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AUGUSTO DE FRANCO
ALGUMAS NOTAS SOBRE OS DESAFIOS DE
EMPREENDER EM REDE
Um depoimento pessoal
2
APRESENTAÇÃO
Durante o ano de 2015 resolvi empreender em rede para valer. Há muitos
anos venho fazendo tentativas, mais como experimentações para minhas
investigações sobre redes, que começaram no final da década de 1990.
Mas foi somente em 2015 que passei a depender financeiramente, em
grande parte, desses tipos de empreendimentos.
Ao mesmo tempo em que empreendíamos não parávamos um minuto de
conversar – eu e alguns amigos - sobre nossos empreendimentos
conjuntos em rede. Foram boas conversas. Como não tenho nenhuma
teoria geral sobre isso, da qual se pudesse inferir uma fórmula aplicável à
vida alheia, fui obrigado a partir da minha própria vida. O que valeu e vale
para mim, por certo, não valerá para outras pessoas. Mas a partir das
minhas próprias experiências posso chegar, quem sabe, a pensar em
situações homólogas e em suas implicações e consequências, pelo menos
para aquelas em que estou envolvido. Afinal, os humanos que vivemos há
seis milênios numa civilização patriarcal, não somos assim tão diferentes.
Saí de casa aos 22 anos. A partir daí já tive que arcar com meus gastos. Na
verdade comecei a trabalhar remuneradamente a partir dos 20 anos, mas
até àquela época nunca pensei muito em dinheiro. E, para falar a verdade,
nem depois. Fazia muitas coisas e delas tirava meu sustento - inicialmente
fui professor, depois dirigi organizações sem fins lucrativos, coordenei
programas de parceria entre governo e sociedade civil e, pasmem!, fui até
3
dirigente de partido -, mas sempre dediquei uma ínfima parte do meu
tempo ao trabalho remunerado (em todo tempo restante eu vivia
organizando coisas que não davam um tostão, morando sete anos numa
favela para fazer "trabalho de base", lendo e escrevendo e publicando
muitos livros). Só fui pensar em empreender alguma coisa lucrativa depois
dos 50 anos. Mesmo assim, nunca almejando enriquecer, mas apenas
sobreviver.
Devo dizer que tive imenso sucesso em termos pessoais (consegui
investigar e descobrir algumas coisas novas - pelo menos para mim - e
experimentar muitas outras que desejava). Mas para ter tanto sucesso em
meus empreendimentos pessoais nunca fui bem-sucedido em meus
poucos negócios. Nisso dei uma sorte danada. Já pensaram se tivesse me
transformado num Beto Sicupira ou num João Paulo Lemann? Não poderia
ter feito o que fiz e continuar fazendo o que faço, nem mesmo escrever
este pequeno texto.
As pessoas que associam sucesso nos negócios à virtude (o que raramente
é verdadeiro, mas faz parte da mentalidade de escravos e... de senhores
de escravos que são escravos dos escravos), têm dificuldade de entender
meu ponto de vista. Elas perguntam: mas você não gostaria de ganhar
bem, ter uma vida tranquila, segura, confortável e um futuro garantido,
não ter dívidas, viver de renda, poder comprar o que quiser, realizar seus
sonhos, viajar pelo mundo, enfim, ter tempo livre para fazer o que deseja?
Como decidi - a partir dos 45 anos - nunca mais trabalhar para alguém ou
me empregar em qualquer organização hierárquica, há 20 anos venho
atuando como palestrante, consultor e empreendendo para sobreviver.
Mas não tenho nenhuma ilusão de que meus empreendimentos me darão
4
uma vida extremamente confortável e sem preocupações financeiras, com
sobra de tempo para fazer outras coisas folgadamente. Mesmo porque,
que coisas seriam estas? O que faria com mais tempo livre (se todo meu
tempo já é livre, muito mais livre do que o do Gerdau ou o do André
Esteves)? E o que faria com mais recursos? Compraria um castelo? Um
barco? Um carro de luxo? Viajaria? Tiraria férias de um ano? Fumaria
charutos e jogaria golfe? Prá quê?
Sim, para quê tudo isso se eu não pudesse ser a pessoa que me tornei?
Gosto muito dessa pessoa desobediente que sou para trocá-la por
qualquer outra. Para ser esta pessoa que sou, emprego 90% do meu
tempo em atividades que não dão retorno financeiro: pesquiso sobre
redes e democracia, experimento configurar novos ambientes favoráveis
às redes distribuídas e à democracia como modo-de-vida, escrevo textos
que não vendem, faço netweaving gratuitamente, converso sem parar -
inclusive no Facebook - com qualquer um que queira realmente conversar
comigo e tento desconstituir hierarquia e autocracia, obcecadamente,
todos os dias e em todos os lugares em que elas se reproduzem (nas
escolas, nas corporações, nos partidos, nas empresas piramidais e
inclusive nos governos). Convenhamos, tudo isso não é muito compatível
com querer ficar rico.
Na juventude, estranhava muito esse pessoal que quer ficar rico. Na
minha época de universidade havia uns caras assim, mas o espírito do
tempo era outro e eles eram malvistos nos meios que eu frequentava.
Depois não tive mais problemas com isso. Quem quer ficar rico, que tente
ficar. O problema é o custo: como só alguns ficam, o caminho para a
riqueza almejada implica autocondicionamento para competição, luta
5
incessante e, não raro, impiedade. É difícil ficar muito rico sem expropriar
algum sobrevalor produzido por trabalho alheio, sem infligir
deliberadamente sofrimentos a outros seres humanos e - agora vem o
fundamental - sem erigir (ou trabalhar para manter e reproduzir)
organizações hierárquicas (basta ver como percorreram tal caminho os
empresários de sucesso que citei neste texto e... milhares de outros). No
Brasil, em particular, é muito difícil acumular uma grande fortuna sem
ajuda do Estado ou sem receber algum tipo de favorecimento político (o
que, na prática, é também um roubo de dinheiro do contribuinte). Quem
não acredita nisso deve estudar a história de nossas grandes fortunas.
De qualquer modo, o custo mais importante desse esforço para ficar rico é
um custo de alma. Você tem que vender uma parte da sua alma
(obedecendo a alguém ou mandando em alguém: é a mesma coisa). Para
ter mais liberdade no futuro - liberdade fornecida supostamente pelo
dinheiro - você tem que restringir sua liberdade no presente. Não pode
ficar fazendo coisas de graça a torto e a direito. Não pode ficar brincando,
se dedicando ao que não dá resultado, pelo simples prazer de fazer e se
comprazer na convivência com seus amigos (ou seja, não pode mais ser
criança). Não pode ficar criando coisas que nunca vão ter valor
econômico. Não pode gastar tempo desenvolvendo projetos ou
construindo protótipos de produtos que não vendem. Para ter sucesso,
você tem que ter claro o seu objetivo e se concentrar nele. Os outros são
importantes na medida em que podem ajudá-lo a alcançar seu objetivo; se
não podem, que se danem: cada qual cuide de si. Quando você começa a
pensar e a se comportar assim, uma parte da sua alma já morreu. Porque
sua alma é o outro em você.
6
Tudo que acontece, acontece em ambientes pré-configurados. A questão
é saber se vamos manter a configuração já existente, própria do mundo
hierárquico, ou se vamos reconfigurá-la.
Este livro é sobre isto. Todos os textos reunidos aqui foram publicados no
Facebook durante o ano de 2015.
Tomara que eles possam ajudar alguém que queira se aventurar em
empreendimentos em rede.
Campos do Jordão, 24 de dezembro de 2015
7
ÍNDICE
Embarcar Hakim Bey na Nabocodonozor
Reinstalar o sistema
Resistir à tentação de formar um grupo
Um papo que não enche barriga
A fronteira final
Uma dificuldade que é uma potencialidade
O desafio básico
Os custos invisíveis
Viver da rede
Determinante é como vive o sujeito
Por que temos que ficar sempre vendendo alguma coisa
Reconfigurar o ambiente
Uma síntese
Notas e referências
8
EMBARCAR HAKIM BEY NA NABUCODONOZOR
Uma parte considerável das conversas que mantive com os amigos e
amigas que empreendem comigo em rede foi sobre nosso projeto de
montar um cluster de inteligência colaborativa. Decidimos configurar um
ambiente em rede para ser uma espécie de usina de empreendimentos
inovadores. Descobrimos que isso é mais fácil de pensar e projetar do que
de fazer e que, para fazer isso realmente, seria necessário embarcar
Hakim Bey na Nabucodonozor. Explico.
Todo aglomerado de pessoas configurado segundo um padrão de rede
distribuída é capaz de ensejar algum tipo de swarm-intelligence
tipicamente humana (coletiva e colaborativa). Por que isso não acontece
com tanta frequência ou não é tão facilmente observável por nós? Por que
não realizamos nossas atividades em clusters de inteligência colaborativa?
Bem, em primeiro lugar, porque os aglomerados funcionais aos quais nos
conectamos não têm, em geral, uma topologia com altos graus de
distribuição. Coletivos de trabalho-empreendimento (empresas e grupos
de empreendedores, organizações da sociedade civil), estudo-investigação
(escolas, universidades, centros de pesquisa) e devoção (igrejas e outros
grupos identitários que se congraçam para realizar determinadas práticas
de conexão com realidades transcendentes), além, é claro, dos coletivos
parentais (famílias), são centralizados. Ora, quanto mais centralizada for a
rede, menos chances haverá de nela ocorrerem os fenômenos interativos
9
que estão implicados na emergência da inteligência coletiva, em especial
os múltiplos laços de retroalimentação de reforço ou feedback positivo, as
reverberações, o looping de progressão - não recursivo, o clustering
espontâneo, o swarming, o cloning e o crunching. A presença de campos
hierárquicos está sempre associada à déficits de empowerfulness. Dizendo
de outro modo: a produção artificial de escassez requerida pelo mando e
pelo comando-e-controle verticaliza o tecido social restringindo ou
condicionando fortemente as fluições. E as livres-fluições são uma espécie
de corrente circulatória do organismo coletivo capaz de inteligir e de
congruir tempestivamente, alostaticamente (quer dizer, de aprender).
Em segundo lugar por razões ambientais. Tentativas de formação de
clusters de inteligência colaborativa em ambientes adversos, com fluições
deformadas por centros com alta gravitatem, acabam não sendo bem-
sucedidas porque as perturbações no campo não permitem o tempo
necessário de interações para que um organismo social adquira uma
dinâmica própria capaz de se reproduzir (que é mais ou menos o que
chamamos de vida social ou convivência). Quando não há um "tempo de
interação" suficiente para que as pessoas possam viver a sua convivência,
não se forma nada; ou melhor, o que, mesmo assim, consegue se formar
rapidamente se desfaz também rapidamente, antes que recorra, volte
sobre si mesmo e adquira as características de um sistema estável. O nível
de complexidade necessário para que essa qualidade do campo que
chamei de empowerfulness se faça presente, exige funcionamento
repetido, comportamento iterado e isso não se consegue com equilíbrio,
por certo, mas é próprio de sistemas afastados do estado de equilíbrio,
porém estáveis.
10
Por isso essas coisas não costumam acontecer nos templos, nos palácios,
nas grandes organizações que replicam a Torre de Babel
(metaforicamente falando; mas para além da metáfora da Torre de Babel -
cuja interpretação mais óbvia é que as pessoas erigindo uma construção
vertical não se entendem por deficit de conversação - há um padrão que
se replica em grandes corporações, grandes organizações e, inclusive,
grandes edificações (onde o fluxo é necessariamente condicionado). Todas
essas coagulações de fluxos acabam exercendo uma gravitatem tão alta
que capturam as iniciativas que são intentadas no seu interior e, o que é
mais surpreendente, também na sua sombra.
Para usar uma imagem quase-poética, "na sombra do templo" não podem
florescer iniciativas altamente distribuídas, com pessoas altamente
conectadas e com dinâmicas altamente interativas. Nas grandes cidades
da civilização patriarcal, derivas da cidade-Estado-Templo que constituiu -
para usar uma boa expressão do matemático Ralph Abraham - "o
precedente sumeriano", vivemos, de certo modo, sempre dentro ou à
sombra de templos. O que quer que façamos é fortemente influenciado
por poderosas correntes que impedem o desenvolvimento de organismos
sociais que não repliquem o mesmo padrão dominante. É por isso que
quando organizamos qualquer iniciativa queremos logo centralizá-la,
escolhendo um presidente, um coordenador e um estamento gerencial e é
por isso que quando fundamos um grupo queremos logo definir suas
fronteiras identitárias antes da interação (estabelecendo regras, explícitas
ou tácitas, de pertencimento e fidelidade) e exigimos que as pessoas
deixem de ser o que são para assumir um nós organizacional ("vestindo e
suando a camisa"). E impedem porque não permitem o tempo-de-fazer
necessário para que esses organismos alcancem estabilidade. Novamente,
11
a hierarquia mata os embriões antes que eles se desenvolvam a ponto de
ganhar relativa autonomia.
