bruno Carrasco
O uso do conceito de cultura como exercício de poder - Bruno CarrascoO uso do conceito de cultura como exercício de poder - Bruno Carrasco
O uso do conceito de cultura como exercício de poder - Bruno Carrasco
 
Alienação na Escola - Bruno Carrasco
Alienação na Escola - Bruno CarrascoAlienação na Escola - Bruno Carrasco
Alienação na Escola - Bruno Carrasco
 
Nietzsche - alguns conceitos
Nietzsche - alguns conceitosNietzsche - alguns conceitos
Nietzsche - alguns conceitos
 
Sartre - principais conceitos
Sartre - principais conceitosSartre - principais conceitos
Sartre - principais conceitos
 
Filosofias no Helenismo
Filosofias no HelenismoFilosofias no Helenismo
Filosofias no Helenismo
 
Sócrates, Platão e Aristóteles
Sócrates, Platão e AristótelesSócrates, Platão e Aristóteles
Sócrates, Platão e Aristóteles
 
Filósofos Sofistas
Filósofos SofistasFilósofos Sofistas
Filósofos Sofistas
 
Pré-Socráticos - Os Primeiros Filósofos
Pré-Socráticos - Os Primeiros FilósofosPré-Socráticos - Os Primeiros Filósofos
Pré-Socráticos - Os Primeiros Filósofos
 
Foucault e a História da Loucura
Foucault e a História da LoucuraFoucault e a História da Loucura
Foucault e a História da Loucura
 
Heráclito - o filósofo do devir
Heráclito - o filósofo do devirHeráclito - o filósofo do devir
Heráclito - o filósofo do devir
 
Adolescência e desafios
Adolescência e desafiosAdolescência e desafios
Adolescência e desafios
 
Foucault - o poder e o sujeito
Foucault - o poder e o sujeitoFoucault - o poder e o sujeito
Foucault - o poder e o sujeito
 
Sugestões para o estudo da psicologia
Sugestões para o estudo da psicologiaSugestões para o estudo da psicologia
Sugestões para o estudo da psicologia
 
Arteterapia, uma breve introdução
Arteterapia, uma breve introduçãoArteterapia, uma breve introdução
Arteterapia, uma breve introdução
 
Sartre e o existencialismo
Sartre e o existencialismoSartre e o existencialismo
Sartre e o existencialismo
 
Gabriel Marcel e o existencialismo
Gabriel Marcel e o existencialismoGabriel Marcel e o existencialismo
Gabriel Marcel e o existencialismo
 
Nietzsche e o existencialismo
Nietzsche e o existencialismoNietzsche e o existencialismo
Nietzsche e o existencialismo
 
Kierkegaard e o existencialismo
Kierkegaard e o existencialismoKierkegaard e o existencialismo
Kierkegaard e o existencialismo
 
Pedagogia da Autonomia - Paulo Freire
Pedagogia da Autonomia - Paulo FreirePedagogia da Autonomia - Paulo Freire
Pedagogia da Autonomia - Paulo Freire
 

Kürzlich hochgeladen

Época Realista y la obra de Madame Bovary.
Época Realista y la obra de Madame Bovary.Época Realista y la obra de Madame Bovary.
Época Realista y la obra de Madame Bovary.keislayyovera123
 
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdfUFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdfManuais Formação
 
Bullying - Atividade com caça- palavras
Bullying   - Atividade com  caça- palavrasBullying   - Atividade com  caça- palavras
Bullying - Atividade com caça- palavrasMary Alvarenga
 
Bullying - Texto e cruzadinha
Bullying        -     Texto e cruzadinhaBullying        -     Texto e cruzadinha
Bullying - Texto e cruzadinhaMary Alvarenga
 
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumGÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumAugusto Costa
 
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptxSlides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdfWilliam J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdfAdrianaCunha84
 
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdfSimulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdfEditoraEnovus
 
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptxATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptxOsnilReis1
 
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptxSlides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Música Meu Abrigo - Texto e atividade
Música   Meu   Abrigo  -   Texto e atividadeMúsica   Meu   Abrigo  -   Texto e atividade
Música Meu Abrigo - Texto e atividadeMary Alvarenga
 
Slides Lição 4, Betel, Ordenança quanto à contribuição financeira, 2Tr24.pptx
Slides Lição 4, Betel, Ordenança quanto à contribuição financeira, 2Tr24.pptxSlides Lição 4, Betel, Ordenança quanto à contribuição financeira, 2Tr24.pptx
Slides Lição 4, Betel, Ordenança quanto à contribuição financeira, 2Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Simulado 2 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 2 Etapa  - 2024 Proximo Passo.pdfSimulado 2 Etapa  - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 2 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdfEditoraEnovus
 
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024Jeanoliveira597523
 
A Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das MãesA Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das MãesMary Alvarenga
 
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasCenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasRosalina Simão Nunes
 
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃOLEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃOColégio Santa Teresinha
 
Recurso Casa das Ciências: Sistemas de Partículas
Recurso Casa das Ciências: Sistemas de PartículasRecurso Casa das Ciências: Sistemas de Partículas
Recurso Casa das Ciências: Sistemas de PartículasCasa Ciências
 

Kürzlich hochgeladen (20)

Época Realista y la obra de Madame Bovary.
Época Realista y la obra de Madame Bovary.Época Realista y la obra de Madame Bovary.
Época Realista y la obra de Madame Bovary.
 
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULACINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
CINEMATICA DE LOS MATERIALES Y PARTICULA
 
Bullying, sai pra lá
Bullying,  sai pra láBullying,  sai pra lá
Bullying, sai pra lá
 
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdfUFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
UFCD_10392_Intervenção em populações de risco_índice .pdf
 
Bullying - Atividade com caça- palavras
Bullying   - Atividade com  caça- palavrasBullying   - Atividade com  caça- palavras
Bullying - Atividade com caça- palavras
 
Bullying - Texto e cruzadinha
Bullying        -     Texto e cruzadinhaBullying        -     Texto e cruzadinha
Bullying - Texto e cruzadinha
 
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - CartumGÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
GÊNERO TEXTUAL - TIRINHAS - Charges - Cartum
 
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptxSlides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
Slides Lição 03, Central Gospel, O Arrebatamento, 1Tr24.pptx
 
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdfWilliam J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
 
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdfSimulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
 
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptxATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
 
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptxSlides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
 
Música Meu Abrigo - Texto e atividade
Música   Meu   Abrigo  -   Texto e atividadeMúsica   Meu   Abrigo  -   Texto e atividade
Música Meu Abrigo - Texto e atividade
 
Slides Lição 4, Betel, Ordenança quanto à contribuição financeira, 2Tr24.pptx
Slides Lição 4, Betel, Ordenança quanto à contribuição financeira, 2Tr24.pptxSlides Lição 4, Betel, Ordenança quanto à contribuição financeira, 2Tr24.pptx
Slides Lição 4, Betel, Ordenança quanto à contribuição financeira, 2Tr24.pptx
 
Simulado 2 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 2 Etapa  - 2024 Proximo Passo.pdfSimulado 2 Etapa  - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 2 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
 
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
 
A Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das MãesA Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
A Arte de Escrever Poemas - Dia das Mães
 
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasCenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
 
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃOLEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
 
Recurso Casa das Ciências: Sistemas de Partículas
Recurso Casa das Ciências: Sistemas de PartículasRecurso Casa das Ciências: Sistemas de Partículas
Recurso Casa das Ciências: Sistemas de Partículas
 