Então vamos ver o que acontece. Pessoas se aproximam de pessoas para
desenvolver uma atividade conjunta com o firme propósito de colaborar
em rede distribuída. Ótimo. Mas aí, por algum motivo, as coisas não saem
bem como o planejado. Mesmo que as zonas autônomas temporárias
(aquelas TAZ imaginadas por Hakim Bey) sejam temporárias e todos
saibam disso (que serão sempre bolhas), o problema não é que elas
durem pouco e sim que elas não duram o suficiente (não só em termos de
tempo cronológico, mas em tempo-de-fazer) para ser autônomas. Não há
nada contra o temporário e sim contra o não-autônomo. Não pode existir
nenhum organismo social abaixo de certo grau de autonomia e não pode
ser alcançado esse grau de autonomia sem alguma estabilidade; e não
pode haver estabilidade se o ambiente estiver muito atravessado por
fluxos desorganizadores (não de uma ordem pregressa e top down e sim
da ordem emergente mesmo). Se não houver um tempo-de-fazer (que
não segue o tempo cronológico, mas é capaz de moldá-lo, contraí-lo ou
expandi-lo) suficiente, então a fenomenologia da interação implicada na
inteligência coletiva não se manifestará em qualquer cluster (mesmo que
seus membros tenham os mais firmes e legítimos propósitos
colaborativos).
São tantas coisas que... não dá! As pessoas são levadas pelas correntezas
(geradas por diferença de potencial de acumulação e fluição, quer dizer,
na verdade, geradas por escassez artificial). E aí não perduram numa
iniciativa para gerar uma nova Entidade social (a palavra, assim com
maiúscula, foi um achado de Jane Jacobs (1961) em Morte e Vida das
12
Grandes Cidades). De sorte que - para que tal não aconteça - é preciso
embarcar Bey na Nabucodonozor.
É mais ou menos como querer criar uma praça (um ambiente de
convivência regido pela dinâmica do commons) onde as pessoas apenas
trafegam, correndo esbaforidas de um lado para outro, descendo do
ônibus para pegar o metrô e vice-versa. Se as pessoas não pararem, não
sentarem para admirar a paisagem, não conversarem umas com as outras
recorrentemente, não se formará a praça. Porque a praça comum (uma
realidade social, não geográfica) não é o acidente físico ou o equipamento
construído, não é o logradouro dito público e sim um redemoinho no
espaço-tempo dos fluxos, uma região onde o campo tem uma assinatura
particular-comum.
Então, é isso que acontece em boa parte das iniciativas, quer pela primeira
razão, quer pela segunda. A primeira razão (óbvia) é a centralização da
própria iniciativa quando sabemos que só redes podem aprender, só redes
podem ser inteligentes. A segunda razão é a perturbação do campo onde
a iniciativa, mesmo distribuída, está sendo ensaiada. Nesse segundo caso
temos, sim, bolhas, mas que espocam mais rapidamente do que seria
necessário e não chegam a ser Small-Bangs criativos (sim, porque
criatividade é inteligência coletiva, mesmo quando se refrata em
indivíduos). Ou seja, no segundo caso não temos as famosas TAZ
(Temporary Autonomous Zone) do Bey, mas apenas TZ (porque não é que
não sejam temporárias e sim que não chegaram a ser autônomas). Eis o
ponto.
Agora cabe a cada um avaliar por que suas iniciativas em campos
deformados, seja dentro ou mesmo na sombra de centros com alta
13
gravitatem (família monogâmica, escola, universidade, igreja, quartel,
corporação, partido, empresa-hierárquica, organizações estatais e
assemelhadas) dissipam tanta energia para se manter ou geram tanta
entropia. Claro que você pode continuar tentando alcançar bons
resultados, achando que os animais serão melhorados pelo adestramento
que recebem no circo (como observou acidamente Nietzsche se referindo
à escola). Claro que você pode justificar tudo dizendo que se não se
adaptar a esses centros não terá como sobreviver para fazer coisas mais
bacanas e inovadoras. Pode até continuar criticando essas instituições-
armadilhas de fluxos para salvá-las delas mesmas (o que lhe exige, porém,
o pagamento de um tributo em tempo-de-fazer e, às vezes, uma atitude
genuflexória ainda que dissimulada).
Nada disso é um conselho para que você se retire para Zion ou para
alguma comunidade alternativa que finja que o que acontece fora dela
não é com ela. Não. É um convite para que você não seja um fornecedor
de energia para a Matrix. Você pode continuar embarcado na
Nabucodonozor, viajando pelos interworlds e entrando nos mundos
hierárquicos, até para ganhar a vida e tentar, de qualquer jeito, fazer
coisas interessantes. Mas tendo clareza das dificuldades de obter
resultados criativos em ambientes reprodutivos.
14
REINSTALAR O SISTEMA
Tenho dito aos meus amigos que para ver as coisas de outro modo, mais
compatível com uma sociedade em rede, é necessário reinstalar o sistema
(a expressão faz lembrar a música Admirável Chip Novo da Pitty, mas o
sentido, no caso, é um pouco diferente).
A questão de como fazer as coisas de modo distribuído e, mesmo assim,
não perecer numa sociedade ainda dominada por estruturas
centralizadas, não tem uma resposta pronta. As pessoas pensam: mas se a
cultura ainda reconhece e valoriza o que é centralizado, ao insistir em
fazer diferente não corremos sério risco de fracassar? A questão é real. O
problema é que ela inibe as tentativas de fazer diferente. Não
experimentamos o novo porque concluímos, em geral antes de
experimentar, que ele tem poucas chances de dar certo. Há sete anos
venho travando discussões com pessoas que dizem que não é possível
organizar as coisas em rede "no mundo real". E tenho constatado que as
pessoas que dizem que é impossível organizar iniciativas, lucrativas ou não
lucrativas, de modo mais distribuído do que centralizado, jamais tentaram
fazer qualquer coisa em rede.
O exemplo mais comum é o daquelas pessoas que dizem que são
obrigadas a organizar uma empresa ou entidade de modo tradicional em
virtude das determinações legais. Elas dizem isso porque não lhes ocorreu
que podemos organizar facilmente uma constelação de empreendimentos
15
ou iniciativas ativados por pessoas que têm, cada qual, sua própria
empresa e que o que eles chamam de empresa ou entidade pode ser
apenas o branding guarda-chuva sob o qual todos os empreendimentos
ou iniciativas em rede ficarão abrigados. É tão simples. É tão óbvio. Mas
tal ideia simplesmente não surge. Porque o sistema mental-social não foi
reinstalado.
Em princípio tudo que é feito de forma mais centralizada do que
distribuída pode ser feito de modo de modo mais distribuído do que
centralizado. Isso não vale, por certo, para qualquer época, mas pode
valer para a época em que vivemos (justamente esta época de mudanças
tão vertiginosas que configuram uma mudança de época). Há riscos, sem
dúvida! Mas o risco é inerente à aventura de inovar. Toda enterprise tem
mais chances de não achar do que de achar o caminho marítimo para as
Índias. Às vezes não acha mesmo, erra e... acaba descobrindo o Brasil.
Como não há fórmula, nem receita, o maior desafio é pensar diferente
para encontrar modos diferentes de fazer as coisas. Uma das pistas para
isso é deixar de pensar no mercado como conjunto de consumidores
(indivíduos) que se comportam estatisticamente de uma determinada
maneira e começar a pensar no campo (social), nas deformações do
campo e na assinatura do campo.
Por exemplo, todo mundo sabe que introduzir uma deformação no campo
gerando artificialmente escassez dá bons resultados para vender um
produto ou um serviço. Tem menos a ver com a qualidade do produto ou
serviço do que com a forma como ele é apresentado. É na forma que as
pessoas reconhecem a assinatura do campo e então valorizam o que está
sendo oferecido e pagam pela oferta.
16
Isso acontece porque os organismos sociais se sintonizam pela linguagem
(lato sensu, incluindo palavras e imagens), por um linguagear específico
(compreendendo modos, jeitos, trejeitos, protocolos) e, em suma, por um
modo de interagir. Tudo isso é assinatura de campo (ou revela uma
assinatura de campo). Na sociedade hierárquica, o que é apresentado
como escasso, raro, inédito e não poderá ser conseguido de outra forma,
deve valer mais. Compre agora ou você perderá a chance. Oferta especial
válida somente até o fim do estoque. Pague hoje ou não terá o desconto
de X%. Se você ligar agora ("Ligue Djá", hehe) ganhará uma recompensa
(ao comprar este magnifico liquidificador você levará de graça mais três
copos plásticos adicionais). No entanto...
Ainda que tudo isso seja uma evidência, suficientemente testada, não está
provado que outras assinaturas de campo não serão reconhecidas. Em
mundos sociais altamente conectados, as pessoas se comportam também
de modo diferente do esperado. As estatísticas que apoiam as estratégias
de marketing não conseguem captar comportamento emergente. Do
contrário poderiam prever o que seria capaz de atingir o tipping point e
vender exponencialmente (e elas nunca conseguem fazer isso,
felizmente). E como as pesquisas computam inputs de indivíduos, também
não dão conta da rápida clusterização que caracteriza o tecido social de
mundos de alta interatividade (as pessoas se agrupam e desagrupam em
torno de temas, estilos, modas, preferências e necessidades reais ou
imaginárias, numa velocidade jamais vista em nenhuma época da
história).
17
RESISTIR À TENTAÇÃO DE FORMAR UM GRUPO
Se queremos fazer em rede as coisas que fazemos para ganhar a vida, isso
implica, em primeiro lugar, resistir à tentação de organizar (ou pertencer
a) um grupo. Em 2011 escrevi um texto sobre isso: Resista à tentação de
pertencer a um grupo (1).
Dizer isto, porém, é mais fácil do que fazer (no caso, não-fazer). Porque se
começamos a nos comportar como um grupo (mesmo chamando-o de
rede), então é sinal de que não conseguimos resistir à tentação de
pertencer a um grupo.
Isso tem implicações nos negócios que estamos fazendo. Não é o grupo
que define os empreendimentos que fazemos, mas o contrário. Cada
empreendimento gera uma clusterização diferente e deve ser regido por
normas diferentes. Não há uma organização pairando acima de todos os
empreendimentos em que entramos. Cada coisa que fazemos é um
mundo social diferente que se configura, gera uma pessoalidade fractal
diferente e, portanto, deve ser regido por um acordo de convivência
diferente. O que nos dá identidade não é uma marca ou um nome
proprietário pré-existente e sim, de partida, uma sintonia fina e, depois,
uma sinergia própria que é característica de uma trajetória particular de
adaptações (se tal sinergia acontecer, pois não se pode saber se ocorrerá
antes da interação).
18
Ao não fazer um grupo estamos fazendo algo muito mais importante - e
arriscado - do que um grupo. Estamos mantendo a abertura para que a
organização emergente se forme em outro mundo (no espaço-tempo dos
fluxos, vamos chamar assim por ora), estamos impedindo que ela se
coagule no mundo do produzir. Mas isso só é possível se a sintonia de
partida já estiver dada (sem necessidade de explicação: se tiver que
explicar por quê, convencer, ganhar pessoas, já dançou! A pessoa que vem
é a pessoa certa, o que também pode ser entendido pela metáfora dos
sensates, da série recente dos Wachowskis: Sense8). Estão entendendo
realmente por que o primeiro passo - como dizia Krishnamurti - é o único
passo?
Para tanto, não precisamos concordar sobre qualquer conteúdo.
Empreendimentos em rede não são uma religião, uma sociedade ou
fraternidade, um grupo filosófico, político ou seja lá o quê. Um cluster de
inteligência cooperativa é uma ecologia de diferenças coligadas. Um
ecossistema que só pode existir com base no fato de que não aglutina
homogeneidades. O relevante aqui é o padrão que conecta.
A primeira implicação prática desse modo de fazer em rede é que não
podemos ter garantia de nada. Quem quer garantia, que arrume um
emprego. A garantia é sempre e somente a confiança. A confiança enseja
a aposta. Tudo é aposta. Ao dar um passo colocamos em ação forças que
não dependem mais apenas de nós.
Em termos práticos isso significa que vamos sempre negociar - os que
estão envolvidos em uma atividade - os termos em que se dará tal
atividade. Quem vai fazer o quê? Quanto cada um vai receber (ou não vai
receber) pelo que fez?
19
Mas as situações são sempre diferentes. Um mesmo fazer pode ter
valores diferentes: por exemplo, se for feito por uma pessoa que contribui
para a manutenção das estruturas físicas ou virtuais que são utilizadas
pelo empreendimento é diferente de se for feito por uma pessoa que não
contribui.
Empreendimentos em rede não podem ser baseados em divisão fixa da
receita líquida pelos que contribuem para o empreendimento. Cada caso é
um caso, ainda que se possa ter uma base geral para um mesmo tipo de
fazer ou para um mesmo conjunto de fazeres.
A divisão equitativa dos resultados é uma fórmula que não se aplica à
maioria dos casos. Ela tende a inviabilizar a sobrevivência dos
empreendedores: mais gente empreendendo significa menos receita para
quem empreende.
Em suma, empreender em rede não é fazer uma nova empresa e sim criar
um ambiente favorável ao surgimento de muitas enterprises sinérgicas e
sintonizadas com um determinado conjunto de temas que levou pessoas a
desejarem fazer certas coisas juntas.
20
UM PAPO QUE NÃO ENCHE BARRIGA
Tudo que for feito em rede mais distribuída do que centralizada será uma
bolha na sociedade hierárquica. A bolha é fugaz, mas tem que durar algum
tempo para ser capaz de gerar outras bolhas antes de desaparecer. Só
então você pode ir navegando de bolha em bolha. Mas se você desiste
muito depressa, volta para a Matrix. E o que é pior: às vezes sem sentir.
"Vamos mesmo arrumar um emprego mais fixo, que esse papo de rede
não enche a barriga de ninguém". Está certo, sob um ponto de vista. A
servidão voluntária pode dar a sensação de tranquilidade para os que
pensam: "Afinal, ainda não estou preparado para ficar inventando,
inventando e remando contra a maré. Agora, pelo menos, não é o meu
momento. Quero um pouco de sossego para acordar tarde, saborear com
calma meu café da manhã lendo o meu jornal preferido, passear na praça
com meus filhos, conversar despreocupadamente com as pessoas, abrir e
fechar as abas quando quero. Para tanto, não posso viver no desespero de
não ter meu dinheirinho garantido todo final de mês. Gosto até de falar de
redes e de experimentá-las. Depois do expediente".
O sistema funciona basicamente assim. Você pensa em fazer isso ou
aquilo diferente. Mas aí vê que não tem dinheiro. E se não fizer isso ou
aquilo (qualquer coisa diferente) não ganha dinheiro, porque não tem
acesso a mais fluxos (de relacionamentos em geral, compreendendo todos
os tipos de recursos: inclusive dinheiro). Então você não faz e continua
apenas mantendo o metabolismo basal de sua vida. Mas para que você
21
consiga suportar sua própria impotência, você se autoengana. E vai fazer
coisas legais, que não demandam muitos recursos. Essas coisas, porem,
não mudam a sua vida, porque em geral elas são feitas depois do
expediente. Você será sempre basicamente o expediente. Não poderá
realizar muitas ideias criativas. E o que é pior: não terá muitas ideias
criativas, porque as ideias também dependem dos fluxos de novos
relacionamentos.
22
A FRONTEIRA FINAL
Depois de alguns anos fazendo reuniões para conversar sobre redes
percebi que não saiam coisas concretas que vários fizessem juntos. Com
raríssimas exceções, cada qual continuava no seu quadrado quando o
assunto era, por exemplo, trabalhar ou empreender, enfim, ganhar a vida.
Todos adoravam compartilhar nas horas vagas (vagas no sentido de não
estarem ocupadas com o ganha-pão). Percebi que havia alguma coisa
errada aí.
Recentemente, em uma conversa coletiva por e-mail entre a galera que
está empreendendo no Laboratório da Escola-de-Redes, o Fernando
Baptista, disse o seguinte:
"Muita gente curte iniciativas em rede, mas poucas se dedicam a somar
dedicações com os outros: parece que a vontade está lá, mas é difícil partir
para o trabalho (é como se houvesse um bloqueio dessa emoção específica
que faz com que pessoas trabalhem juntas em algo). Não acho que este
bloqueio tenha a ver com um cálculo instrumental de retorno sobre
dedicação empreendida... acho que tem mais a ver com certo imobilismo
artificialmente criado, um programa implantado para bloquear emoções
que não sejam compatíveis com assinaturas de campo muito específicas
(aquelas "únicas" maneiras de trabalhar que efetivamente ‘dão certo’)".
23
Eu concordo com essa avaliação. É um programa mesmo. É claro que não
se pode desprogramar as pessoas à força ou de fora para dentro.
Empreender em rede parece ser a fronteira final que separa mundos
centralizados de mundos distribuídos. Fazer uma ou outra coisa
diletantemente em rede, tudo bem. Ir prá praça, tudo bem. Promover
saraus de poesia, tudo bem. E tudo isso é muito legal mesmo. Mas quando
o assunto envolve a sobrevivência, aí a coisa complica. Estou investigando
por quê, mas não posso achar outra resposta senão aquela que já dei no
livro Hierarquia (2): a Matrix existe. Ela deixa até você brincar de redinha,
mas não lhe deixa sair da máquina de produção e reprodução da vida
(quer dizer, de um modo-de-vida determinado) facilmente.
Para sair da Matrix, tem que desprogramar: é óbvio! Mas quando você faz
empreendimentos em rede, não pode exigir das pessoas que estão
empreendendo com você que façam qualquer coisa contra os seus
desejos. É claro que se você acreditou em uma pessoa que disse que iria
fazer alguma coisa com você, você contou com isso e essa pessoa desistiu
no meio do caminho (às vezes sem dar explicação razoável), isso é chato,
mas nada tem a ver com a rede e sim com outras coisas - como palavra,
compromisso, caráter e outras características consideradas individuais -
que não são variáveis relevantes para explicar o comportamento coletivo
(quer dizer, da rede). Quando isso acontece, porém, é quase certo que
deve haver algum problema na configuração do ambiente. E é possível
perceber uma assinatura de campo estranha, que em geral reflete
algumas funções (ou disfunções) de sinergia.
Por não perceber isso (que é preciso reconfigurar o ambiente), muitos
empreendedores fazem empresas hierárquicas: porque concluem que não
24
há outro jeito de obter o concurso continuado de várias pessoas em um
mesmo projeto. Eles pensam que só há uma maneira de manter a atenção
de muitas pessoas em um mesmo rumo, protegida dos ventos que sopram
de través, por um tempo suficiente para o empreendimento vicejar e essa
maneira é: condicionando ou disciplinando fluxos a partir de uma razão e
de um clima organizacional que dá aos colaboradores a segurança do
pertencimento e do acolhimento. Não é nem o dinheiro o fundamental
para tanto e sim a entidade que se forma, o cimento que une as suas
partes, às vezes os hormônios ou feromônios secretados pelo organismo...
Depois de milênios de cultura hierárquica, não se poderia esperar outra
coisa mesmo: as pessoas "precisam" disso (mais ou menos como um
viciado "precisa" da droga). Por isso também é tão difícil empreender em
rede.
Uma pessoa deve fazer o que deseja. Na ética netweaver não deve haver
cobrança ou outro tipo de constrangimento. É claro que ao fazer o que
deseja a pessoa vai construindo sua trajetória (que é mais ou menos o que
chamavam de destino) de acordo com seu caráter (e caráter é apenas
outra palavra para destino, ou seja, uma característica que também se
constrói: é a história fenotípica de suas adaptações sucessivas, sobretudo
os caminhos tomados diante das bifurcações, que leva alguém para um
destino ou outro). Todo destino é uma espécie de órbita. Quanto menos
livre, mais orbita uma pessoa. Se ela trapaceia, se autoengana chamando
de desejo o que faz por programação ou por obrigação (quer dizer, por
não ter coragem de se desprogramar ou de romper com uma obrigação), é
sinal de que está orbitando.
25
Em geral as pessoas orbitam - et pour cause - em torno de centros com
alta gravitatem (sejam pessoas ou instituições). Orbitam por medo de
ficar vagando no espaço-tempo dos fluxos, ao léu... Este é o medo da
liberdade (e a liberdade é a coisa mais terrível que há: não ter uma
referência, não ter alguém que lhe confirme, que lhe diga que está tudo
certo, que é assim mesmo).
26
UMA DIFICULDADE QUE É UMA POTENCIALIDADE
Os teóricos das redes e da democracia (não os novos teóricos da
autocracia disfarçados de teóricos da democracia que infestam as
universidades) são assim uma espécie de novos sofistas. Eles andam pelas
praças e pelos becos, conversam com quem os procura, conseguem falar e
ser ouvidos por muita gente, mas não conseguem manter pessoas
aglomeradas nos mesmos clusters por muito tempo. Seria contraditório,
pois em sociedades hierárquicas estruturas mais distribuídas do que
centralizadas são fugazes, são bolhas que duram apenas um tempo (aliás,
cada vez menor).
Você só consegue manter pessoas em um mesmo cluster se as fronteiras
tiverem alguma opacidade ou se as membranas selecionarem fluxos.
Jogadas no vento que sopra onde quer e que ninguém sabe de antemão
de onde vem ou para onde vai, as pessoas tendem a seguir fluxos
diferentes e as linhas de vida se separam. Só fica no mesmo lugar quem
não pode sair, quem depende de uma dinâmica particular e tem que se
sujeitar a uma estrutura hierárquica para sobreviver (do contrário, as
pessoas abandonariam as empresas em que trabalham) ou quem aceitou
que seu caminho para o futuro fosse pavimentado por uma crença (do
contrario sumiriam os fiéis de qualquer religião).
Essa é a dificuldade de manter organizações em rede que sejam
reconhecidas como organizações por organizações hierárquicas. Por isso a
27
rede não é um tipo de organização e sim um padrão. Essa dificuldade,
entretanto, é uma potencialidade para criar novos mundos.
28
O DESAFIO BÁSICO
Empreender em rede em um mundo hierárquico não é mais fácil e sim
muito mais difícil do que empreender hierarquicamente. A não ser que
mudemos a maneira de pensar.
Deixando de lado as narrativas legitimatórias de qualquer projeto bacana,
de qualquer ideia daora, de qualquer sonho fantástico, penso que talvez
seja preciso partir - nua e cruamente - da seguinte constatação: em um
campo hierárquico tudo conspira contra a distribuição. Pronto! Não
assumir isso dificulta a compreensão dos enormes desafios que estão
colocados diante de nós.
O desafio básico - sobre o qual venho falando em livros, artigos, vídeos e
programas os mais variados há mais de cinco anos - é sempre o mesmo:
não propriamente como viver em rede, mas sim como viver da rede?
Não vale ter sua fonte de sustentação e sobrevivência fornecida por
empreendimentos hierárquicos (ou pela renda financeira advinda de
negócios hierárquicos) e, nas horas vagas, ensaiar empreendimentos em
rede. Pois a questão aqui é como uma rede de pessoas pode se manter,
sobreviver ao menos, com empreendimentos em rede. Fazer o
proselitismo das redes enquanto se tem como pagar o aluguel, o
supermercado, a padaria, o plano de saúde, a farmácia e as dívidas com
dinheiro advindo das estruturas próprias do mundo hierárquico é mais
29
fácil. É como vender cosméticos da Natura depois do expediente para
complementar a renda.
E aí é o seguinte. Se você não vive numa comunidade de subsistência e
tem contas a pagar no final do mês, se não mora com a mamãe e o papai,
se não é sustentado por alguém (cônjuge, parentes ou terceiros), se não
tem um patrocinador (mecenas), se não tem emprego e salário fixo e nem
vive de renda, então - estando em uma sociedade mercantil - tem que
vender alguma coisa para sobreviver. Não há alternativa.
Para vender produtos ou serviços e viver disso você tem que colocar no
mercado vários produtos ou serviços. Não pode ficar esperando que vai
achar o produto espetacular ou o serviço mágico que vai bombar. Se você
faz isso em rede, várias pessoas têm que estar dedicadas a inventar,
prototipar, testar, produzir ou formatar e vender várias coisas ao mesmo
tempo. E, além disso, essas pessoas têm que viver disso. É difícil,
extremamente difícil. Porque as pessoas não estão acostumadas a fazer
várias coisas ao mesmo tempo. Os seres humanos somos, todos, multi-
tarefas, mas fomos programados para fazer cada coisa de uma vez (para
sair bem-feito tem que ser assim: é o que diz a gestão da reprodução no
mundo hierárquico).
Para um empreendedor individual, vá-lá! Mas para muitos que vão viver
das mesmas ofertas de produtos ou serviços, não dá. Neste caso, fazer
uma coisa de cada vez é o caminho certo para o precipício (e não no bom
sentido, daquele abismo que temos que pular mesmo se quisermos viver
em rede, mas no sentido de despencar na geena dos caídos, onde a
salvação será voltar ao passado e ser novamente recrutado para o
exército dos clones a serviço de alguma organização hierárquica).
30
Muitas pessoas raramente conseguirão sobreviver de um
empreendimento único, sobretudo de um produto único ou de um serviço
único. Para tanto, o preço de venda do produto ou serviço deveria ser
muito alto ou as vendas deveriam ser muito numerosas. Em ambos os
casos isso exige altos investimentos iniciais, infraestrutura robusta,
marketing intenso e um número grande de pessoas dedicadas a tarefas
específicas.
Com uma rede pequena (e toda rede voluntariamente articulada, na
prática, acaba ficando pequena, porque a interação recorrente clusteriza),
não há alternativa. A não ser que se comece a contratar doidamente
outras pessoas (como prestadores de serviços) ou a incorporar novas
pessoas (como parceiros) para fazer tudo que uma pequena equipe não
consegue fazer. No primeiro caso, o risco é altíssimo de o
empreendimento em rede acabar virando uma empresa hierárquica. Nos
dois casos teremos diminuição de receita per capita (mais contratados e
mais parceiros significam um denominador maior para dividir os
resultados). O que não resolve o problema de fazer do empreendimento a
atividade de sustentação das pessoas envolvidas.
É por esta razão (entre outras) que as pessoas fazem empresas
hierárquicas em vez de articular redes de empreendedores. Em rede - elas
pensam e com razão (considerando a forma como pensam) - não dá para
todo mundo ganhar o suficiente.