Revista ex-isto - no. 1

  • 1.  
  • 2. revista ex-isto no. 1 | p. 1    Revista ex-isto  Há pouco mais de dois anos surgiu a ideia  de criar uma revista sobre existencialismo,  fenomenologia, filosofia e psicologia,  relacionando com a história, as artes e a  vida. Contudo, para colocá-la em prática,  foi preciso tempo e amadurecimento dessa  proposta, assim como somar interessados  em difundir tais temáticas. Enfim, aqui  estamos com o primeiro número da  revista ex-isto​ em formato digital.    Bruno Carrasco, novembro de 2020.    Conteúdo  Não há fatos, apenas interpretações​ | p. 2 O dia em que procurei um terapeuta existencial | p. 5 Existencialismo: doutrina de ação​ | p. 7 Essência, existência, gênero​ | p. 11 Um “demônio” trágico​ | p. 15 A era da estupidez, George Christian​ | p. 17 Cotidiano, Guto Nunes​ | p. 18 Livro: O ser e o nada​ | p. 19 Filme: A primeira noite de tranquilidade​ | p. 20 O que é o esperanto?​ | p. 21 Fundamentos da psicoterapia fenomenológico existencial​ | p. 22 O que é 'ex-isto'?​ | p. 34   _____________________________________________  Imagem da capa​: Lago antes do nascer do sol,  Ferdinand Hodler, 1918.          _________________________________________________     Carrasco, Bruno Barbedo, 1982-,  Revista ex-isto: existencialismo, filosofia,        psicologia e artes / Bruno Carrasco (organizador). no.                1. Pouso Alegre, MG: ex-isto, 2020.  _________________________________________________      Este trabalho está licenciado com uma Licença  Creative Commons - Atribuição-NãoComercial  4.0 Internacional​.  nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 3. revista ex-isto no. 1 | p. 2    Filosofia  Não há fatos, apenas interpretações    O que Nietzsche quis dizer com            "Não há fatos, apenas interpretações"?          Muitos são aqueles que criticam essa            sentença, defendendo os fatos como          inquestionáveis, criticando e classificando        esta ideia como absurda e sem sentido,              enquanto outros a enaltecem enquanto          característica da filosofia pós-moderna.      (Friedrich Nietzsche)     Em ambos os casos, a própria frase              gera diferentes interpretações e        posicionamentos, portanto podemos      começar seu entendimento partindo dela          mesma, do modo como ela é interpretada,              pois essa mesma citação não é um fato,                que possui um entendimento igual para            todos, mas sim entendida por meio de              diversas interpretações.          Para entendê-la, penso ser        importante conhecer um pouco a respeito            da filosofia nietzschiana, em especial o            modo como esse pensador entende o            conhecimento e a verdade. Para Nietzsche,            a verdade e o conhecimento não            correspondem a algo único, acabado ou            absoluto, mas sim como elementos          determinados por interesses e        perspectivas distintas.    Para Nietzsche, todo conhecimento é          inevitavelmente guiado por interesses e          condicionamentos subjetivos, ideológicos; o        conhecimento resulta da projeção de          nossos impulsos e anseios, razão pela qual              Nietzsche considera sempre determinado        por certa perspectiva, seja individual, seja            sócio culturalmente determinada.  (Oswaldo Giacoia, em 'Nietzsche', 2000)     Granier (2009) apresenta como        características da filosofia nietzschiana o          perspectivismo e o pluralismo. Nesse          sentido, um fato nunca é entendido como              algo independente da perspectiva de quem            o observa, ou seja, os fatos são sempre                observados e interpretados por um viés e              por valores específicos. Deste modo,          coexistem diferentes interpretações e        pontos de vista sobre um mesmo fato.  De acordo com Giacoia (2006), o            perspectivismo entende que todo        conhecimento depende sempre de        condicionamentos subjetivos, históricos,      sociais, econômicos, culturais e        psicológicos, que determinam a valoração          e implicam uma perspectiva específica, de            nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 4. revista ex-isto no. 1 | p. 3    modo que não há conhecimento absoluto,            neutro ou objetivo.  O pluralismo corresponde às        tendências filosóficas que constatam a          coexistência de variados princípios que          constituem as coisas e a realidade,            tendendo assim a acolher os diferentes            pontos de vista, distintas formas de            valoração, experiências culturais,      convicções ou visões de mundo.    O pluralismo Nietzschiano é uma          determinação primordial da realidade, (...).          Não existe conhecimento a não ser            interpretativo, e não existe interpretação a            não ser no plural.  (Jean Granier, em 'Nietzsche', 2009)     Harari (2015) comenta que até a            década de 1940 não havia um crime de                "estupro da esposa", pois a mulher era              entendida como um "objeto" que pertencia            ao homem: ao pai, ao irmão ou ao marido.                  Seu "uso" era um direito desses homens.              Hoje entendemos essa antiga prática como            absurda e abusiva, portanto o          entendimento sobre as relações sexuais e            o respeito ao corpo se transformou de              acordo com a época e contexto.  Agora, analisemos outra frase de          Nietzsche: "não há fatos, apenas          interpretações". Ele não está proferindo          uma verdade absoluta com essa frase, pois              não é essa a intenção de sua filosofia. Além                  disso, podemos aplicar essa sentença a ela              mesma, de modo que a própria frase se                apresenta como uma interpretação, e não            como uma verdade.  Em sua frase, o próprio filósofo se              coloca neste sentido, ou seja, ele não              apresenta a sua filosofia como uma            verdade absoluta, mas como uma          possibilidade, um caminho. Examinemos,        então, essa frase contextualizada em seu            fragmento póstumo:    Contra o positivismo, que permanece no            fenômeno: ‘só há fatos’, diria eu: não,              justamente não há fatos, apenas          interpretações.  (Friedrich Nietzsche, KSA XII, 7 [60])       Positivismo é uma tendência de          filosofia que se mantêm apenas nos fatos              enquanto observáveis e mensuráveis. Mas,          para Nietzsche, um fato nunca é observado              apenas enquanto fato, por ser sempre            interpretado e valorado. Não é possível            entender as coisas "em si". Enquanto o              positivismo se detêm aos fatos, o filósofo              vai declarar que o entendimento de um              fato é resultante de uma interpretação.  Seu entendimento apresenta que os          fatos são sempre tomados por uma            perspectiva específica, e esse        entendimento propõe um inacabamento à          filosofia, pois todo entendimento e          nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 5. revista ex-isto no. 1 | p. 4    interpretação se dá, inevitavelmente,        dependendo de um momento histórico, de            condições, interesses, situações e        circunstâncias específicas, tal como        comenta em 'Humano, demasiado        humano':    Falta de sentido histórico é o defeito              hereditário de todos os filósofos (...) Não              querem aprender que o homem veio a ser,                e que mesmo a faculdade de cognição veio                a ser (...) tudo veio a ser; não existem fatos                    eternos: assim como não existem verdades            absolutas.  (Nietzsche em 'Humano, demasiado        humano', aforismo 2)    O conhecimento e a verdade não            correspondem a algo dado, mas criado,            inventado e recheado de interpretações.          Apesar de conhecermos o mundo de um              modo, ele pode ser sempre interpretado            de outro modo, pois não há um sentido                por detrás das coisas, mas inúmeros            sentidos e perspectivas possíveis.  Como crítico da metafísica,        Nietzsche entende que o conhecimento e a              verdade não correspondem a algo dado, a              um fato. A verdade, para o filósofo, é algo                  criado, inventado e recheado de          interpretações. O mundo e as coisas            podem sempre ser interpretados de outro            modo, pois não há um sentido por detrás                das coisas, mas inúmeros sentidos e            perspectivas possíveis.  Nosso conhecimento de mundo        está sempre relacionado aos nossos          impulsos e intenções, por isso mesmo            Nietzsche coloca em questão a vontade de              verdade, entendendo que interpretamos o          mundo a partir de nossos impulsos e              necessidades diversas, onde cada impulso          opera com um desejo de domínio,            buscando impor sua perspectiva como          norma sobre os outros, onde não há              verdades absolutas.    Para ele [Nietzsche], o conhecimento não            passa de uma interpretação, de uma            atribuição de sentidos, sem jamais ser uma              explicação da realidade. Ora, o conferir            sentidos é, também, o conferir valores, ou              seja, os sentidos são atribuídos a partir de                uma determinada escala de valores que se              quer promover.  (Aranha; Martins, em 'Filosofando', 1993)        Referências:  ARANHA; MARTINS. Filosofando: introdução à          filosofia. São Paulo: Moderna, 1993.  GIACOIA JÚNIOR, Oswaldo. Nietzsche. São          Paulo: Publifolha, 2000.  GIACOIA JÚNIOR, Oswaldo. Pequeno Dicionário          de Filosofia Contemporânea. São Paulo:          Publifolha, 2006.  GRANIER, Jean. Nietzsche. Porto Alegre: L&PM,            2009.  HARARI, Yuval. Sapiens - uma breve história da                humanidade. Porto Alegre: L&PM, 2015.  NIETZSCHE, Friedrich. Humano, Demasiado        Humano. Companhia das Letras, 2005.          Por ​Bruno Carrasco​, terapeuta dos afetos,            estudioso de filosofia e psicologia, em            favor da ampliação de possibilidades de            escolhas e do cuidado de si.    www.fb.com/brunodevir  www.instagram.com/brunodevir    nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 6. revista ex-isto no. 1 | p. 5    Psicologia  O dia em que procurei um  terapeuta existencial    Aconteceu quando eu ainda era          um estudante de psicologia, que como            outros passou boa parte da graduação            pensando não precisar da tão falada            psicoterapia, mas com a realidade dos            atendimentos chegando tão rápido,        decidi ir e falar de uma ou outra coisa que                    me incomodava, “bobagem sabe”, “coisa          do dia a dia”, “coisas que todo mundo                vive”. Então foi assim, escolhi um            profissional que já conhecia, sabia ser            alguém sério, marquei a sessão e fui,              chegando lá não sabia muito bem o que                dizer, na sala de espera já me perguntava                se realmente tinha sido uma boa ideia,              por que afinal “eu não precisava, era só                pela faculdade mesmo”. Deu o horário, o              terapeuta me acompanhou até o          consultório, eu escolhi uma poltrona e me              sentei, e aí, a partir desse momento              comecei uma das melhores experiências          da minha vida.  Conversei por uma hora com outra            pessoa que realmente me ouviu, que            estava atento a cada palavra, que            demonstrou profundo interesse por cada          banalidade ou “besteira” que eu contava e              que fui percebendo não ser tão banal              assim, e que nem era tanta “besteira”,              que ali haviam coisas importantes que            precisavam sair de dentro do meu            imaginário, que precisavam ser ditas em            voz alta, não para o psicólogo, mas para                mim mesmo.                Ao contrário do que eu esperava,            não houveram muitas perguntas, mesmo          estudando psicologia, eu ainda carregava          o estereótipo das mídias de que o              terapeuta vai te aplicar “zilhões” de            perguntas, de que ele iria querer invadir              meus mais profundos segredos e que de              alguma forma poderia até mesmo saber            se eu estivesse mentindo em algum            momento, mas não as poucas perguntas            que vieram foram simples, diretas e            cirúrgicas, e talvez nem fossem bem            perguntas, era o famoso “fale mais sobre              isso” ou “como é isso pra você”, mas foi                  tão bem aplicado, que me levava a pensar                nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 7. revista ex-isto no. 1 | p. 6    em respostas e relacionar vivências e            sentimentos que eu nunca havia          considerado, que talvez nunca tivesse de            alguma forma relacionado.  Logo nessa primeira sessão, passei          a compreender que força e coragem            frente a vida não tinham nada a ver com                  aguentar tudo calado, ou suportar a dor              sem demonstrar, mas sim tem relação            com compreender, ter a real bravura de              encarar-se, de sentir de verdade e saber o                motivo do que se sente, de avaliar as                escolhas, boas e ruins e lidar de verdade                com a responsabilidade, e não com viver              a famosa má-fé de “está tudo bem”, logo                de cara aprendi a importância que meus              sentimentos e emoções tinham e quando            eles precisavam ser demonstrados e          expostos, assim como passei a pensar            que haviam momentos que eram só            meus, e tudo bem. Passei a me aceitar                melhor, fisicamente e emocionalmente, e          a não esperar tanto o julgamento dos              demais sobre a vida, mas sim ter a minha                  percepção e criar consciência desta.  Quando a sessão acabou, eu saí            do prédio e senti algo inédito, uma              profunda leveza, um alívio enorme, como            se existisse um peso invisível sob meus              ombros que tinha finalmente sido          aliviado. O que quero dizer aqui é que                com um terapeuta existencial, encontrei          empatia e acolhimento, encontrei        realmente um espaço meu que não            simplesmente me ligou a uma pessoa que              tinha técnicas de psicologia para aplicar            em mim, mas que me colocou realmente              em contato comigo mesmo.    Deixo este relato, pois tenho a            esperança de que por aí tem uma outra                pessoa nesse ponto crítico de ir ou não a                  terapia, e espero que essa vivência possa              auxiliar na sua escolha.            Por ​Patricio Lauro​, psicólogo existencial,          professor, responsável pelo podcast        ‘Sessão Brainstorming’, amante da        filosofia, espírito livre.    www.fb.com/patriciopsi  www.instagram.com/patriciolaurom  www.youtube.com/sessaobrainstorming    Ser-com​: um casal de psicólogos falando            sobre psicologia, relações e a vida.  www.instagram.com/sercompsi    nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 8. revista ex-isto no. 1 | p. 7    Existencialismo  Existencialismo: doutrina de ação    Como estudante de Psicologia,        buscava uma vertente que viesse de            encontro com minhas ideias e percepções            de indivíduo e de mundo para o              atendimento clínico futuro. Quando,        brevemente, tive contato com o conceito            de que “o homem é o único responsável                por seu caminho” e li, pela primeira vez,                Jean Paul Sartre sentenciar que “não            importa o que a vida fez de ti, e sim o que                        você faz com o que a vida fez de você”,                    percebi que havia encontrado algo que,            finalmente, fazia sentido. Era o          Existencialismo.  A escola ou doutrina existencialista          surge entre os séculos XIX e XX na Europa                  e tem entre seus principais expoentes            Søren Kierkegaard, Martin Heidegger e          Jean Paul Sartre. Cada qual a sua              maneira, esses pensadores refletem        acerca de temas comuns, tais como            liberdade, escolha, responsabilidade,      angústia e finitude. E colocam o homem              como o centro de sua experiência de vida,                em outras palavras, como o autor de seu                próprio destino.    “A existência precede a essência”    Contrariando a ideia cartesiana        que separa o corpo e a mente, para os                  filósofos do Existencialismo, corpo e          mente são indissociáveis. Além disso,          estudiosos existencialistas colocam que,          antes de nascer, o homem é “nada” e,                somente a partir do momento em que se                coloca no mundo, em contato com outros              homens e na ocasião de suas primeiras              escolhas, é que esse homem se torna um                indivíduo capaz de construir sua essência            (valores, ideais, projetos).  O homem, tal como o existencialista o              concebe, só não é passível de uma              definição porque, de início, não é nada: só                posteriormente será alguma coisa e será            aquilo que ele fizer de si mesmo. Assim,                não existe natureza humana, já que não              existe um Deus para concebê-la. O homem              é tão-somente, não apenas como ele se              concebe, mas também como ele se quer;              como ele se concebe após a existência,              como ele se quer após esse impulso para a                  existência (SARTRE, p. 10, 2014).     Melhor explicando, a essência do          homem se dá a partir de seu nascimento                e das escolhas que faz ao longo de seu                  projeto de vida, até a morte. Essa              essência, portanto, não vem pronta, é            mutável e se constitui ao longo da              existência/experiência de cada indivíduo,        em conformidade com suas escolhas.  Ainda de acordo com Sartre em            seu manifesto em defesa do          Existencialismo – O Existencialismo é um            Humanismo – “o homem nada mais é do                que aquilo que ele faz de si mesmo: é                  esse o primeiro princípio do          existencialismo. É também a isso que            chamamos de subjetividade: a        subjetividade de que nos acusam” (p. 10,              2014).  nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 9. revista ex-isto no. 1 | p. 8    Liberdade x responsabilidade    O ser é livre para escolher o seu                caminho. Suas escolhas são realizadas a            todo momento e, ainda que o indivíduo              imagine “não escolher”, estará realizando          a escolha de “se levar pela multidão”,              deixar que outros escolham para si.            Contudo, essa liberdade acarreta sempre          a responsabilidade pelos resultados –          positivos ou negativos – de cada uma              dessas escolhas.  Desse modo, o primeiro passo do            existencialismo é o de pôr todo homem na                posse do que ele é e de submetê-lo à                  responsabilidade total de sua existência.          Assim, quando dizemos que o homem é              responsável por si mesmo, não queremos            dizer que o homem é apenas responsável              pela sua estrita individualidade, mas que            ele é responsável por todos os homens              (SARTRE, p. 11, 2014).    O sujeito pode, por exemplo,          escolher deixar um emprego de prestígio            e com bom salário por não suportar as                regras e a rotina do dia a dia. Porém, terá                    de lidar com as consequências de ficar              sem o dinheiro, de precisar buscar um              novo emprego, da frustração da família            com sua decisão etc. Ou ele pode, de                outra forma, continuar nesse emprego          que não lhe traz felicidade, mas que paga                as contas, traz alegria para a família e                prestígio social. Seja qual for a decisão, o                sujeito sempre terá de fazer escolhas na              vida, das mais simples às mais            complexas. E se responsabilizar por cada            uma delas, sabendo que as          consequências refletem não apenas em          sua vida, mas em toda a sociedade.    Ainda de acordo com Jean-Paul Sartre,  Ao afirmarmos que o homem se escolhe a                si mesmo, queremos dizer que cada um de                nós se escolhe, mas queremos dizer            também que, escolhendo-se, ele escolhe          todos os homens. De fato, não há um                único de nossos atos que, criando o              homem que queremos ser, não esteja            criando, simultaneamente, uma imagem        do homem tal como julgamos que ele deva                ser. Escolher ser isto ou aquilo é afirmar,                concomitantemente, o valor do que          estamos escolhendo, pois não podemos          nunca escolher o mal; o que escolhemos é                sempre o bem e nada pode ser bom para                  nós sem o ser para todos. Se, por outro                  lado, a existência precede a essência, e se                nós queremos existir ao mesmo tempo            que moldamos nossa imagem, essa          imagem é válida para todos e para toda a                  nossa época. Portanto, a nossa          responsabilidade é muito maior do que            poderíamos supor, pois ela engaja a            humanidade inteira (p. 12, 2014).    Angústia e má-fé    A responsabilidade por cada        escolha feita é imensa e, como vimos, não                é possível deixar de escolher, a partir do                momento em que o homem nasce no              mundo, até o momento em que deixa de                existir. O sentimento que acompanha          essas escolhas é a angústia. Angústia,            desamparo, desespero são termos        bastante presentes nos estudos do          Existencialismo. Pois não é possível estar            no mundo escolhendo a si mesmo e aos                outros homens sem deparar com esses            afetos.  Para Sartre, “o homem é angústia”            (p. 13, 2014). E para compreender a              nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 10. revista ex-isto no. 1 | p. 9    angústia na concepção existencialista, o          pensador propõe o seguinte:  O homem que se engaja e que se dá conta                    de que ele não é apenas aquele que                escolheu ser, mas também um legislador            que escolhe simultaneamente a si mesmo            e a humanidade inteira, não consegue            escapar ao sentimento de sua total e              profunda responsabilidade. É fato que          muitas pessoas não sentem ansiedade,          porém nós estamos convictos de que estas              pessoas mascaram a ansiedade perante si            mesmas, evitam encará-la; certamente        muitos pensam que, ao agir, estão apenas              engajando a si próprios e, quando se lhes                pergunta: mas se todos fizessem o            mesmo?, eles encolhem os ombros e            respondem: nem todos fazem o mesmo.            Porém, na verdade, devemos sempre          perguntar-nos: o que aconteceria se todo            mundo fizesse como nós? e não podemos              escapar a essa pergunta inquietante a não              ser através de uma espécie de má fé (p.                  14, 2014).    Diferentemente da ideia do        senso-comum, para o pensamento        existencialista a má-fé acontece quando          um homem “mente para si mesmo”, não              reconhecendo sua liberdade de fazer          escolhas e se autodeterminar. Tentando          mascarar sua angústia por ter de escolher              a todo momento, o indivíduo abre mão              de sua autenticidade, de uma vida            autêntica, passando a viver escolhas de            outros – vivendo de maneira inautêntica,            fingindo crer que as escolhas já estão              postas, sendo impossível, assim, de          serem transformadas.  O indivíduo que se submete às            regras e normas sociais, sem          questioná-las ou mesmo sem acreditar no            que vive; aquele Homem que mente para              si mesmo, seria o indivíduo que vive na                má-fé existencialista.   Cada homem deve perguntar a si próprio:              sou eu, realmente, aquele que tem o              direito de agir de tal forma que os meus                  atos sirvam de norma para toda a              humanidade? E, se ele não fazer a si                mesmo esta pergunta, é porque estará            mascarando sua angústia. Não se trata de              uma angústia que conduz ao quietismo, à              inação. Trata-se de uma angústia simples,            que todos aqueles que um dia tiveram              responsabilidades conhecem bem. (...)        