O problema parece insolúvel nas condições atuais: quer dizer, em mundos
em que os graus de separação não caírem para algo próximo de 3 ou
menos. A não ser que paremos de pensar hierarquicamente.
31
Quando fazemos um grupo proprietário para empreender em rede, já
estamos quase fadados a não empreender em rede. O grupo, a
clusterização que emerge da interação recorrente entre algumas pessoas
em detrimento de outras, já limita a força dos laços fracos, justamente
aqueles que podem ensejar a emergência dos fenômenos de rede.
Quando tudo vira laço forte, a maravilhosa incidência dos inputs
inesperados, advindas da interação fortuita, com o outro imprevisível, fica
diminuída. Há uma seleção negativa que reforça os de dentro em relação
aos de fora. Essa seleção é dita negativa porque é anti-adaptativa. Cria
fronteiras opacas em vez de membranas. Dificulta a alostase. Torna
qualquer empreendimento uma espécie assim de banco de germoplasmas
in vitro. Protegidos do fluxo, os grupos tendem a reproduzir passado: não
é outra a razão pela qual as organizações fechadas têm tanta dificuldade
de inovar...
Penso que a solução para isso não pode ser outra senão a seguinte: 1)
cada produto ou serviço é um empreendimento; e 2) cada
empreendimento é um grupo. Não há um grupo. Há muitos grupos. Com
muitos atalhos. Os atalhos são as pessoas. As mesmas pessoas devem
participar de muitos grupos com outras pessoas (e não apenas com as
mesmas pessoas, do contrário seria o mesmo grupo fazendo muitas
coisas).
Um mesmo grupo fazendo muitas coisas é forçado a racionalizar seus
investimentos, criando estruturas capazes de atender às várias demandas.
É o lógico. É o que parece a coisa correta a ser feita. É o que permite
planejar o que será feito amanhã (e não ficar desesperado improvisando a
cada momento, puxando gambiarras, tendo retrabalho et coetera). Mas...
32
Se caímos na tentação de montar infraestruturas, fábricas, lojas,
escritórios, sistemas, sites e equipes unificados para vários produtos ou
serviços em nome da eficiência (e de maiores ganhos futuros), então
vamos ter que arcar com os problemas próprios das iniciativas
centralizadas (justamente aqueles que exigem alto capital inicial) e que
são, basicamente (embora raramente sejam monetizados e assim
declarados): custos de transação, custos de sobre-esforço para alcançar
sinergias que não surgem espontaneamente (porque não deixamos) e
custos provenientes dos atritos de gestão. Esses três custos básicos são
capazes de inviabilizar qualquer iniciativa, a não ser que tenhamos como
pagá-los "por fora" (a partir da acumulação centralizada de recursos,
advindos dos investimentos dos owners, ou tendo que sacrificar o
presente em nome de um futuro de maiores ganhos... mas aí a iniciativa
não será mais em rede: os owners continuarão sendo owners, tipo assim
"cada um no seu quadrado").
É simples de entender: se centralizou significa que não distribuiu! Não vale
apenas para a gestão de pessoas. Vale para qualquer tipo de recurso.
Organizar uma empresa em rede pode reduzir três custos invisíveis (em
geral não computados nos balanços) que consomem boa parte dos
recursos de qualquer organização: custos de transação, custos de atrito de
gestão e custos de sinergia. Em geral, porém, para que isso aconteça é
preciso partir de um conceito de empresa múltipla (como constelação de
empreendimentos autônomos coligados) e não insistir no velho conceito
de uma mesma estrutura administrativo-produtiva que tenta controlar
vários empreendimentos. Como as pessoas que tentam fazer empresas
em rede não abrem mão do controle ou, pelo menos, de alguma
33
coordenação de todas as iniciativas antes que elas se sinergizem, os custos
de sinergia crescem ao ponto de anular os ganhos com a redução dos
custos de transação e dos custos de atrito de gestão. E aí concluem que
não dá certo. Elas não veem que a empresa em rede é um ambiente
favorável ao surgimento de várias enterprises sinérgicas (depois que essas
aventuras acontecem e se houver tempo suficiente para que elas possam
interagir entre si), mas não uma empresa no sentido tradicional do termo
(unitária), quer dizer, uma estrutura de poder para dizer o que vai ser feito
e o que não vai ex ante.
34
OS CUSTOS INVISÍVEIS
Empreendimentos hierárquicos têm altos custos, sobretudo custos
invisíveis. Chamei de custos invisíveis àqueles custos que em geral não
aparecem nos balanços, inclusive porque raramente são monetizados e,
muitas vezes, nem se imagina que eles existam. Esses custos invisíveis são,
basicamente, de três tipos: custos de transação, custos de sinergia e
custos de atritos de gestão.
1 - Custos de transação. Sobre os custos de transação já se sabe alguma
coisa, desde que Ronald Coase (1937) classificou esses custos em três
principais categorias:
a) custos de busca de informação: os custos incorridos para verificar se o
produto já existe em determinado mercado, para verificar qual o menor
preço oferecido no mercado ou para verificar a utilidade e a
funcionalidade do produto;
b) custos de barganha: os custos de se estabelecer, com o comprador, um
acordo que seja o mais justo possível; e
c) custos de policiamento: os custos incorridos ao garantir que o
comprador cumpra o acordo da transação e de tomar as providências
adequadas caso haja uma ruptura do acordo por parte deste (3).
35
Mas é claro que existem outros custos de transação que não cabem bem
nessas velhas categorias, como os custos de transação interna decorrentes
de descumprimento ou desfuncionalidade dos contratos de trabalho.
Ademais, é preciso ver que quando Coase escreveu o célebre The nature
of the firm (há 78 anos) o ambiente era radicalmente diferente: em 1937 a
expectativa média de vida das empresas era de 75 anos e hoje é de menos
de 15 anos (4) e não se sabia direito (na verdade ainda não se sabe) qual a
relação entre os custos de transação e a sustentabilidade de uma
empresa. Apenas um exemplo para ilustrar a ampliação do conceito de
custo de transação: a empresa não adota uma plataforma de rede (uma
ferramenta virtual, funcionando em tempo-real ou sem-distância) para a
gestão - e a execução - do trabalho remoto por temer que o empregado
entre na justiça exigindo pagamento de horas-extra com base na alegação
de que trabalhou virtualmente em casa depois do expediente e ao não
fazer isso desaproveita a imensa potencialidade do seu capital humano. A
redução das possibilidades de aproveitar o capital humano da empresa
diante das restrições (reais ou imaginárias) da legislação trabalhista,
também é custo de transação. Observa-se que os custos de transação
interna aumentam quando há custos de sinergia e custos de atrito de
gestão.
2 - Custos de sinergia. Sobre os custos de sinergia, sabe-se muito pouco.
Esses custos estão relacionados ao sobre-esforço que se faz para alcançar
sinergias que não surgem espontaneamente, em geral porque o padrão de
organização e os modos de funcionamento da empresa não deixam.
Caixinhas fechadas, departamentos que não se comunicam, pessoas que
não conversam, excesso de competição interna, verdadeiros feudos
conformados por vice-presidentes, diretores e gerentes - tudo isso
36
dificulta a sinergia. E quando a sinergia é baixa, várias pessoas,
departamentos ou aéreas acabam fazendo a mesma coisa, contratam
consultores diferentes para projetos que têm o mesmo objetivo ou
objetivos congruentes, não compartilham as avaliações sobre os
resultados positivos e negativos de suas iniciativas et coetera. Tudo que
dificulta a sinergia espontânea é custo de sinergia:
=> Estamos falando da falta de conexão banda larga de qualidade
acessível em toda empresa.
=> Estamos falando de dispositivos móveis de conexão e de programas de
mensagens instantâneas (como o Whatsapp) e das mídias sociais (como o
Facebook) que não são liberados (e, quando são, não são usados para a
interação (dos empregados entre si e da empresa com o público).
=> Estamos falando da falta de espaços livres e de ambientes
compartilháveis (e de espaços de não-trabalho nos locais de trabalho; e,
ainda, da escala e da feição não-humanas dos ambientes físicos) dentro da
empresa.
=> Estamos falando do excesso de reuniões presenciais de alinhamento e
da falta de plataformas de rede para todo o fluxo de gestão.
=> Estamos falando da não-adoção de processos de rede voltados à
inovação, como o crowdsourcing, a open innovation, a interactive co-
creation.
=> Estamos falando da falta de estímulos e incentivos ao
empreendedorismo (interno e externo) dos colaboradores.
37
=> E estamos falando da não adoção do trabalho por projeto (em que os
trabalhadores são também empreendedores associados em comunidades
de projeto).
Os óbices à sinergia que deveria brotar espontaneamente das relações
entre as pessoas empregadas na empresa e seus stakeholders externos
são sumidouros de recursos que, se fossem monetizados, calculados e
incluídos no balanço de uma empresa, escandalizariam os seus donos ou
acionistas e deixariam o conselho de administração e o CEO em sérias
dificuldades. Mas os custos de sinergia são também, em parte, custos de
atrito de gestão.
3 - Custos de atrito de gestão. Sobre os custos de atrito de gestão - os
maiores de todos os custos invisíveis - já se tem, de fato, a desconfiança
de que eles existem, mas em geral as pessoas evitam olhar para o
problema, preferindo achar que esses custos são inerentes à qualquer
organização: um preço inevitável a pagar (e que deve ser pago sem
reclamação). Esses custos são decorrentes do modelo de gestão baseado
em comando-e-controle. Eles são custos altíssimos para manter um
padrão de organização hierárquico regido por modos de regulação
autocráticos (para verticalizar o tecido social da empresa é necessária uma
operação constante e um gasto intensivo em energia não-produtiva).
O padrão de organização mais centralizado do que distribuído obriga os
fluxos (de informações, objetos e pessoas) a passar por caminhos únicos,
pré-traçados, não raro dando voltas e mais voltas: quanto maior o
percurso, obviamente, maior o atrito. Mais energia dissipada: que não
produz luz, só calor! A falta de múltiplos caminhos (quer dizer, de redes
internas à empresa e ao seu ecossistema ou a pouca "vascularização do
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organismo") aumenta incrivelmente o atrito de gestão e o seu respectivo
custo:
=> Estamos falando daquele memorando que desce para o segundo andar,
sobe para o quinto andar e vai parar no terceiro andar antes que a ação
que deveria ser executada se realize.
=> Estamos falando dos colaboradores que só podem entrar por um lugar
determinado e sair por outro lugar também determinado, tendo que
passar por cancelas, catracas, portões eletrônicos.
=> Estamos falando dos computadores, infectados pela TI e pela
Segurança da Informação com programas maliciosos, que caem de 5 em 5
minutos e obrigam o usuário a digitar novamente login e senha e que dão
um aviso que serão desativados 5 minutos antes do final do expediente.
=> Estamos falando do aprisionamento de corpos (a proibição do trabalho
remoto: a exigência de presença física, indistintamente, de todos os
colaboradores, para atividades que não requerem presença física) em um
mundo que já abandou o feudalismo há vários séculos.
=> Estamos falando dos controles feitoriais (empregados que não
produzem encarregados de vigiar e punir os que produzem), em um
mundo em que o escravismo como modo de produção já foi abolido há
mais de um século.
=> Estamos falando da organização vertical ou da organização dita
"matricial", que aliena os trabalhadores (que, a rigor, não sabem bem o
que estão fazendo) e, novamente, da não adoção do trabalho por projeto.
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=> Estamos falando da falta de democracia na empresa - isto mesmo:
democracia! Em um mundo que já abandonou há mais de um século a
monarquia (absolutista), as empresas ainda são, em boa parte,
monárquicas.
Estamos falando, enfim, de todos os mecanismos e procedimentos que
são adotados para compensar ou "corrigir" (como se isso fosse possível) a
falta de confiança (ou o baixíssimo capital social interno da empresa e do
seu ecossistema) e esses mecanismos e procedimentos que aumentam o
atrito de gestão, não raro também impedem a emergência espontânea da
sinergia e, diretamente ou indiretamente, oneram a gestão (aparecendo
também, portanto, como custos de sinergia e custos de transação).
Sim, é preciso cortar os custos. Mas se fôssemos monetizar e somar os
custos de transação, os custos de sinergia e os custos de atrito de gestão,
veríamos que eles são tão grandes, mas tão absurdamente grandes, que
deveriam ser os primeiros a ser cortados. Cortar pessoal pode ser
necessário, mas demissões capazes de ter um impacto significativo (de 10
a 20% dos funcionários, quando isso é possível) não representam uma
economia tão grande quanto reduzir uma pequena parte dos custos
invisíveis. E - o que é pior - não é uma solução que alcança a raiz do
problema.
Porque mesmo com pessoal reduzido, os custos invisíveis continuarão.
Aliás, em geral, eles até tendem a aumentar. Pois menos gente fazendo as
mesmas coisas:
a) estressa todo mundo, instaura o pânico para bater metas, gera
desavenças entre dirigentes e subordinados, aumenta a competição entre
40
subordinados (que querem mostrar serviço para não ser demitidos na
próxima leva), acarreta um declínio do capital social interno da empresa
(quer dizer, derrui a confiança) aumentando os custos de transação;
b) reduz o tempo livre dos colaboradores para se relacionar e para criar,
diminuindo a interatividade e, consequentemente, a inovatividade da
empresa e aumentando os custos de sinergia; e
c) obriga a mais comando e mais controle e esse superavit de ordem top
down aumenta inevitavelmente os custos de atrito de gestão.