Veremos que esse tipo de angústia – a que                  o existencialismo descreve – se explica            também por uma responsabilidade direta          para com os outros homens engajados            pela escolha. Não se trata de uma cortina                entreposta entre nós e a ação, mas parte                constitutiva da própria ação (SARTRE, p.            14-16, 2014).    “Doutrina de ação”    Posso finalizar o texto com a            afirmação sartreana de que, acima de            tudo, o Existencialismo é uma “doutrina            de ação” (p. 48, 2014). Pois se trata de                  colocar o sujeito como centro do seu              universo, um “universo humano” ou          “universo da subjetividade humana” (p.          46, 2014), em que a relação dialética de                ser-no-mundo (in Ser e Tempo,          HEIDEGGER, 1927), em que o homem            existe, nasce no mundo e, só depois,              constrói sua subjetividade, sua essência,          por meio de escolhas que transformam            não apenas a si, mas a todos em                determinado local, determinada época e          contexto histórico, gera responsabilidade        e uma angústia propulsora de ações e              mudanças significativas tanto      individualmente, como coletivamente.  Por perseguir “objetivos      transcendentes é que ele (o homem)            nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 11. revista ex-isto no. 1 | p. 10    pode existir; sendo o homem essa            superação e não se apoderando dos            objetos senão em relação a ela, ele se                situa no âmago, no centro dessa            superação” (SARTRE, p. 47, 2014). Ainda            sobre o caráter humanista do          Existencialismo, que coloca o Homem          como único legislador de si:  ...recordamos ao homem que não existe            outro legislador a não ser ele próprio e                que é no desamparo que ele decidirá              sobre si mesmo; e porque mostramos que              não é voltando-se para si mesmo mas              procurando sempre uma meta fora de si –                determinada libertação, determinada      realização particular – que o homem se              realizará precisamente como ser humano          (p. 47, 2014).    A transcendência do homem        existencialista reside no seu esforço de            superação de vida – nas escolhas            ininterruptas objetivando romper      barreiras, explorar possibilidades para        alcançar sua subjetividade mais autêntica,          alterando a si próprio, ao outro e à                sociedade.        Referências:  REYNOLDS, J. Existencialismo. Petrópolis, RJ:          Vozes, 2013. (Série Pensamento Moderno).  SARTRE, J. P. O Existencialismo é um              Humanismo. 4a ed. São Paulo: Vozes, 2014.                  Jean-Paul Sartre (1905-1980)            Por ​Luana Muñoz de Oliveira Orlandi​,            jornalista e estudante de psicologia.  E-mail: luana_orlandi@uol.com.br            nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 12. revista ex-isto no. 1 | p. 11    Gênero  Essência, existência, gênero    Aristóteles defendia que      compreender a verdadeira causa de um            evento era intuir sua essência,          especificidade e necessidade. Outro        filósofo que corroborou com as idéias de              Aristóteles foi o alemão Gottfried Wilhelm            Leibniz (1646–1716). Para ele, o mundo            foi criado para um determinado fim. Tudo              o que existe tem uma causa final que                define o seu propósito e a sua existência.                Nada acontece sem uma razão profunda            suficiente. Agir para um fim e, em relação                a este, avaliar os próprios meios é típico                da natureza humana. Conforme a          hipótese finalista, a natureza também          seria movida por análogo critério de            intencionalidade. O cristianismo fez do          finalismo sinônimo de providência divina.   Influenciada pelo pensamento      essencialista e finalista, as questões de            gênero foram sendo construídas pelas          normas religiosas, médicas, políticas e          jurídicas. Portanto, o raciocínio        estabelecido foi o seguinte: aquele que é              definido como homem biológico foi feito            com um pênis. Depois foi dotado de uma                “essência masculina”. Sua finalidade é          buscar uma mulher biológica que foi feita              com uma vagina e dotada de uma              “essência feminina”. A partir desse          encontro, os dois estabelecerão uma          relação complementar e serão os          responsáveis pela perpetuação da        espécie humana (Abbagnano, 2007;        Chauí, 2003; Nicola, 2005 apud Antunes,            2017).          Além de garantirem a        continuidade da vida, estarão cumprindo          com as normas religiosas e          mandamentos sociais estabelecidos.      Aristóteles ainda dizia que tudo é            composto de uma substância, o termo            significa literalmente o que está por baixo              de. Não possui uma existência acidental e              eventual. Ela existe para si. Tem vida              própria e goza de determinadas          propriedades possuindo apenas uma        essência. Substância e essência        coincidem.  Nesse caso podemos pensar na          “essência masculina” e na “essência          feminina”. Essas, por sua vez, são            compostas de comportamentos      normatizados e específicos para cada          gênero em questão. Tal forma de            raciocinar ficou conhecida na filosofia          como essencialismo. As essências são          produzidas através de respostas dadas à            seguinte pergunta: o que é isto ou aquilo?                Quando se pergunta, por exemplo, o que              é o gênero, a mulher, o homem, o idoso                  ou a travesti, está se perguntando pela              definição desses entes.  Para Aristóteles pode-se descrever        a essência como aquilo que permanece e              se conserva imutável, apesar da mutação            aparente. Definir a essência da vida é              mais difícil do que definir a essência de                um triângulo, por exemplo. Em oposição            ao essencialismo, há outra corrente na            filosofia denominada de existencialismo.        nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 13. revista ex-isto no. 1 | p. 12    Essa linha de pensamento diz que o ser                humano não é um conjunto de teorias.              Há uma preocupação com o sentido ou o                objetivo das vidas humanas, mais que            com verdades científicas ou metafísicas          sobre o universo.  Assim, o existencialismo foi        influenciado pela fenomenologia do        filósofo alemão Edmund Husserl (1859-          1938). Tal pensamento dizia que a            experiência interior ou subjetiva é          considerada mais importante do que a            verdade “objetiva”. O existencialismo diz          que o homem não foi planejado por              alguém para uma finalidade, como os            objetos que o próprio homem cria. O              homem se faz em sua própria existência.              Não havendo tal essência, todos são            iguais e igualmente livres para se fazerem              em relação a determinado contexto.          Afirma o primado da existência sobre a              essência.  Não há afirmações gerais e          verdadeiras sobre o que os homens            devem ser. Um de seus principais            representantes é o filósofo francês          Jean-Paul Sartre (1905-1980) que leva          esse indeterminismo às suas mais          radicais consequências. Para Aristóteles,        e muitos outros filósofos, a essência de              ser humano era ser racional. Mas para              Sartre, a pessoa deve produzir sua            própria essência. A existência precede a            essência. Como seres conscientes,        estamos sempre querendo preencher o          “vir a ser” que na realidade é a verdadeira                  “essência” do nosso ser consciente.          Queremos nos transformar em coisas em            vez de permanecer perpetuamente num          estado em que as possibilidades estão            sempre irrealizadas.  Para Sartre só nos tornamos algo            acabado quando morremos. O homem          passa toda sua existência em um            processo de devir. Estamos sempre          abertos às novas possibilidades de          reinvenção partindo de um determinado          contexto existencial possível. Sartre        chamou isso de facticidade. Ela diz            respeito às resistências e objetos que a              liberdade necessariamente se defronta        quando cria nova situação. Como          exemplo de facticidade, podemos pensar          no sexo biológico, família, país, cidade,            cultura, época e condição socioeconômica          que nascemos.  As condições impostas pela        facticidade conjugadas ao significado        dado pela liberdade se combinam para            criar uma nova situação. Sartre defende            que não importa o que foi feito do                indivíduo, e sim o que o indivíduo faz com                  aquilo que foi feito dele. A resistência é                intrínseca à liberdade e ao humano.            Travestis nasceram biologicamente      homens. Podemos pensar que esse fato            remete à facticidade ou àquilo que foi              feito delas. Alteram seus corpos com            signos considerados culturalmente      próprios do feminino. Esse fato remete à              liberdade ou ao que fazem com aquilo              que foi feito delas.  No entender de Sartre estamos          condenados à liberdade. Cada ato          contribui para definir como nos          apresentamos ao mundo. Em qualquer          momento podemos começar a agir de            modo diferente e desenhar um retrato            diferente de nós mesmos. Há sempre            nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 14. revista ex-isto no. 1 | p. 13    uma possibilidade de mudança, de          começar a fazer um tipo diferente de              escolha. Temos o poder de nos            transformar indefinidamente, tendo      sempre como ponto de partida, nossa            facticidade. Não há nenhuma “essência”          determinada que oriente a priori o            comportamento de ninguém. Porém, há o            que Sartre chama “projeto original”.  Como uma pessoa é uma unidade,            e não apenas um amontoado de desejos              ou hábitos sem relação, deve haver para              cada uma delas uma escolha          fundamental por um papel ou script de              vida, o qual dá o significado de qualquer                aspecto específico de seu        comportamento. Essa escolha nem        sempre acontece de forma consciente.          Saber sobre o “projeto original” de            alguém demanda cuidadosa análise de          sua trajetória existencial. Sartre        acreditava que não há nenhum deus e,              portanto, não há qualquer plano divino            que determine o que deve acontecer. Não              há um sentido ou propósito último            inerente à vida humana. Logo ela é              absurda.  Isto significa que o indivíduo foi            jogado de fato na existência sem            nenhuma razão real para ser.          Simplesmente descobrimos que      existimos e temos então que decidir o              que fazer de nós mesmos. O homem não                é mais do que aquilo que ele faz de si                    mesmo. Se não há nenhum deus, não há                nenhum padrão objetivo de valores.          Consequentemente, devemos estabelecer      ou inventar, a partir da liberdade e              facticidade nossos próprios valores        particulares. Tal é o primeiro princípio do              existencialismo ateu de Sartre. Sem          diretrizes absolutas, nós devemos sofrer          a agonia de nossa tomada de decisão e a                  angústia de suas consequências.  