Investigadores da nova ciência das redes que vêm aplicando processos de
rede em empresas estão chegando à conclusão de que é necessário, para
as empresas que querem durar mais, tomar a decisão de começar a cortar
os custos invisíveis. E que é possível fazer isso, sobretudo em momentos
de crise como o que estamos vivendo (quando as empresas ficam
tentadas a adotar a solução que parece mais fácil e mais garantida: cortar
pessoal). Isso, é claro, exige uma transformação mais profunda. Mas não
há outro jeito. Empresas que querem durar mais (e atravessar as crises)
têm que ser empresas capazes de se transformar mais.
Empreendimentos empresariais terão tanta dificuldade de fazer isso
quanto mais sua estrutura for hierárquica e seus modos de regulação
forem autocráticos. Uma das vantagens (se se puder falar assim) de
empreendimentos em rede é a redução drástica dos custos de transação,
dos custos de sinergia e dos custos decorrentes dos atritos de gestão.
41
VIVER DA REDE
Se Albert Einstein (antes de virar pop star por ter aparecido
exaustivamente na mídia broadcasting) tentasse ganhar a vida assim
como eu ganho, produzindo intelectualmente e tentando vender produtos
e serviços decorrentes de suas investigações, é absolutamente certo que
iria à falência. Por isso não só ele, mas quase todos os que trabalham na
produção de conhecimento novo, desbravando fronteiras em qualquer
área de investigação, são empregados e têm salário (e outras garantias). O
mesmo valeria para Dewey, Arendt, Foucault, Barabási ou Watts... e
milhares de outros. Em geral são funcionários de alguma universidade. Ou
são financiados por outra instituição hierárquica qualquer. Não têm que
se preocupar muito com o que vão comer amanhã, como vão pagar o
aluguel e como sobreviverão quando suas forças se esgotarem.
Por outro lado, os que vivem por conta própria, da venda de seus
produtos e serviços, vendem mais do mesmo. Vendem o que os
compradores querem ouvir (e os compradores só querem ouvir o que
conhecem, o que acham que funciona porque deu certo em algum lugar).
Dizendo de outro modo: inovações dificilmente vendem até virar
reprodução. Não me venham com esse papo do marketing de que as
pessoas compram o que (acham que) é útil para elas, o que vai resolver o
seu problema. No que tange a produtos de conhecimento, em geral, não
compram. Pessoas e organizações compram somente o que acham que
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podem comprar sem mudar a sua vida, seus padrões de relacionamento e
sua forma de se organizar. Então, se você diz: "Olha, isso vai mudar o
modo como você convive"; ou, "Veja, esse programa vai alterar a
estrutura e a dinâmica da organização que você usa para ganhar a vida",
então elas preferem não arriscar.
Os malucos que insistem em investigar, descobrir, inventar e, ao mesmo
tempo ganhar a vida sem a proteção, o patrocínio ou o financiamento de
uma organização hierárquica, têm que viver navegando nos esgotos da
Matrix, sempre procurando, com sua Nabuconozor, alguma brecha no
sistema. É uma vida de aventuras (e desventuras) em que nunca há
garantia de estabilidade. Jeanne Marie Gagnebin nos conta que depois de
renunciar à sua carreira acadêmica, Walter Benjamin assume, a partir de
1925, "essa existência de "freier Schiriftsteller” (“escritor livre”) na qual a
liberdade tem geralmente por preço a pobreza, às vezes a miséria". Vale a
pena? Não sei dizer. Depende do que cada um sente e deseja. Eu já não
poderia viver de outro modo.
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DETERMINANTE É COMO VIVE O SUJEITO
Quando as pessoas conversam sobre redes - viver em rede, viver da rede -
é necessário prestar atenção às diferenças de perspectivas.
Sem fazer qualquer juízo de valor, vejamos alguns exemplos de
perspectivas diferentes:
1 - A perspectiva de quem não tem emprego é completamente diferente
da perspectiva de quem tem a segurança de um salário (mesmo pequeno)
no final do mês, férias, décimo-terceiro e outros benefícios (como plano
de saúde e, às vezes, aposentadoria especial).
2 - A perspectiva de quem não tem renda (ações, capital investido,
propriedades produtivas ou potencialmente produtivas, poupança e
outros ativos que sirvam como garantias reais para tomar crédito) é
completamente diferente da perspectiva de quem tem algum tipo de
renda (e sabe que pode se dedicar a uma enterprise que não vão lhe faltar
condições de sobrevivência no curto ou no médio prazos).
3 - A perspectiva de quem tem que viver somente dos seus próprios
empreendimentos (e é obrigado a vender continuamente produtos ou
serviços para pagar suas contas diárias, semanais e mensais) é
completamente diferente da perspectiva de quem é sustentado por
alguém (ou, pelo menos, conta com a ajuda de alguém - cônjuge, pai, mãe
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ou outros parentes ou benfeitores - para as despesas do dia-a-dia ou para
dar aquele apoio num momento de necessidade).
4 - A perspectiva de quem observa, investiga, gera explicações, escreve e
publica por conta própria e/ou com seus amigos é completamente
diferente da perspectiva de quem está abrigado em uma instituição que
financia, apoia, fornece condições materiais, remunera o ócio criativo e
ainda valida de modo diferencial a produção intelectual de seus membros.
Em suma:
5 - A perspectiva de quem não pertence a um grupo (família, entidade ou
instituição) e depende da volatilidade dos laços fracos para realizar
qualquer iniciativa conjunta é completamente diferente da perspectiva de
quem pertence a uma organização proprietária e fechada e pode contar
com o apoio de laços fortes de identidade, que selecionam os "de dentro"
de modo diferenciado em relação aos "de fora".
Os discursos, as preferências intelectuais, os incômodos com a sua
situação atual, não mudam a perspectiva do sujeito. Não é determinante o
que ele pensa, deseja ou como gostaria de viver e sim como ele vive.
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POR QUE TEMOS QUE FICAR SEMPRE VENDENDO
ALGUMA COISA
As alternativas são simples numa sociedade mercantil: a) ou você é
sustentado por alguém, recebe algum tipo de renda ou financiamento,
ganha um salário; ou, b) tem que vender alguma coisa para sobreviver. Em
geral os que ganham salários são pagos por alguém que recebe algum tipo
de renda ou financiamento, arranca compulsoriamente dinheiro das
pessoas via impostos ou vende alguma coisa.
Os que recebem salários de organizações que vivem de impostos
costumam achar que sua fonte de renda é mais nobre do que se
vendessem produtos ou serviços. Acadêmicos, por exemplo, têm certa
alergia ao mercado: acham meio indigno sair por aí vendendo qualquer
coisa. Mas eles só podem fazer isso porque, no final do mês, está
garantido que terão como pagar o aluguel e o supermercado, a padaria e a
farmácia, a escola dos filhos e o dentista e o psicanalista Quem não tem
tal garantia tem que se virar vendendo alguma coisa. Do contrário vai
parar embaixo da ponte (se não tiver o papai e a mamãe para acolhê-lo).
Os que recebem salário em geral não estão contentes com seu emprego.
Mas preferem viver reclamando do tipo de trabalho que fazem do que
empreender por conta própria e ter que vender alguma coisa. Gostariam
de ser financiados para fazer o que realmente desejam. Mas quem poderá
financiá-los sem receber algum tipo de renda, sem arrancar
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compulsoriamente dinheiro das pessoas via impostos ou sem vender
alguma coisa? Por outro lado, ao ter a garantia do salário fornecido por
um emprego em que estão descontentes, as pessoas perdem importantes
parcelas de sua liberdade que é a fonte de toda criatividade. Ao não
poderem se jogar no fluxo criativo (porque sua agenda fica, em grande
parte, controlada por seus empregadores) essas pessoas ficam menos
alegres e menos felizes. Ademais, ao criar menos, elas ficam diminuídas de
humanidade.
Estão entendendo por que eu e vários amigos temos que ficar sempre
vendendo alguma coisa? É porque não somos sustentados por ninguém,
não recebemos qualquer tipo de renda ou financiamento e não ganhamos
salário.
Platão, desonestamente, acusava Protágoras (e os sofistas em geral) de
vender seus conhecimentos para os jovens atenienses (na verdade eles
vendiam seu tempo, na forma de cursos livres, sobretudo de retórica
prática: uma habilidade exigida para interagir na Ecclesia, a instância
participativa da Polis, quer dizer, da comunidade política democrática
nascente). Os sofistas - que, como se vê, não por acaso, participaram
decisivamente da primeira invenção da democracia - precisavam (e
queriam) fazer isso para sobreviver. Platão não precisava: era um
aristocrata (e um autocrata, um inimigo da democracia). Hoje os que se
sustentam com o salário da universidade (e toda academia é platônica)
também não acham de bom tom que pessoas como eu e alguns amigos
vivam vendendo cursos e programas de aprendizagem. Nas alfândegas
ideológicas em que se transformaram certas áreas da universidade,
campeia certo preconceito contra o empreendedorismo e o livre-mercado
47
(que confundem, tolamente, com capitalismo, quando o capitalismo - não
o dos livros que escrevem, mas o realmente existente - é justamente o
contrário). Quem tem proventos garantidos por uma instituição
hierárquica (quer dizer, sacerdotal: e todo sacerdócio é professoral, é uma
burocracia do ensinamento) não precisa fazer isso. Mas nós, os sofistas, os
livre-discentes de hoje, precisamos (e queremos, na medida em que não
queremos ser sustentados por organizações hierárquicas). Então devo
dizer, à Platão e seus descendentes, que sinto muito. Vamos continuar
vendendo.
48
RECONFIGURAR O AMBIENTE
Como eu sei com quem devo interagir para promover iniciativas
conjuntas? Sintonia! Se tiver que explicar muito, convencer, insistir...
babau! Como eu sei se está dando certo o que fazemos juntos? Sinergia!
Se espontaneamente as coisas fluem, as habilidades e competências se
complementam sem sobre-esforço adicional de planejar, administrar e
cobrar... legal!
Sintonia e sinergia. Um empreendimento em rede só surge quando
trajetórias de vida (ou histórias fenotípicas) de três ou mais pessoas se
cruzam por sintonia. A sinergia pode ensejar que essas pessoas continuem
fazendo coisas juntas. Se a sintonia desaparece as linhas de vida se
afastam. E não há muito jeito de reverter isso. Mas se a sinergia apresenta
disfunções, há, sim, o que fazer: reconfigurar o ambiente.
Reconfigurar o ambiente. Tem a ver com os fluxos. E com os caminhos.
Mudanças nos ambientes físicos e virtuais têm reflexos nos caminhos e
nos fluxos. Mas o fundamental são as pessoas. Só um fluxo entrante de
novas pessoas pode alterar completamente a configuração do ambiente.
Interação sempre entre as mesmas pessoas gera circularidades
cristalizadoras que produzem escassez e, mais cedo ou mais tarde, "nós"
organizacionais que opacam, ossificam ou hierarquizam as iniciativas.
Quando coagula, tem que dissolver (Solve & Coagula), do contrário as
bolhas ficam quebradiças. Mas o outro-imprevisível é o solvente (Solve).
49
Pessoas. As pessoas são os caminhos. Tudo que não for pessoa é entidade
abstrata. Os projetos devem estar mais identificados com as pessoas que
os promovem do que com qualquer marca designativa de uma entidade
abstrata. As pessoas se aproximam umas das outras a ponto de iniciarem
um projeto conjunto por sintonia. A configuração do campo que formam é
função da sinergia.
Aumentar os graus de distribuição. Os ambientes físicos e virtuais devem
ser distribuídos. Vários espaços, várias plataformas, várias mídias. Cada
pessoa pode ter seus próprios espaços, suas plataformas, suas mídias. Os
projetos estarão onde estiverem (física ou virtualmente) as pessoas
(interagindo). Várias vizinhanças colaborativas podem ser constituídas e
desconstituídas.
Impermanência. Acompanhar a vida nômade das coisas. Nada deve ser
pensado para durar para sempre. Tudo dá certo enquanto dura (e só dura
enquanto houver sinergia). Pode-se reconfigurar os ambientes, mas nem
sempre se deve espichar a duração do que terminou. São bolhas.
50
UMA SÍNTESE
1 - Cada projeto, um empreendimento.
1.1 - Um projeto vira um empreendimento coletivo por sintonia (sem
necessidade de muito convencimento e de recrutamento: entra quem
deseja, quem achou legal).
2 - Cada empreendimento, uma comunidade de projeto autônoma.
2.1 - Comunidades de projeto autônomas fazem sua própria curadoria e se
administram a si mesmas por sinergia (a maximização da sinergia
compensa os custos de transação e os custos dos atritos de gestão).
3 - Comunidades de projeto podem se articular em rede com outras
comunidades de projeto a partir de desejos congruentes, visões,
propósitos e agendas compartilhados.
3.1 - Comunidades de projeto conectadas em rede podem "se abrigar" sob
um mesmo branding, se houver sinergia entre elas. Isto é o que podemos
chamar de empresa em rede: a empresa como ambiente favorável à
enterprising, baseada na aventura de empreender e não na estrutura de
poder.
3. 2 - Comunidades de projeto em rede que adotam um mesmo branding,
não podem criar uma única estrutura obrigatória (seja física ou virtual)
para todos os projetos, que seja operada centralizadamente por alguns.
Neste caso ocorrerá, inexoravelmente, produção de escassez e a rede,
51
mais cedo ou mais tarde, se hierarquizará (com alguns tendo poderes
regulatórios aumentativos em relação aos demais).
3. 3 - Se queremos fazer empreendimentos em rede, os meios devem ser
múltiplos e distribuídos (vários meios: várias sedes, várias lojas, várias
plataformas). Cada comunidade de projeto adotará os meios que
conseguir operar sem depender de instâncias ou atores externos.
3. 3. 1 - Não pode haver uma comunidade de projeto cujo projeto seja
administrar todas as comunidades de projeto conectadas sob o mesmo
branding. Este projeto não será válido se a rede for mais distribuída do
que centralizada.
Em suma:
A rede só existe enquanto as pessoas estão interagindo. Além da sintonia
geral que ensejou a formação da rede, a continuidade das iniciativas
dependerá da sinergia alcançada em cada comunidade de projeto e entre
as diferentes comunidades de projeto. Dentro do escopo estabelecido,
qualquer pessoa pode propor um novo empreendimento, pode entrar em
um empreendimento já existente (se for aceita pela comunidade de
projeto respectiva) e pode sair quando quiser (ela prestará contas
unicamente às comunidades de projeto a que se conectou).
Várias redes são assim acionadas. Cada parceiro é um nodo da rede. Todo
nodo da rede vira um possível ponto de transações e de criação, produção
e consumo, evocando uma nova economia em rede distribuída. Lembra
um pouco, como disse o Fernando Baptista, a dinâmica do Bitcoin e do
Ethereum, em que cada pessoa que disponibiliza parte de seu computador
52
para armazenar/processar as transações recebe moedas em troca,
possibilitando assim a coisa funcionar de maneira completamente
distribuída (sem necessidade de um servidor ou de capacidade de
processamento instalada).
A rede que promove tudo isso não pode ser uma organização proprietária,
uma empresa, uma cooperativa, uma ONG ou assemelhadas e sim uma
constelação de empreendimentos sinérgicos tocados voluntariamente por
pessoas que se sintonizam e desejam fazer coisas juntas (lucrativas e não-
lucrativas) em rede.
É da própria natureza de rede distribuída de pessoas ter vários meios,
várias plataformas, vários serviços. Não há vantagem em sistemas
integrados de vez que a integração pode ser feita por cada comunidade de
projeto que toca um empreendimento. Quem precisa de planejamento e
integração (para não gerar sobretrabalho) são organizações centralizadas.
Pois havendo distribuição, desconstitui-se o conceito de sobretrabalho (de
vez que não recai sobre os mesmos as mesmas funções repetitivas).
De novo: muitos meios, muitos caminhos, muitas possibilidades de
serviços associados: este é o único ponto do qual não podemos abrir mão
se queremos, de fato, empreender em rede.
53
UM PROBLEMA NÃO RESOLVIDO
Empreender em rede é legal e coisa e tal, mas consome o nosso tempo e
as nossas energias. E às vezes não temos esse tempo.
Posso dar o meu depoimento pessoal.
Com a trilogia Fluzz (2011), Small Bangs (2012) e Hierarquia (2012), criei
um problema para continuar escrevendo: o que dizer, de mim, além?
Escaparam, talvez, o A Terceira Invenção da Democracia (2013) e o
inconcluso, até agora, A livre-aprendizagem na sociedade-em-rede (2015).
Mas o que escapou apenas desdobrou ou desenvolveu: aplicou, não
fundou. Para refundar precisaria pular de novo no abismo: investigar as
relações entre alma e rede, além-do-último-Hillman. Uma parte de mim já
está lá. Outra parte é puxada diariamente para aplicar, vender, sobreviver.
Esse esgarçamento é phodda, mas se fosse sustentado por alguma
organização hierárquica, aí é que não pularia mesmo. Ninguém ganha
impunemente um salário. A segurança de um dinheirinho certo no final do
mês para pagar as contas tem um preço: você tem que pagá-lo com um
pedaço da sua alma (em outras palavras, tem que depositar - ou congelar -
parte da sua liberdade para criar). Se não fizer isso, ficará devendo ao
sistema. Fico devendo. Fuck the system.
54
NOTAS E REFERÊNCIAS
(1) FRANCO, Augusto (2011): Resista à tentação de pertencer a um grupo.
(2) FRANCO, Augusto (2012): Hierarquia: explorações na Matrix realmente
existente.
(3) Cf. COASE, Ronald (1937). The Nature of the Firm. Economica, New
Series, Vol. 4, No. 16. (Nov., 1937), pp. 386-405. London: London School of
Economics and Political Science, 1933. Disp. in http://goo.gl/Ruzb1F
(4) Cf. Resultados do levantamento de 2011 sobre expectativa média de
vida das empresas na base das 500 Standard & Poors.

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Desafios de empreender em rede e configurar ambientes de inteligência colaborativa

  • 1. 1 AUGUSTO DE FRANCO ALGUMAS NOTAS SOBRE OS DESAFIOS DE EMPREENDER EM REDE Um depoimento pessoal
  • 2. 2 APRESENTAÇÃO Durante o ano de 2015 resolvi empreender em rede para valer. Há muitos anos venho fazendo tentativas, mais como experimentações para minhas investigações sobre redes, que começaram no final da década de 1990. Mas foi somente em 2015 que passei a depender financeiramente, em grande parte, desses tipos de empreendimentos. Ao mesmo tempo em que empreendíamos não parávamos um minuto de conversar – eu e alguns amigos - sobre nossos empreendimentos conjuntos em rede. Foram boas conversas. Como não tenho nenhuma teoria geral sobre isso, da qual se pudesse inferir uma fórmula aplicável à vida alheia, fui obrigado a partir da minha própria vida. O que valeu e vale para mim, por certo, não valerá para outras pessoas. Mas a partir das minhas próprias experiências posso chegar, quem sabe, a pensar em situações homólogas e em suas implicações e consequências, pelo menos para aquelas em que estou envolvido. Afinal, os humanos que vivemos há seis milênios numa civilização patriarcal, não somos assim tão diferentes. Saí de casa aos 22 anos. A partir daí já tive que arcar com meus gastos. Na verdade comecei a trabalhar remuneradamente a partir dos 20 anos, mas até àquela época nunca pensei muito em dinheiro. E, para falar a verdade, nem depois. Fazia muitas coisas e delas tirava meu sustento - inicialmente fui professor, depois dirigi organizações sem fins lucrativos, coordenei programas de parceria entre governo e sociedade civil e, pasmem!, fui até
  • 3. 3 dirigente de partido -, mas sempre dediquei uma ínfima parte do meu tempo ao trabalho remunerado (em todo tempo restante eu vivia organizando coisas que não davam um tostão, morando sete anos numa favela para fazer "trabalho de base", lendo e escrevendo e publicando muitos livros). Só fui pensar em empreender alguma coisa lucrativa depois dos 50 anos. Mesmo assim, nunca almejando enriquecer, mas apenas sobreviver. Devo dizer que tive imenso sucesso em termos pessoais (consegui investigar e descobrir algumas coisas novas - pelo menos para mim - e experimentar muitas outras que desejava). Mas para ter tanto sucesso em meus empreendimentos pessoais nunca fui bem-sucedido em meus poucos negócios. Nisso dei uma sorte danada. Já pensaram se tivesse me transformado num Beto Sicupira ou num João Paulo Lemann? Não poderia ter feito o que fiz e continuar fazendo o que faço, nem mesmo escrever este pequeno texto. As pessoas que associam sucesso nos negócios à virtude (o que raramente é verdadeiro, mas faz parte da mentalidade de escravos e... de senhores de escravos que são escravos dos escravos), têm dificuldade de entender meu ponto de vista. Elas perguntam: mas você não gostaria de ganhar bem, ter uma vida tranquila, segura, confortável e um futuro garantido, não ter dívidas, viver de renda, poder comprar o que quiser, realizar seus sonhos, viajar pelo mundo, enfim, ter tempo livre para fazer o que deseja? Como decidi - a partir dos 45 anos - nunca mais trabalhar para alguém ou me empregar em qualquer organização hierárquica, há 20 anos venho atuando como palestrante, consultor e empreendendo para sobreviver. Mas não tenho nenhuma ilusão de que meus empreendimentos me darão
  • 4. 4 uma vida extremamente confortável e sem preocupações financeiras, com sobra de tempo para fazer outras coisas folgadamente. Mesmo porque, que coisas seriam estas? O que faria com mais tempo livre (se todo meu tempo já é livre, muito mais livre do que o do Gerdau ou o do André Esteves)? E o que faria com mais recursos? Compraria um castelo? Um barco? Um carro de luxo? Viajaria? Tiraria férias de um ano? Fumaria charutos e jogaria golfe? Prá quê? Sim, para quê tudo isso se eu não pudesse ser a pessoa que me tornei? Gosto muito dessa pessoa desobediente que sou para trocá-la por qualquer outra. Para ser esta pessoa que sou, emprego 90% do meu tempo em atividades que não dão retorno financeiro: pesquiso sobre redes e democracia, experimento configurar novos ambientes favoráveis às redes distribuídas e à democracia como modo-de-vida, escrevo textos que não vendem, faço netweaving gratuitamente, converso sem parar - inclusive no Facebook - com qualquer um que queira realmente conversar comigo e tento desconstituir hierarquia e autocracia, obcecadamente, todos os dias e em todos os lugares em que elas se reproduzem (nas escolas, nas corporações, nos partidos, nas empresas piramidais e inclusive nos governos). Convenhamos, tudo isso não é muito compatível com querer ficar rico. Na juventude, estranhava muito esse pessoal que quer ficar rico. Na minha época de universidade havia uns caras assim, mas o espírito do tempo era outro e eles eram malvistos nos meios que eu frequentava. Depois não tive mais problemas com isso. Quem quer ficar rico, que tente ficar. O problema é o custo: como só alguns ficam, o caminho para a riqueza almejada implica autocondicionamento para competição, luta
  • 5. 5 incessante e, não raro, impiedade. É difícil ficar muito rico sem expropriar algum sobrevalor produzido por trabalho alheio, sem infligir deliberadamente sofrimentos a outros seres humanos e - agora vem o fundamental - sem erigir (ou trabalhar para manter e reproduzir) organizações hierárquicas (basta ver como percorreram tal caminho os empresários de sucesso que citei neste texto e... milhares de outros). No Brasil, em particular, é muito difícil acumular uma grande fortuna sem ajuda do Estado ou sem receber algum tipo de favorecimento político (o que, na prática, é também um roubo de dinheiro do contribuinte). Quem não acredita nisso deve estudar a história de nossas grandes fortunas. De qualquer modo, o custo mais importante desse esforço para ficar rico é um custo de alma. Você tem que vender uma parte da sua alma (obedecendo a alguém ou mandando em alguém: é a mesma coisa). Para ter mais liberdade no futuro - liberdade fornecida supostamente pelo dinheiro - você tem que restringir sua liberdade no presente. Não pode ficar fazendo coisas de graça a torto e a direito. Não pode ficar brincando, se dedicando ao que não dá resultado, pelo simples prazer de fazer e se comprazer na convivência com seus amigos (ou seja, não pode mais ser criança). Não pode ficar criando coisas que nunca vão ter valor econômico. Não pode gastar tempo desenvolvendo projetos ou construindo protótipos de produtos que não vendem. Para ter sucesso, você tem que ter claro o seu objetivo e se concentrar nele. Os outros são importantes na medida em que podem ajudá-lo a alcançar seu objetivo; se não podem, que se danem: cada qual cuide de si. Quando você começa a pensar e a se comportar assim, uma parte da sua alma já morreu. Porque sua alma é o outro em você.