A angústia é, então, a consciência            da própria liberdade e a consciência da              imprevisibilidade última do nosso        comportamento. Sartre define como “má          fé” a tentativa de fugir da angústia              fingindo que não somos livres. Tentamos            nos convencer que as nossas atitudes e              ações são determinadas pela nossa          personalidade, horóscopo, situação ou        por qualquer outra coisa fora de nós              mesmos. Segundo Sartre, nenhum        motivo ou resolução passada determina o            que fazemos agora. Cada momento          requer uma escolha nova ou renovada.            Mesmo que não fizermos nada, uma            escolha já está sendo realizada: o não              agir.  Negar a liberdade é uma tomada            de posição covarde, a fim de fugir da                angústia da escolha, e achar o repouso e                a segurança na confortável ilusão de ser              uma essência acabada. Portanto, o          existencialismo se contrapõe ao        essencialismo, à medida que defende que            não somos determinados. Para essa          corrente filosófica, podemos nos        reinventar a cada momento. Inicialmente,          as ideias essencialistas se tornaram mais            expressivas que as ideias existencialistas          (Perdigão, 1995; Sartre, 2005 apud          Antunes, 2017).  Portanto, as primeiras      influenciaram mais as ciências biológicas          do que as ciências humanas. Logo, para              as ciências médicas e biológicas, assim            como todos os entes, homens e mulheres              nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 15. revista ex-isto no. 1 | p. 14    também possuem uma essência e          finalidade que serão manifestadas ao          longo da vida.  Os estudos ​queer se propõem a            compreender as práticas sociais que          organizam a sociedade como um todo            através da “sexualização”,      “heterossexualização”,  “homossexualização” de corpos desejos,        atos, identidades, relações sociais,        conhecimentos, cultura e instituições        sociais. Interrogação dos processos        sociais normatizadores que criam        classificações gerando a ilusão de que            existem sujeitos estáveis, identidades        naturais e comportamentos regulares        (Seidman apud Miskolci, 2009 apud          Antunes, 2017).  Para Miskolci (2009) apud Antunes,          (2017), a matriz essencializadora e          hierarquizadora criada pela sociedade        seria formada pela conexão entre etnia e              sexualidade. Nela há um nó que evidencia              o mesmo processo normatizador que          acaba criando seres considerados mais          humanos e menos humanos (seres          abjetos). Os seres humanos só se tornam              viáveis através de categorias socialmente          reconhecidas. Portanto, segundo tal        matriz essencializadora, travestis idosas,        são consideradas abjetas e invisíveis,          justamente por não corresponderem a          nenhuma categoria considerada viável e          às normas estipuladas.   A teoria ​queer ​desafia a sociologia            a não estudar mais aqueles que rompem              as normas, nem os processos sociais que              os criaram como desviantes. Ao invés            disso, insiste em focar nos processos            normatizadores marcados pela produção        simultânea do hegemônico e do          subalterno. Tais estudos se preocupam          em criticar os processos normatizadores.          Portanto, segundo Pelúcio (2009) apud          Antunes, (2017) os estudos queer,          procuram desvelar mecanismos de        naturalização e essencialização dos        termos e relações por eles significados.       Referência Bibliográfica:  ANTUNES, P. P. S. Homofobia          internalizada: o preconceito do        homossexual contra si mesmo. São Paulo:            Annablume, 2017.    Disponível em PDF:   https://tede2.pucsp.br/browse?type=author& value=Antunes%2C%20Pedro%20Paulo%20Sa mmarco&fbclid=IwAR1I0drxfNKO40FTTT7gks WiCJhtmZTTYBEE2-R1TaRc8wgDOfEQ5Gf-zeI          Por ​Pedro Sammarco​, psicólogo clínico          graduado pelo Mackenzie, com formação          em Gestalt-Terapia pelo Sedes Sapientiae,          especialização em Sexualidade Humana        pela USP, mestrado em Gerontologia e            doutorado em Psicologia Social pela          PUC-SP. É autor dos livros "Travestis            envelhecem" e "Homofobia internalizada:        o preconceito do homossexual contra si            mesmo", publicados pela editora        Annablume.    www.instagram.com/pedrosammarco  www.fb.com/pedrosammarcopsicologo  nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 16. revista ex-isto no. 1 | p. 15    Literatura  Um “demônio” trágico    A literatura russa nos legou          grandes escritores, dentre tantos deles          Fiódor Dostoiéviski (1821-1881) se        destaca como um dos mais densos            filosoficamente e psicologicamente.  Em sua obra “Os demônios”          encontram-se diversos personagens, um        deles me recordou o filósofo Friedrich            Nietzsche (1844-1900), o personagem        Aleksiei Kiríllov incorpora o apolíneo e o              dionisíaco da filosofia de Nietzsche e nos              remonta a uma tragédia grega antiga do              período pré-socrático.        Fiódor Dostoiévski          O personagem de Kiríllov é belo            porque trágico, trágico à la Sófocles            (497-405 a.C.). Kiríllov é um personagem            febril, que se consome em seus            pensamentos, num raciocínio constante        sobre suas ideias que o levará a um                destino trágico. Kiríllov quer provar que            Deus morreu! Grande missão este          personagem se impõe! Mas como, como            provar a morte de Deus? Em seu estado                febril Kiríllov decide que está disposto a              levar às últimas consequências para          tentar provar a inexistência desse “ser”,            deus.  Kiríllov raciocina: “...se crê, crê que            não crê. Mas se não crê, então crê que                  não crê.” Não há saída, para Kiŕillov é                impossível deixar de acreditar em algo,            mesmo não crendo em nada se crê              sempre em algo, constata. A “salvação”            para seus dilemas, e seu trunfo enquanto              herói, é se matar por um ideal, matar-se                em defesa do Ateísmo, que ele diz              ninguém ainda o ter feito, ninguém se              matou em defesa da “não-crença” e ele              seria o primeiro! Grande constatação!          Matando a si ele demonstra a todos que                quem tem o poder sobre a vida, é ele, e                    não Deus. Kiríllov almeja a independência            de sua existência, sem submissão a nada              transcendente.        nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 17. revista ex-isto no. 1 | p. 16      Esse “herói trágico moderno” -          assim como nas tragédias gregas antigas -              vence todas as circunstâncias colocadas          pela sua razão pela tragicidade de seu              ato, o suicídio. Seu ato é dionisíaco, pois é                  a desintegração do “eu”, um somar com a                natureza, e também apolíneo por ser um              ato individual (​principium individuationis​)        mesmo que para dar término da própria              vida culminando numa tragédia. Como          afirma Roberto Machado em seu livro            Nietzsche e a verdade:  Para o herói trágico é necessário perecer,              por onde ele deve vencer.  (pág.38)  Kiríllov vence, por matar a si            mesmo em defesa de uma ideia, um              herói trágico que num ato de            autoconsciência encontra uma forma de          anunciar ao mundo que não é um deus o                  mantenedor da vida, do mundo, o            homem tem poder sobre si mesmo de              dar cabo à sua vida justificado pela              “razão”, e nisso encontra sua consolação.  Eis a estranha consolação que proporciona            a tragédia: a certeza de que existe um                prazer superior a que acede pela ruína e                pelo aniquilamento do herói, da          individualidade, da consciência; pela        destruição dos valores apolíneos. (pág. 40            – Roberto Machado em Nietzsche e a              verdade).  Fica aqui o convite à leitura desta              obra literária excepcional. Lembrando        que as melhores traduções de          Dostoiévski no Brasil são da editora 34,              em especial dos tradutores Boris          Shnaiderman e Paulo Bezerra.                Por ​João Marcos​, proprietário do Sebo            São Darwin, tatuador, interessado em          literatura, filosofia e história.    Sebo São Darwin:  www.facebook.com/saodarwin  www.instagram.com/sebo_sao_darwin    Tatuaisô:  www.instagram.com/tatuaiso  www.facebook.com/tatuaiso  nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 18. revista ex-isto no. 1 | p. 17      Galeria Independente  George Christian        George Christian é compositor,        multiinstrumentista e cantor, residente        em Salvador (BA), fortemente engajado          na produção e difusão de sua música              independente por distintos meios online,          tendo produzido diversos EPs e álbuns            lançados, utilizando como principal        instrumento o violão elétrico, juntamente          com explorações instrumentais.  Também atua como compositor de          trilhas sonoras, tendo em seu currículo os              filmes "Imagens", de Luiz Rosemberg          Filho, e a série "No Icons" (inédito), de                Alexandre Guena. Seus trabalhos        trafegam nos campos tanto da música            experimental, quanto da música de          concerto, realizando esporádicas      performances ao vivo.              A Era da Estupidez    Seu álbum mais recente, 'A Era da              Estupidez', é o álbum mais progressivo            em sua discografia. Trata-se de um            trabalho conceitual em que se observa,            paradoxalmente, uma narrativa que se          inicia como um lamento solitário e vai se                desdobrando num cataclisma ultra        psicodélico de timbragens ao observar a            estupidez no mundo.  O compositor se assume solista e            multiinstrumentista, onde o corpo da          improvisação e da composição        espontânea percorre contornos mais        estruturados e desafiadores. Das dores          secretamente autobiográficas às dores do          mundo ao redor. O álbum é um              manifesto contra uma época de          retrocessos éticos e um elogio à loucura              criativa.    Link para escutar o disco:  hamfuggirecords.bandcamp.com/album/ a-era-da-estupidez    George Christian:  georgechristianmusic.wixsite.com  instagram.com/gc.soundartifacts  fb.com/georgechristianmusic  nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 19. revista ex-isto no. 1 | p. 18      cotidiano / junho 2020  pastel seco em papel kraft          Galeria Independente é um        projeto do ex-isto que visa divulgar            artistas que produzem um trabalho          autoral, de caráter inventivo, crítico e/ou            libertário, que se relacione (de alguma            maneira) com as temáticas do          existencialismo, fenomenologia, filosofia      contemporânea ou psicologia.                                      Guto Nunes  instagram.com/gggguto/            O intuito desta galeria é gerar            visibilidade de artistas pouco conhecidos          pelos meios midiáticos de massa, que            atuam principalmente de maneira        independente, seja na música, pintura,          escultura, literatura, fotografia, cinema,        dança, teatro, história em quadrinhos ou            arte digital.  nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 20. revista ex-isto no. 1 | p. 19    Livro  O ser e o nada - Jean-Paul Sartre    “O Ser e o Nada” do filósofo              francês Jean-Paul Sartre é um grande            clássico do existencialismo, publicado        pela renomada Editora Vozes. Neste livro            encontramos reflexões sobre a        consciência, percepção, autoilusão,      existência e o livre-arbítrio. Um livro            robusto e de linguagem complexa, porém            indispensável para os interessados dessa          corrente de pensamento.  Influenciado fortemente por      filósofos como Martin Heidegger e          Edmund Husserl no uso do método            fenomenológico como ótica para explorar          o ser (ontologia), nosso autor configura            uma relação entre consciência e mundo            de maneira posicional, pois, consciência é            sempre consciência de algo e o método              fenomenológico é justamente aquele que          busca o fenômeno como ele aparece. A              aparência não é mera ilusão que esconde              a essência de algo, ao contrário, a              essência mesma é uma aparição.    Podemos rastrear também sua        dívida com Kierkegaard, quando o filósofo            francês escreve sobre a condição da            humanidade como radicalmente livre e a            relação dessa liberdade com a angústia.            O ser não é pré-determinado, sua            essência é uma construção, onde nos            autoafirmamos através de nossas ações          (escolhas), somos condenados a sermos          livres e por isso somos obrigados a              escolher, agir, a não escolha também é              uma escolha onde somos totalmente          responsáveis. Já a angústia jaz da            liberdade, “um sentimento inevitável de          profunda e total responsabilidade por          nossas próprias escolhas e ações”.  Constantemente tentamos fugir da        responsabilidade, e essa tentativa foi o            que Sartre chamou de má-fé, aqui            concentra-se as temáticas do engano de            si. A mentira implica que o mentiroso está                completamente a par da verdade, não é              um ignorante ou vítima de um erro, mas                sim tem uma consciência cínica          incoerente com suas palavras. A mentira            também pressupõe o “outro”, o          enganado. Já a má-fé compartilha muitos            aspectos da mentira, porém, não          pressupõe o outro: sendo assim uma            mentira para si mesmo. A má-fé é uma                “desagregação íntima no seio do ser”.    Por ​Kaíque Jeordhanne​, bacharel em          Ciências Ambientais, idealizador do        projeto Ler e Despertar, onde faz            resenhas e oferece dicas de livros.    www.instagram.com/leredespertar    nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 21. revista ex-isto no. 1 | p. 20    Filme  A primeira noite de tranquilidade    Valério Zurlini foi um diretor de            destaque no cinema italiano nas décadas            de 50 a 70, mas de alguma forma, no                  âmbito internacional, seu nome ganhou          menor repercussão que o de outros            cineastas. Talvez obscurecido pela        fenomenal repercussão que outros        cineastas do período alcançaram – Fellini,            Visconti, Antonioni... Mas certamente não          por conta de seu cinema ser algo inferior.                Zurlini dirigiu poucos filmes, mas alguns            deles, como “A primeira noite de            tranquilidade”, revelam seu talento para          retratar o estado de espírito de            personagens imersos em crises        existenciais e situações limites.  “A primeira noite de tranquilidade”          remete a uma passagem da obra de              Goethe, que ao final do filme irá revelar                seu caráter trágico. A história é centrada              no personagem de Daniele (Alain Delon),            um professor de literatura de meia idade              que fracassou em se mostrar a altura das                expectativas de sua família burguesa. Um            Delon derrotado, com olheiras e eterno            semblante de quem passou a noite em              alguma festa decadente entrega uma          atuação lapidar. Daniele parece ir de            cidade a cidade, de emprego a emprego,              sem qualquer desejo de chegar a algo ou                algum lugar. Seu currículo é cheio de              espaços vazios, e Daniele não está            minimamente interessado em explicar        tais ausências, assim como também          parece ter pouco interesse por sua            namorada deprimida. Numa Rimini        poética e melancólica – Zurlini oferece            belos takes da cidade no outono, período              em que transcorre a história – Daniele              tem sua existência maquinal e indiferente            agitada por um sentimento que há            tempos não o movia; o desejo. Ele é                despertado por outra personagem que          parece viver um impasse tão grande            quanto o de Daniele. A bela e triste                Vanina, a aluna adolescente que          demonstra interesse por suas aulas.          Daniele irá, é claro, se apaixonar por              Vanina. Mas para além da diferença de              idade e das relações sociais que irão              obstruir os planos de Daniele, há também              o fato de Vanina ser amante de um rapaz                  envolvido com a máfia local e de ter um                  passado tão complicado quanto o de            Daniele.  O filme se constrói pela força de              seus personagens. Além de Daniele e            Vanina, outras figuras interessantes        habitam essa história onde parece que            ninguém vai conseguir o mínimo de            satisfação em suas complicadas        existências. O filme lida com várias das              questões centrais ao existencialismo –          angústia, solidão, liberdade,      singularidades que ora aproximam, ora          afastam os indivíduos. “A primeira noite            de tranquilidade” versa sobre um mundo            onde impera a falta de sentido e sobre o                  quanto nossas vidas são um tanto quanto              absurdas.      Por ​Graziela Maria Lisboa Pinheiro​,          estudante de psicologia, mestre e          doutora em letras, graduada em          comunicação social e cinema.  nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 22. revista ex-isto no. 1 | p. 21    Diversos  O que é o esperanto?    Em poucas palavras, o esperanto é            uma língua planejada criada na intenção            de facilitar a comunicação entre pessoas            que falam línguas diferentes. A base do              esperanto foi iniciada pelo médico e            filólogo polonês Dr. Lázaro Zamenhof, em            1887. Desde então, o projeto de língua              planejada transformou-se em uma língua          viva, com cultura própria, mas          internacional, tendo até mesmo falantes          nativos.  Hoje podemos também dizer que          o esperanto é muito mais que apenas              uma língua inventada, atualmente, é uma            cultura rica e diversa que reúne pessoas              de várias partes do mundo, essa cultura              se mostra através de músicas, filmes,            redes sociais, literatura, teatro e outras            manifestações artísticas.  O esperanto não pertence a          nenhuma nação e pertence a todos            aqueles que, de alguma maneira, têm            contato com essa ferramenta        extremamente eficaz de comunicação        transnacional. Essa língua é culturalmente          cosmopolita, aquele está inserido na          comunidade esperantista, na maioria das          vezes, também tem interesse por um            mundo sem fronteiras e, principalmente,          sem barreiras linguísticas.  O livre contato e a facilidade desta              comunicação fluida, possibilita aos        usuários do esperanto total acesso às            mais diversas culturas. Tendo como          princípio fundamental à neutralidade, o          esperantista se assume como um cidadão            do mundo, totalmente integrado às          interações transnacionais.  O falante do esperanto tem a            oportunidade de se inserir em qualquer            grupo social, não impondo, de maneira            alguma, sua língua nacional, dessa forma,            tais indivíduos atingem uma aquisição          cultural plenamente efetiva. Tolerância,        respeito e cordialidade são alguns dos            principais valores cultivados no meio          esperantista.  Será um grande prazer poder          mostrar um pouco deste universo cultural            para você leitor da revista ex-isto.        Por ​Fábio Silva​, licenciado em Letras pela              UFLA, pós-graduado em linguística        aplicada à educação pela Faveni, membro            da Liga Internacional de Professores          Esperantistas e é diretor da Embaixada            do Esperanto de Pouso Alegre.    www.linguainternacional.org  www.facebook.com/ambasadejo  www.instagram.com/esperanton  nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 23. revista ex-isto no. 1 | p. 22    Artigo  Fundamentos da psicoterapia  fenomenológico existencial  Bruno Carrasco    Resumo:  Este artigo tem como intuito apresentar            os embasamentos filosóficos e        metodológicos da psicoterapia      fenomenológico existencial: a filosofia        existencialista e o método        fenomenológico, destacando sua      particularidade no modo de encarar a            existência humana e de proceder o            processo psicoterapêutico. O      existencialismo oferece um olhar sobre a            condição humana enquanto algo não          definido, livre e responsável por suas            escolhas, e em constante transformação,          que se constitui em seu existir concreto              por meio de sua experiência singular, no              mundo, em constante relação com as            pessoas, objetos, espaços e consigo          mesmo. A atitude fenomenológica dispõe          uma abertura para as singularidades da            existência em seus modos próprios de se              manifestar, buscando compreender as        distintas características, interesses e        desinteresses de cada indivíduo, evitando          pressuposições ou conceitos prévios        sobre a pessoa, captando o modo como              esta se revela a cada encontro.    Palavras-chave: Psicoterapia,  Existencialismo, Fenomenologia,  Psicologia.            Introdução    O presente trabalho pretende        oferecer uma breve introdução sobre os            fundamentos filosóficos da psicoterapia        fenomenológico existencial, expondo      seus norteamentos teóricos, iniciando        com a filosofia existencialista e seu            entendimento sobre a existência humana,          e o método fenomenológico, que indica            atitudes e disposições para se aproximar            da existência em seus distintos modos de              se expressar.  Existencialismo é uma filosofia        contemporânea que encara a existência a            partir de sua manifestação concreta,          singular e afetiva, entendendo o ser            humano livre para fazer escolhas e            responsável por elas, sempre aberto a            novas possibilidades. A fenomenologia se          apresenta como uma atitude para se            aproximar das singularidades, do modo          como cada um se apresenta.  O intuito desta pesquisa é explorar            os pressupostos filosóficos e as teorias            que servem de embasamento para a            prática da psicoterapia fenomenológico        existencial. Pretende-se, portanto,      apresentar algumas questões do        existencialismo e da fenomenologia com          relação ao entendimento de ser humano,            e sobre o modo como proceder a análise                da existência humana, de acordo com            estas vertentes.  nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 24. revista ex-isto no. 1 | p. 23    A psicoterapia fenomenológico      existencial dispõe uma maneira específica          de encarar a existência humana,          entendendo esta como um processo e            não como algo fixo, mas sempre aberto à                transformações, sendo constantemente      afetada pela relação com as outras            pessoas, objetos e espaços, aberta a            novos entendimentos de mundo e de si.              O método fenomenológico possibilita        uma aproximação das singularidades e          da relação afetiva da pessoa com o              mundo, com os outros e consigo mesma,              compreendendo seus modos de ser e            suas vivências no mundo.  Este trabalho se inicia com a            descrição dos fundamentos teóricos,        filosóficos e conceituais da psicoterapia          fenomenológico existencial, com a        pretensão de oferecer uma introdução          sobre esta vertente de psicoterapia, que            por ser pouco conhecida, acaba sendo            erroneamente confundida com outras        tendências como a Abordagem Centrada          na Pessoa, de Carl Rogers, a            Gestalt-Terapia, de Fritz Perls, ou a            Psicoterapia Existencial Humanista, de        Rollo May.  