  • 6. 6 Tudo que acontece, acontece em ambientes pré-configurados. A questão é saber se vamos manter a configuração já existente, própria do mundo hierárquico, ou se vamos reconfigurá-la. Este livro é sobre isto. Todos os textos reunidos aqui foram publicados no Facebook durante o ano de 2015. Tomara que eles possam ajudar alguém que queira se aventurar em empreendimentos em rede. Campos do Jordão, 24 de dezembro de 2015
  • 7. 7 ÍNDICE Embarcar Hakim Bey na Nabocodonozor Reinstalar o sistema Resistir à tentação de formar um grupo Um papo que não enche barriga A fronteira final Uma dificuldade que é uma potencialidade O desafio básico Os custos invisíveis Viver da rede Determinante é como vive o sujeito Por que temos que ficar sempre vendendo alguma coisa Reconfigurar o ambiente Uma síntese Notas e referências
  • 8. 8 EMBARCAR HAKIM BEY NA NABUCODONOZOR Uma parte considerável das conversas que mantive com os amigos e amigas que empreendem comigo em rede foi sobre nosso projeto de montar um cluster de inteligência colaborativa. Decidimos configurar um ambiente em rede para ser uma espécie de usina de empreendimentos inovadores. Descobrimos que isso é mais fácil de pensar e projetar do que de fazer e que, para fazer isso realmente, seria necessário embarcar Hakim Bey na Nabucodonozor. Explico. Todo aglomerado de pessoas configurado segundo um padrão de rede distribuída é capaz de ensejar algum tipo de swarm-intelligence tipicamente humana (coletiva e colaborativa). Por que isso não acontece com tanta frequência ou não é tão facilmente observável por nós? Por que não realizamos nossas atividades em clusters de inteligência colaborativa? Bem, em primeiro lugar, porque os aglomerados funcionais aos quais nos conectamos não têm, em geral, uma topologia com altos graus de distribuição. Coletivos de trabalho-empreendimento (empresas e grupos de empreendedores, organizações da sociedade civil), estudo-investigação (escolas, universidades, centros de pesquisa) e devoção (igrejas e outros grupos identitários que se congraçam para realizar determinadas práticas de conexão com realidades transcendentes), além, é claro, dos coletivos parentais (famílias), são centralizados. Ora, quanto mais centralizada for a rede, menos chances haverá de nela ocorrerem os fenômenos interativos
  • 9. 9 que estão implicados na emergência da inteligência coletiva, em especial os múltiplos laços de retroalimentação de reforço ou feedback positivo, as reverberações, o looping de progressão - não recursivo, o clustering espontâneo, o swarming, o cloning e o crunching. A presença de campos hierárquicos está sempre associada à déficits de empowerfulness. Dizendo de outro modo: a produção artificial de escassez requerida pelo mando e pelo comando-e-controle verticaliza o tecido social restringindo ou condicionando fortemente as fluições. E as livres-fluições são uma espécie de corrente circulatória do organismo coletivo capaz de inteligir e de congruir tempestivamente, alostaticamente (quer dizer, de aprender). Em segundo lugar por razões ambientais. Tentativas de formação de clusters de inteligência colaborativa em ambientes adversos, com fluições deformadas por centros com alta gravitatem, acabam não sendo bem- sucedidas porque as perturbações no campo não permitem o tempo necessário de interações para que um organismo social adquira uma dinâmica própria capaz de se reproduzir (que é mais ou menos o que chamamos de vida social ou convivência). Quando não há um "tempo de interação" suficiente para que as pessoas possam viver a sua convivência, não se forma nada; ou melhor, o que, mesmo assim, consegue se formar rapidamente se desfaz também rapidamente, antes que recorra, volte sobre si mesmo e adquira as características de um sistema estável. O nível de complexidade necessário para que essa qualidade do campo que chamei de empowerfulness se faça presente, exige funcionamento repetido, comportamento iterado e isso não se consegue com equilíbrio, por certo, mas é próprio de sistemas afastados do estado de equilíbrio, porém estáveis.
  • 10. 10 Por isso essas coisas não costumam acontecer nos templos, nos palácios, nas grandes organizações que replicam a Torre de Babel (metaforicamente falando; mas para além da metáfora da Torre de Babel - cuja interpretação mais óbvia é que as pessoas erigindo uma construção vertical não se entendem por deficit de conversação - há um padrão que se replica em grandes corporações, grandes organizações e, inclusive, grandes edificações (onde o fluxo é necessariamente condicionado). Todas essas coagulações de fluxos acabam exercendo uma gravitatem tão alta que capturam as iniciativas que são intentadas no seu interior e, o que é mais surpreendente, também na sua sombra. Para usar uma imagem quase-poética, "na sombra do templo" não podem florescer iniciativas altamente distribuídas, com pessoas altamente conectadas e com dinâmicas altamente interativas. Nas grandes cidades da civilização patriarcal, derivas da cidade-Estado-Templo que constituiu - para usar uma boa expressão do matemático Ralph Abraham - "o precedente sumeriano", vivemos, de certo modo, sempre dentro ou à sombra de templos. O que quer que façamos é fortemente influenciado por poderosas correntes que impedem o desenvolvimento de organismos sociais que não repliquem o mesmo padrão dominante. É por isso que quando organizamos qualquer iniciativa queremos logo centralizá-la, escolhendo um presidente, um coordenador e um estamento gerencial e é por isso que quando fundamos um grupo queremos logo definir suas fronteiras identitárias antes da interação (estabelecendo regras, explícitas ou tácitas, de pertencimento e fidelidade) e exigimos que as pessoas deixem de ser o que são para assumir um nós organizacional ("vestindo e suando a camisa"). E impedem porque não permitem o tempo-de-fazer necessário para que esses organismos alcancem estabilidade. Novamente,
  • 11. 11 a hierarquia mata os embriões antes que eles se desenvolvam a ponto de ganhar relativa autonomia. Então vamos ver o que acontece. Pessoas se aproximam de pessoas para desenvolver uma atividade conjunta com o firme propósito de colaborar em rede distribuída. Ótimo. Mas aí, por algum motivo, as coisas não saem bem como o planejado. Mesmo que as zonas autônomas temporárias (aquelas TAZ imaginadas por Hakim Bey) sejam temporárias e todos saibam disso (que serão sempre bolhas), o problema não é que elas durem pouco e sim que elas não duram o suficiente (não só em termos de tempo cronológico, mas em tempo-de-fazer) para ser autônomas. Não há nada contra o temporário e sim contra o não-autônomo. Não pode existir nenhum organismo social abaixo de certo grau de autonomia e não pode ser alcançado esse grau de autonomia sem alguma estabilidade; e não pode haver estabilidade se o ambiente estiver muito atravessado por fluxos desorganizadores (não de uma ordem pregressa e top down e sim da ordem emergente mesmo). Se não houver um tempo-de-fazer (que não segue o tempo cronológico, mas é capaz de moldá-lo, contraí-lo ou expandi-lo) suficiente, então a fenomenologia da interação implicada na inteligência coletiva não se manifestará em qualquer cluster (mesmo que seus membros tenham os mais firmes e legítimos propósitos colaborativos). São tantas coisas que... não dá! As pessoas são levadas pelas correntezas (geradas por diferença de potencial de acumulação e fluição, quer dizer, na verdade, geradas por escassez artificial). E aí não perduram numa iniciativa para gerar uma nova Entidade social (a palavra, assim com maiúscula, foi um achado de Jane Jacobs (1961) em Morte e Vida das
  • 12. 12 Grandes Cidades). De sorte que - para que tal não aconteça - é preciso embarcar Bey na Nabucodonozor. É mais ou menos como querer criar uma praça (um ambiente de convivência regido pela dinâmica do commons) onde as pessoas apenas trafegam, correndo esbaforidas de um lado para outro, descendo do ônibus para pegar o metrô e vice-versa. Se as pessoas não pararem, não sentarem para admirar a paisagem, não conversarem umas com as outras recorrentemente, não se formará a praça. Porque a praça comum (uma realidade social, não geográfica) não é o acidente físico ou o equipamento construído, não é o logradouro dito público e sim um redemoinho no espaço-tempo dos fluxos, uma região onde o campo tem uma assinatura particular-comum. Então, é isso que acontece em boa parte das iniciativas, quer pela primeira razão, quer pela segunda. A primeira razão (óbvia) é a centralização da própria iniciativa quando sabemos que só redes podem aprender, só redes podem ser inteligentes. A segunda razão é a perturbação do campo onde a iniciativa, mesmo distribuída, está sendo ensaiada. Nesse segundo caso temos, sim, bolhas, mas que espocam mais rapidamente do que seria necessário e não chegam a ser Small-Bangs criativos (sim, porque criatividade é inteligência coletiva, mesmo quando se refrata em indivíduos). Ou seja, no segundo caso não temos as famosas TAZ (Temporary Autonomous Zone) do Bey, mas apenas TZ (porque não é que não sejam temporárias e sim que não chegaram a ser autônomas). Eis o ponto. Agora cabe a cada um avaliar por que suas iniciativas em campos deformados, seja dentro ou mesmo na sombra de centros com alta
  • 13. 13 gravitatem (família monogâmica, escola, universidade, igreja, quartel, corporação, partido, empresa-hierárquica, organizações estatais e assemelhadas) dissipam tanta energia para se manter ou geram tanta entropia. Claro que você pode continuar tentando alcançar bons resultados, achando que os animais serão melhorados pelo adestramento que recebem no circo (como observou acidamente Nietzsche se referindo à escola). Claro que você pode justificar tudo dizendo que se não se adaptar a esses centros não terá como sobreviver para fazer coisas mais bacanas e inovadoras. Pode até continuar criticando essas instituições- armadilhas de fluxos para salvá-las delas mesmas (o que lhe exige, porém, o pagamento de um tributo em tempo-de-fazer e, às vezes, uma atitude genuflexória ainda que dissimulada). Nada disso é um conselho para que você se retire para Zion ou para alguma comunidade alternativa que finja que o que acontece fora dela não é com ela. Não. É um convite para que você não seja um fornecedor de energia para a Matrix. Você pode continuar embarcado na Nabucodonozor, viajando pelos interworlds e entrando nos mundos hierárquicos, até para ganhar a vida e tentar, de qualquer jeito, fazer coisas interessantes. Mas tendo clareza das dificuldades de obter resultados criativos em ambientes reprodutivos.
  • 14. 14 REINSTALAR O SISTEMA Tenho dito aos meus amigos que para ver as coisas de outro modo, mais compatível com uma sociedade em rede, é necessário reinstalar o sistema (a expressão faz lembrar a música Admirável Chip Novo da Pitty, mas o sentido, no caso, é um pouco diferente). A questão de como fazer as coisas de modo distribuído e, mesmo assim, não perecer numa sociedade ainda dominada por estruturas centralizadas, não tem uma resposta pronta. As pessoas pensam: mas se a cultura ainda reconhece e valoriza o que é centralizado, ao insistir em fazer diferente não corremos sério risco de fracassar? A questão é real. O problema é que ela inibe as tentativas de fazer diferente. Não experimentamos o novo porque concluímos, em geral antes de experimentar, que ele tem poucas chances de dar certo. Há sete anos venho travando discussões com pessoas que dizem que não é possível organizar as coisas em rede "no mundo real". E tenho constatado que as pessoas que dizem que é impossível organizar iniciativas, lucrativas ou não lucrativas, de modo mais distribuído do que centralizado, jamais tentaram fazer qualquer coisa em rede. O exemplo mais comum é o daquelas pessoas que dizem que são obrigadas a organizar uma empresa ou entidade de modo tradicional em virtude das determinações legais. Elas dizem isso porque não lhes ocorreu que podemos organizar facilmente uma constelação de empreendimentos
  • 15. 15 ou iniciativas ativados por pessoas que têm, cada qual, sua própria empresa e que o que eles chamam de empresa ou entidade pode ser apenas o branding guarda-chuva sob o qual todos os empreendimentos ou iniciativas em rede ficarão abrigados. É tão simples. É tão óbvio. Mas tal ideia simplesmente não surge. Porque o sistema mental-social não foi reinstalado. Em princípio tudo que é feito de forma mais centralizada do que distribuída pode ser feito de modo de modo mais distribuído do que centralizado. Isso não vale, por certo, para qualquer época, mas pode valer para a época em que vivemos (justamente esta época de mudanças tão vertiginosas que configuram uma mudança de época). Há riscos, sem dúvida! Mas o risco é inerente à aventura de inovar. Toda enterprise tem mais chances de não achar do que de achar o caminho marítimo para as Índias. Às vezes não acha mesmo, erra e... acaba descobrindo o Brasil. Como não há fórmula, nem receita, o maior desafio é pensar diferente para encontrar modos diferentes de fazer as coisas. Uma das pistas para isso é deixar de pensar no mercado como conjunto de consumidores (indivíduos) que se comportam estatisticamente de uma determinada maneira e começar a pensar no campo (social), nas deformações do campo e na assinatura do campo. Por exemplo, todo mundo sabe que introduzir uma deformação no campo gerando artificialmente escassez dá bons resultados para vender um produto ou um serviço. Tem menos a ver com a qualidade do produto ou serviço do que com a forma como ele é apresentado. É na forma que as pessoas reconhecem a assinatura do campo e então valorizam o que está sendo oferecido e pagam pela oferta.
  • 16. 16 Isso acontece porque os organismos sociais se sintonizam pela linguagem (lato sensu, incluindo palavras e imagens), por um linguagear específico (compreendendo modos, jeitos, trejeitos, protocolos) e, em suma, por um modo de interagir. Tudo isso é assinatura de campo (ou revela uma assinatura de campo). Na sociedade hierárquica, o que é apresentado como escasso, raro, inédito e não poderá ser conseguido de outra forma, deve valer mais. Compre agora ou você perderá a chance. Oferta especial válida somente até o fim do estoque. Pague hoje ou não terá o desconto de X%. Se você ligar agora ("Ligue Djá", hehe) ganhará uma recompensa (ao comprar este magnifico liquidificador você levará de graça mais três copos plásticos adicionais). No entanto... Ainda que tudo isso seja uma evidência, suficientemente testada, não está provado que outras assinaturas de campo não serão reconhecidas. Em mundos sociais altamente conectados, as pessoas se comportam também de modo diferente do esperado. As estatísticas que apoiam as estratégias de marketing não conseguem captar comportamento emergente. Do contrário poderiam prever o que seria capaz de atingir o tipping point e vender exponencialmente (e elas nunca conseguem fazer isso, felizmente). E como as pesquisas computam inputs de indivíduos, também não dão conta da rápida clusterização que caracteriza o tecido social de mundos de alta interatividade (as pessoas se agrupam e desagrupam em torno de temas, estilos, modas, preferências e necessidades reais ou imaginárias, numa velocidade jamais vista em nenhuma época da história).