Para a pesquisa foram utilizados          alguns dos livros mais destacados          publicados sobre existencialismo e        fenomenologia, juntamente com artigos        sobre os temas abordados. Essa          necessidade de voltar aos fundamentos          possui justamente o intuito de oferecer            um breve entendimento introdutório        sobre as bases para que se possa              compreender melhor sua proposta        psicoterapêutica na prática.  1. Existencialismo    O termo ‘existencialismo’ é        resultante da soma da palavra ‘existência’            com o sufixo ‘ismo’. Segundo Penha            (2014, p.11), a palavra ‘existência’ é uma              derivação do verbo existir, que se origina              do latim ​existere​, cujo significado          corresponde a “sair de uma casa, um              domínio, um esconderijo. Mas        precisamente: existência, na origem, é          sinônimo de mostrar-se, exibir-se,        movimento para fora”.  O existencialismo enquanto      vertente de filosofia possui influências de            diversos filósofos, entre eles Sören          Kierkegaard (1813-1855), Friedrich      Nietzsche (1844-1900), Martin Heidegger        (1889-1976), e outros que contrariam boa            parte das bases da filosofia ocidental            desde a Antiguidade até a Idade            Moderna. Porém, foi por meio do filósofo              francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) que          esta filosofia se tornou popular. Sartre se              assumiu enquanto existencialista e        destacou o existencialismo como uma          filosofia do engajamento e da ação,            evidenciando a responsabilidade de cada          pessoa por sua existência.  Reynolds (2014) destaca entre os          temas fundamentais tratados pelos        existencialistas: a liberdade, a morte, a            finitude, a experiência fenomenológica, a          angústia, a náusea, o tédio, a            autenticidade e a responsabilidade.        Segundo ele, eventos como a Segunda            Guerra Mundial e a ocupação alemã na              França, possibilitaram um maior        questionamento sobre questões como a          nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 25. revista ex-isto no. 1 | p. 24    liberdade, a responsabilidade e a morte.            Segundo Penha (2014), o existencialismo          foi a corrente filosófica mais discutida            entre as décadas de 1940 e 1950.  No livro ‘O existencialismo é um            humanismo’, Sartre cita sua célebre frase            “a existência precede a essência” (2014,            p.18), argumentando que este é o            primeiro princípio do existencialismo,        complementando que “o homem nada é            além do que ele se faz” (2014, p.19).                Segundo ele, não há nenhuma definição            prévia sobre o ser humano com relação              aos seus modos de ser, de se relacionar e                  de se colocar no mundo. Cada pessoa se                constrói na prática da vida concreta, na              relação com outras pessoas e por meio              das escolhas que faz.    Que significa, aqui, que a existência            precede a essência? Significa que o            homem existe primeiro, se encontra,          surge no mundo, e se define em seguida.                Se o homem, na concepção do            existencialismo, não é definível, é porque            ele não é, inicialmente, nada. Ele apenas              será alguma coisa posteriormente, e será            aquilo que ele se tornar. Assim, não há                natureza humana, pois não há um Deus              para concebê-la. (SARTRE, 2014, p.19)    O conceito essência, segundo a          tradição filosófica, refere-se àquilo que          seria previamente determinado, que        caracterizaria algo ou um ser antes            mesmo de sua existência concreta. Neste            sentido, a existência seria resultante          desta essência. A filosofia existencialista          se contrapõe a esta vertente          essencialista, entendendo a existência        como resultante da própria existência          concreta, e não de uma essência.  Foulquié (1975) apresenta o        existencialismo partindo de sua diferença          para com o essencialismo. Para ele, até o                século XIX o pensamento essencialista          prevalecia, e a filosofia não questionava o              primado da essência sobre a existência,            ou seja, partiam do entendimento de que              toda existência era fruto de uma essência              previamente definida.  Seja no mundo das ideias de            Platão, como nas categorias em          Aristóteles, ambos no século IV a.C., nas              essências da escolástica, na segunda          metade da Idade Média, e nas ideias              inatas de René Descartes, no século XVII,              todas estas filosofias priorizavam as          essências em detrimento da existência.  Uma tendência muito presente na          filosofia ocidental, desde Aristóteles, que          inclusive foi utilizada pela ciência          moderna, é olhar para as coisas partindo              das categorias que são estabelecidas          sobre elas de acordo com suas            semelhanças com relação a outras coisas,            e que inclusive as discrimina por suas              diferenças. Essa tendência de encarar as            coisas partindo de suas categorias          prévias, ao invés das experiências sobre            as coisas, nos dificultou a captação das              distintas particularidades sobre o que          percebemos, ou seja, de suas distinções e              singularidades.    O existencialismo surge, pois, como uma            teoria que afirma o primado ou a              prioridade da existência. Mas em relação a              que afirma este primado ou prioridade?            Em relação à essência. (FOULQUIÉ, 1975,            7p.)    nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 26. revista ex-isto no. 1 | p. 25    Para a filosofia essencialista, a          essência corresponderia a algo universal          contendo todas as características de um            ser, enquanto que a existência seria            apenas uma disposição para transformar          em ato tal essência, portanto uma mera              efetivação das essências prévias. O          existencialismo, pelo contrário, considera        a existência como prioridade, ao invés da              essência. Neste sentido, a existência não            é uma efetivação de uma essência            previamente definida, mas uma condição          que constitui justamente os modos de ser              e as características mais próprias de cada              pessoa, na relação com as outras pessoas              e com o mundo.    Como indica a própria palavra, o            existencialismo caracteriza-se sobretudo      pela tendência de colocar o acento na              existência. O existencialista      desinteressa-se das essências, dos        possíveis, das noções abstratas: situa-se          nas antípodas do espírito matemático; seu            interesse dirige-se ao que existe, ou            melhor, à existência daquilo que existe.            (FOULQUIÉ, 1975, 37p.)    Segundo Foulquié (1975), o        existencialismo também se coloca        contrário ao racionalismo e ao          positivismo, que priorizaram a razão e a              objetividade, respectivamente, em      detrimento da experiência. Contrariando        essas teorias sobre a existência humana,            a filosofia existencialista parte do          entendimento de que é impossível fixar            regras prévias para a existência e para os                modos de ser de cada indivíduo,            buscando olhar para as diferenças ao            invés das teorias ou generalizações.  No existencialismo, a existência é          concebida como um privilégio do ser            humano, não sendo algo pronto ou            previamente determinado, tal como        entendiam os filósofos essencialistas,        mas como um constante vir-a-ser, em            permanente transformação. Por não ser          definida previamente, a existência        humana é livre para fazer escolhas, pois              para existir precisamos, necessariamente,        escolher. Não escolhemos como e onde            nascer, mas podemos escolher o que            fazer diante das circunstâncias em que            estamos inseridos. É por meio da relação              que estabelecemos com os lugares, com            os objetos e com as pessoas, juntamente              com as escolhas que fazemos, que            constituímos nosso modo de existir.    (...) eu sou bonito ou feio, filho de                proletário ou de ilustre ascendência, chove            ou faz calor… diante destes fatos sou              impotente. Mas sou senhor de minha            atitude à respeito destas maneiras de ser,              independentes de mim: posso        orgulhar-me ou envergonhar-me delas,        aceitá-las ou insurgir-me contra elas. Eu            não as escolho, mas escolho a forma              como as considero, ou, no dizer dos              existencialistas, eu as assumo. (FOULQUIÉ,          1975, 46p.)    Essa liberdade de fazer escolhas,          segundo o entendimento existencialista,        não consiste em vivenciar momentos do            modo como desejamos ou esperamos,          mas escolher o que fazer diante das              distintas situações e adversidades que          atravessamos.  Para a filosofia existencialista,        todos somos livres para fazer escolhas e              direcionar a nossa existência a todo            nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 27. revista ex-isto no. 1 | p. 26    momento, de acordo com nossas          condições e possibilidades. Porém, não          temos nenhuma garantia sobre o que            pode acontecer por conta de um caminho              que escolhemos seguir, de modo que            toda escolha é um risco, e isso nos gera                  uma sensação de angústia.  Por não termos uma essência que            nos defina ou que nos constitua            previamente, somos nós os únicos          responsáveis pelas escolhas que fazemos.          Isso nos torna responsáveis por nossa            existência, pela pessoa que nos          tornamos. A cada escolha que fazemos, a              cada momento que escolhemos, estamos          escolhendo a nós mesmos, a pessoa que              estamos sendo.    Mas se realmente a existência precede a              essência o homem é responsável pelo que              é. Assim, a primeira decorrência do            existencialismo é colocar todo homem em            posse daquilo que ele é, e fazer repousar                sobre ele a responsabilidade total por sua              existência. (SARTRE, 2014, 20p.)    Toda pessoa pode, em certo          sentido, e de acordo com suas condições              e circunstâncias externas, escolher o que            fazer de si mesma, a todo momento de                sua existência. O que não é possível,              segundo Sartre (2014), é não escolher. É              neste sentido que ele declara que “o              homem está condenado a ser livre”            (Sartre, 2014, 24p.), ou seja, a liberdade              não é uma opção, mas uma condição da                existência humana. Enquanto condição        implica em estarmos sempre escolhendo          o que vamos fazer de nossa existência.  Como não há uma essência prévia            que determine nossa existência e nossos            modos de viver, não há também nenhum              sentido previamente estabelecido sobre        como viver a vida. Essa constatação pode              parecer angustiante, mas é também          libertadora. Para o existencialismo, o          sentido da vida pode ser acolhido,            abraçado ou criado.     Sem a orientação de regras universais de              moralidade, da natureza humana ou de            um Deus cognoscível, que emitiu certos            mandamentos indiscutíveis (e várias        teologias podem acordar com isso),          devemos dotar o mundo de significado e              somente nós podemos fazer isso.          Devemos realizar este ato de fé: criar o                significado em que buscamos viver.          (REYNOLDS, 2014, 17p.)    A escolha que cada um faz sobre              sua existência é acompanhada, segundo          Kierkegaard, pelo temor e por uma falta              de tranquilidade, pois apesar de todas as              nossas avaliações e deduções racionais          sobre o que iremos escolher, nunca            teremos certeza de que uma de nossas              escolhas será como desejamos ou          esperamos, ou mesmo que será melhor            do que aquela que não escolhemos.            Neste sentido, toda escolha que fizermos            será sempre um risco, e cada escolha              implica na negação das outras          possibilidades de escolha.  Tanto em Kierkegaard quanto em          Sartre, a angústia consiste numa espécie            de medo de si, do que pode ser feito                  diante de uma escolha, e da dificuldade              de se escolher, ao perceber-se o único              responsável por sua escolha, portanto          também responsável por sua existência.    nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 28. revista ex-isto no. 1 | p. 27    2. Fenomenologia    O termo ‘fenomenologia’ foi        utilizado por diversos autores, com          intenções distintas. Etimologicamente      significa o estudo ou a ciência dos              fenômenos, sendo os fenômenos aquilo          que aparece.  Do modo como hoje entendemos,          essa temática começa a aparecer entre o              final do século XIX e início do século XX,                  com o filósofo e matemático alemão            Edmund Husserl (1859-1938), sendo        continuada e transformada por filósofos          como Martin Heidegger (1889-1976),        Jean-Paul Sartre (1905-1980), Maurice        Merleau-Ponty (1908-1961), entre outros.  Apesar de autores anteriores a          Husserl terem utilizado este termo, como            Hegel (1770-1831) ou Kant (1724-1804), é            com Husserl que a fenomenologia segue            um novo caminho, que irá influenciar a              filosofia, a psicologia e o modo de se                fazer ciências humanas no século XX em              diante, entendendo que “o sentido do ser              e o do fenômeno não podem ser              dissociados” (Dartigues, 2008, 11p.).  Partindo de um questionamento        sobre a ciência positivista e a filosofia              idealista, criticando o uso do método das              ciências naturais na psicologia e nas            ciências humanas, a fenomenologia        aparece como um contraponto e uma            nova perspectiva de se fazer ciência,            contrariando o entendimento objetivista        e as teorizações metafísicas, propondo          encarar as coisas tal como aparecem,            retornando ao mundo da vida.    Entre o discurso especulativo da          Metafísica e o raciocínio das ciências            positivas deve, pois, existir uma terceira            via, aquela que antes de todo raciocínio,              nos colocaria no mesmo plano da            realidade ou, como diz Husserl, das “coisas              mesmas”. (DARTIGUES, 2008, 18p.)     A fenomenologia é uma atitude          que busca encarar o fenômeno do modo              como este se mostra por si mesmo,              libertado de seus encobrimentos,        teorizações e interpretações. Trata-se de          um método que busca descrever os            fenômenos do modo como são          percebidos e experimentados, ao invés          de estabelecer teorias ou categorias          sobre o que se mostra.  Se apresenta, portanto, como um          método de acesso à experiência, que não              pretende encontrar razões metafísicas ou          descrever as coisas de maneira objetiva,            mas se aproximar do modo como            sentimos e apreendemos o mundo. Para            Cerbone (2012, 20p.), a fenomenologia          “está precisamente ocupada com os          modos pelos quais as coisas aparecem ou              se manifestam para nós, com a forma e                estrutura da manifestação”. Trata-se,        portanto, de uma busca da compreensão            das coisas como são captadas, do modo              como são captadas.    A fenomenologia tem por objeto as coisas              que se manifestam ou se mostram, tais              como se manifestam os fenômenos; neste            sentido, as coisas constituem aquilo que é              rigorosamente dado, aquilo que eu          encontro e que é, para mim, originalmente              presente. (...) É a filosofia do            inacabamento, do devir, do movimento          constante, onde o vivido aparece e é              sempre ponto de partida para se chegar a                algo. (LIMA, 2014, 12-13p.)  nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 29. revista ex-isto no. 1 | p. 28    O método fenomenológico é um          esforço para ir de encontro com as              experiências sem estar permeado pelas          especulações teóricas ou pressuposições        sobre elas. Por conta disso, não parte da                generalização teórica nem da abstração,          mas busca reconhecer e valorizar as            singularidades daquilo que é percebido,          observando a existência partindo de sua            manifestação singular.  Esta atitude é utilizada em          distintas abordagens de psicologia que          possuem como foco a subjetividade e as              emoções, como a Psicoterapia Existencial,          a Abordagem Centrada na Pessoa, a            Gestalt-Terapia, entre outras. Ao        contrário das abordagens objetivas e          interpretativas, busca-se aproximar da        pessoa atendida do modo como ela            experimenta suas vivências.    Trata-se, na verdade, de um “retorno”, um              caminho de volta, em que o “fim” nada                mais é do que o começo: “de volta às                  coisas mesmas”, para citar a tão famosa              expressão husserliana. A fenomenologia é,          portanto, o caminho de volta às coisas              mesmas, ao mundo da experiência vivida            ou Lebenswelt (mundo-da-vida).      (STRUCHINER, 2007, 242p.)     Uma das críticas da fenomenologia          está relacionada ao uso dos métodos das              ciências naturais para os estudos das            ciências humanas. A fenomenologia        constata que quando olhamos para um            objeto qualquer, como uma pintura, o            que vemos não são as moléculas e ondas                de luz que atingem a nossa retina, tal                como entende a ciência positivista. Nós            estabelecemos uma relação com este          objeto, uma consciência intencional, de          modo que nos abrimos para a percepção              deste e o experimentamos como belo ou              feio, interessante ou desinteressante,        alegre ou triste, expressivo ou morno,            entre tantas outras possíveis experiências          que emergem dessa relação. Ou seja,            nossa captação de mundo não se trata de                uma mera relação objetiva, mas também            afetiva e valorativa.  Esta percepção é intencional, pois          resulta da relação entre a nossa            consciência, do modo como se direciona            para um objeto, e o objeto, do modo                como se apresenta a nossa consciência.            Porém, nunca captamos um objeto em            sua totalidade, o observamos sempre          partindo de um ângulo, de modo que há                muitos ângulos e variações possíveis, que            podem alterar a nossa percepção das            coisas e do mundo.    A consciência é sempre intencional, está            constantemente voltada para um objeto,          enquanto este é sempre objeto para uma              consciência; há entre ambos uma          correlação essencial, que só se dá na              intuição originária da vivência. A          intencionalidade é, essencialmente, o ato          de atribuir um sentido; ela é que unifica a                  consciência e o objeto, o sujeito e o                mundo. Com a intencionalidade há o            reconhecimento de que o mundo não é              pura exterioridade e o sujeito não é pura                interioridade, mas a saída de si para um                mundo que tem uma significação para ele.              (FORGHIERI, 2019, 15p.)     O filósofo e psicólogo alemão          Franz Brentano (1838-1917) influenciou a          fenomenologia de Edmund Husserl,        especialmente com o seu entendimento          sobre a intencionalidade da consciência.          De acordo com Brentano, “todos os            nov.2020 | ​ex-isto.com  
  • 30. revista ex-isto no. 1 | p. 29    processos psíquicos seriam marcados        pela intencionalidade, ou seja, estariam          sempre dirigidos para um objeto” (Penna,            2001, 18p.). A experiência que tenho com              algo é apenas uma aparição possível            deste algo.  O interesse da fenomenologia não          é sobre a consciência ou sobre o objeto,                mas sobre a correlação entre ambos, que              surge da relação entre a consciência e o                objeto, deixando de lado qualquer          intenção de formular hipóteses ou          estabelecer inferências sobre o que é            percebido, de modo a permitir que o que                é percebido se mostre em seu modo de                aparecer.    (...) os filósofos tradicionais costumavam          começar por teorias ou axiomas abstratos,            mas os fenomenólogos alemães iam          direto à vida como a viviam a cada                momento. Deixavam de lado quase tudo o              que vinha alimentando a filosofia desde            Platão: enigmas sobre a realidade das            coisas ou sobre a possibilidade de            conhecermos com certeza alguma coisa          sobre elas. Esses fenomenólogos alemães,          em vez disso, ressaltavam que qualquer            filósofo que faça tais perguntas já está              inserido num mundo cheio de coisas —              ou, pelo menos, cheio de aparências de              coisas ou “fenômenos” (da palavra grega            que significa “coisas que aparecem”).          Então por que não se concentrar nesse              encontro com os fenômenos e ignorar o              resto? Não é necessário abandonar para            sempre os velhos enigmas, mas eles            podem ser postos entre parênteses, por            assim dizer, para que os filósofos possam              lidar com assuntos mais terrenos.          (BAKEWELL, 2017, 10p.)     Para proceder com o método          fenomenológico, é preciso praticar a          redução, ou a ​'epoché'​, termo grego que              significa abstenção ou suspensão do          juízo, de modo que colocamos todas as              nossas suposições, hipóteses ou        imaginações entre parênteses. Isso não          significa eliminar as pressuposições, mas          deixá-las de lado, para se abrir ao que se                  apresenta.  A redução fenomenológica      consiste em focar a atenção não nas              coisas, mas na experiência que          estabelecemos com as coisas, se          aproximando dos fenômenos tal como se            apresentam à consciência, despindo-se        de abstrações, ideias feitas, teorias e            hábitos. Neste sentido, fenômeno é tudo            aquilo que se apresenta à consciência,            seja este um objeto, uma situação, uma              imagem ou uma lembrança, real ou            imaginada.    O que é, então, uma xícara de café? Posso                  definir a bebida em termos da química e                da botânica da planta, acrescentar          resumidamente como os grãos são          cultivados e exportados, como são          moídos, como a água quente passa pelo              pó e então esse líquido é vertido num                recipiente de determinado formato, para          ser apresentado a um integrante da            espécie humana que o ingere oralmente.            Posso analisar o efeito da cafeína no corpo                ou abordar o comércio internacional do            café. Posso encher uma enciclopédia com            esses fatos e ainda assim estarei longe de                dizer o que é esta xícara de café em                  particular, à minha frente. Por outro lado,              se procedo ao inverso e invoco um leque                de associações puramente pessoais e          sentimentais. (...) essa xícara de café é um                aroma rico, ao mesmo tempo agreste e              perfumado; é o movimento indolente de            uma voluta de vapor erguendo-se de sua              superfície. Quando o levo à boca, é um                líquido que se move placidamente e um              peso dentro da xícara de bordas grossas              nov.2020 | ​ex-isto.com