  • 17. 17 RESISTIR À TENTAÇÃO DE FORMAR UM GRUPO Se queremos fazer em rede as coisas que fazemos para ganhar a vida, isso implica, em primeiro lugar, resistir à tentação de organizar (ou pertencer a) um grupo. Em 2011 escrevi um texto sobre isso: Resista à tentação de pertencer a um grupo (1). Dizer isto, porém, é mais fácil do que fazer (no caso, não-fazer). Porque se começamos a nos comportar como um grupo (mesmo chamando-o de rede), então é sinal de que não conseguimos resistir à tentação de pertencer a um grupo. Isso tem implicações nos negócios que estamos fazendo. Não é o grupo que define os empreendimentos que fazemos, mas o contrário. Cada empreendimento gera uma clusterização diferente e deve ser regido por normas diferentes. Não há uma organização pairando acima de todos os empreendimentos em que entramos. Cada coisa que fazemos é um mundo social diferente que se configura, gera uma pessoalidade fractal diferente e, portanto, deve ser regido por um acordo de convivência diferente. O que nos dá identidade não é uma marca ou um nome proprietário pré-existente e sim, de partida, uma sintonia fina e, depois, uma sinergia própria que é característica de uma trajetória particular de adaptações (se tal sinergia acontecer, pois não se pode saber se ocorrerá antes da interação).
  • 18. 18 Ao não fazer um grupo estamos fazendo algo muito mais importante - e arriscado - do que um grupo. Estamos mantendo a abertura para que a organização emergente se forme em outro mundo (no espaço-tempo dos fluxos, vamos chamar assim por ora), estamos impedindo que ela se coagule no mundo do produzir. Mas isso só é possível se a sintonia de partida já estiver dada (sem necessidade de explicação: se tiver que explicar por quê, convencer, ganhar pessoas, já dançou! A pessoa que vem é a pessoa certa, o que também pode ser entendido pela metáfora dos sensates, da série recente dos Wachowskis: Sense8). Estão entendendo realmente por que o primeiro passo - como dizia Krishnamurti - é o único passo? Para tanto, não precisamos concordar sobre qualquer conteúdo. Empreendimentos em rede não são uma religião, uma sociedade ou fraternidade, um grupo filosófico, político ou seja lá o quê. Um cluster de inteligência cooperativa é uma ecologia de diferenças coligadas. Um ecossistema que só pode existir com base no fato de que não aglutina homogeneidades. O relevante aqui é o padrão que conecta. A primeira implicação prática desse modo de fazer em rede é que não podemos ter garantia de nada. Quem quer garantia, que arrume um emprego. A garantia é sempre e somente a confiança. A confiança enseja a aposta. Tudo é aposta. Ao dar um passo colocamos em ação forças que não dependem mais apenas de nós. Em termos práticos isso significa que vamos sempre negociar - os que estão envolvidos em uma atividade - os termos em que se dará tal atividade. Quem vai fazer o quê? Quanto cada um vai receber (ou não vai receber) pelo que fez?
  • 19. 19 Mas as situações são sempre diferentes. Um mesmo fazer pode ter valores diferentes: por exemplo, se for feito por uma pessoa que contribui para a manutenção das estruturas físicas ou virtuais que são utilizadas pelo empreendimento é diferente de se for feito por uma pessoa que não contribui. Empreendimentos em rede não podem ser baseados em divisão fixa da receita líquida pelos que contribuem para o empreendimento. Cada caso é um caso, ainda que se possa ter uma base geral para um mesmo tipo de fazer ou para um mesmo conjunto de fazeres. A divisão equitativa dos resultados é uma fórmula que não se aplica à maioria dos casos. Ela tende a inviabilizar a sobrevivência dos empreendedores: mais gente empreendendo significa menos receita para quem empreende. Em suma, empreender em rede não é fazer uma nova empresa e sim criar um ambiente favorável ao surgimento de muitas enterprises sinérgicas e sintonizadas com um determinado conjunto de temas que levou pessoas a desejarem fazer certas coisas juntas.
  • 20. 20 UM PAPO QUE NÃO ENCHE BARRIGA Tudo que for feito em rede mais distribuída do que centralizada será uma bolha na sociedade hierárquica. A bolha é fugaz, mas tem que durar algum tempo para ser capaz de gerar outras bolhas antes de desaparecer. Só então você pode ir navegando de bolha em bolha. Mas se você desiste muito depressa, volta para a Matrix. E o que é pior: às vezes sem sentir. "Vamos mesmo arrumar um emprego mais fixo, que esse papo de rede não enche a barriga de ninguém". Está certo, sob um ponto de vista. A servidão voluntária pode dar a sensação de tranquilidade para os que pensam: "Afinal, ainda não estou preparado para ficar inventando, inventando e remando contra a maré. Agora, pelo menos, não é o meu momento. Quero um pouco de sossego para acordar tarde, saborear com calma meu café da manhã lendo o meu jornal preferido, passear na praça com meus filhos, conversar despreocupadamente com as pessoas, abrir e fechar as abas quando quero. Para tanto, não posso viver no desespero de não ter meu dinheirinho garantido todo final de mês. Gosto até de falar de redes e de experimentá-las. Depois do expediente". O sistema funciona basicamente assim. Você pensa em fazer isso ou aquilo diferente. Mas aí vê que não tem dinheiro. E se não fizer isso ou aquilo (qualquer coisa diferente) não ganha dinheiro, porque não tem acesso a mais fluxos (de relacionamentos em geral, compreendendo todos os tipos de recursos: inclusive dinheiro). Então você não faz e continua apenas mantendo o metabolismo basal de sua vida. Mas para que você
  • 21. 21 consiga suportar sua própria impotência, você se autoengana. E vai fazer coisas legais, que não demandam muitos recursos. Essas coisas, porem, não mudam a sua vida, porque em geral elas são feitas depois do expediente. Você será sempre basicamente o expediente. Não poderá realizar muitas ideias criativas. E o que é pior: não terá muitas ideias criativas, porque as ideias também dependem dos fluxos de novos relacionamentos.
  • 22. 22 A FRONTEIRA FINAL Depois de alguns anos fazendo reuniões para conversar sobre redes percebi que não saiam coisas concretas que vários fizessem juntos. Com raríssimas exceções, cada qual continuava no seu quadrado quando o assunto era, por exemplo, trabalhar ou empreender, enfim, ganhar a vida. Todos adoravam compartilhar nas horas vagas (vagas no sentido de não estarem ocupadas com o ganha-pão). Percebi que havia alguma coisa errada aí. Recentemente, em uma conversa coletiva por e-mail entre a galera que está empreendendo no Laboratório da Escola-de-Redes, o Fernando Baptista, disse o seguinte: "Muita gente curte iniciativas em rede, mas poucas se dedicam a somar dedicações com os outros: parece que a vontade está lá, mas é difícil partir para o trabalho (é como se houvesse um bloqueio dessa emoção específica que faz com que pessoas trabalhem juntas em algo). Não acho que este bloqueio tenha a ver com um cálculo instrumental de retorno sobre dedicação empreendida... acho que tem mais a ver com certo imobilismo artificialmente criado, um programa implantado para bloquear emoções que não sejam compatíveis com assinaturas de campo muito específicas (aquelas "únicas" maneiras de trabalhar que efetivamente ‘dão certo’)".
  • 23. 23 Eu concordo com essa avaliação. É um programa mesmo. É claro que não se pode desprogramar as pessoas à força ou de fora para dentro. Empreender em rede parece ser a fronteira final que separa mundos centralizados de mundos distribuídos. Fazer uma ou outra coisa diletantemente em rede, tudo bem. Ir prá praça, tudo bem. Promover saraus de poesia, tudo bem. E tudo isso é muito legal mesmo. Mas quando o assunto envolve a sobrevivência, aí a coisa complica. Estou investigando por quê, mas não posso achar outra resposta senão aquela que já dei no livro Hierarquia (2): a Matrix existe. Ela deixa até você brincar de redinha, mas não lhe deixa sair da máquina de produção e reprodução da vida (quer dizer, de um modo-de-vida determinado) facilmente. Para sair da Matrix, tem que desprogramar: é óbvio! Mas quando você faz empreendimentos em rede, não pode exigir das pessoas que estão empreendendo com você que façam qualquer coisa contra os seus desejos. É claro que se você acreditou em uma pessoa que disse que iria fazer alguma coisa com você, você contou com isso e essa pessoa desistiu no meio do caminho (às vezes sem dar explicação razoável), isso é chato, mas nada tem a ver com a rede e sim com outras coisas - como palavra, compromisso, caráter e outras características consideradas individuais - que não são variáveis relevantes para explicar o comportamento coletivo (quer dizer, da rede). Quando isso acontece, porém, é quase certo que deve haver algum problema na configuração do ambiente. E é possível perceber uma assinatura de campo estranha, que em geral reflete algumas funções (ou disfunções) de sinergia. Por não perceber isso (que é preciso reconfigurar o ambiente), muitos empreendedores fazem empresas hierárquicas: porque concluem que não
  • 24. 24 há outro jeito de obter o concurso continuado de várias pessoas em um mesmo projeto. Eles pensam que só há uma maneira de manter a atenção de muitas pessoas em um mesmo rumo, protegida dos ventos que sopram de través, por um tempo suficiente para o empreendimento vicejar e essa maneira é: condicionando ou disciplinando fluxos a partir de uma razão e de um clima organizacional que dá aos colaboradores a segurança do pertencimento e do acolhimento. Não é nem o dinheiro o fundamental para tanto e sim a entidade que se forma, o cimento que une as suas partes, às vezes os hormônios ou feromônios secretados pelo organismo... Depois de milênios de cultura hierárquica, não se poderia esperar outra coisa mesmo: as pessoas "precisam" disso (mais ou menos como um viciado "precisa" da droga). Por isso também é tão difícil empreender em rede. Uma pessoa deve fazer o que deseja. Na ética netweaver não deve haver cobrança ou outro tipo de constrangimento. É claro que ao fazer o que deseja a pessoa vai construindo sua trajetória (que é mais ou menos o que chamavam de destino) de acordo com seu caráter (e caráter é apenas outra palavra para destino, ou seja, uma característica que também se constrói: é a história fenotípica de suas adaptações sucessivas, sobretudo os caminhos tomados diante das bifurcações, que leva alguém para um destino ou outro). Todo destino é uma espécie de órbita. Quanto menos livre, mais orbita uma pessoa. Se ela trapaceia, se autoengana chamando de desejo o que faz por programação ou por obrigação (quer dizer, por não ter coragem de se desprogramar ou de romper com uma obrigação), é sinal de que está orbitando.
  • 25. 25 Em geral as pessoas orbitam - et pour cause - em torno de centros com alta gravitatem (sejam pessoas ou instituições). Orbitam por medo de ficar vagando no espaço-tempo dos fluxos, ao léu... Este é o medo da liberdade (e a liberdade é a coisa mais terrível que há: não ter uma referência, não ter alguém que lhe confirme, que lhe diga que está tudo certo, que é assim mesmo).
  • 26. 26 UMA DIFICULDADE QUE É UMA POTENCIALIDADE Os teóricos das redes e da democracia (não os novos teóricos da autocracia disfarçados de teóricos da democracia que infestam as universidades) são assim uma espécie de novos sofistas. Eles andam pelas praças e pelos becos, conversam com quem os procura, conseguem falar e ser ouvidos por muita gente, mas não conseguem manter pessoas aglomeradas nos mesmos clusters por muito tempo. Seria contraditório, pois em sociedades hierárquicas estruturas mais distribuídas do que centralizadas são fugazes, são bolhas que duram apenas um tempo (aliás, cada vez menor). Você só consegue manter pessoas em um mesmo cluster se as fronteiras tiverem alguma opacidade ou se as membranas selecionarem fluxos. Jogadas no vento que sopra onde quer e que ninguém sabe de antemão de onde vem ou para onde vai, as pessoas tendem a seguir fluxos diferentes e as linhas de vida se separam. Só fica no mesmo lugar quem não pode sair, quem depende de uma dinâmica particular e tem que se sujeitar a uma estrutura hierárquica para sobreviver (do contrário, as pessoas abandonariam as empresas em que trabalham) ou quem aceitou que seu caminho para o futuro fosse pavimentado por uma crença (do contrario sumiriam os fiéis de qualquer religião). Essa é a dificuldade de manter organizações em rede que sejam reconhecidas como organizações por organizações hierárquicas. Por isso a
  • 27. 27 rede não é um tipo de organização e sim um padrão. Essa dificuldade, entretanto, é uma potencialidade para criar novos mundos.
  • 28. 28 O DESAFIO BÁSICO Empreender em rede em um mundo hierárquico não é mais fácil e sim muito mais difícil do que empreender hierarquicamente. A não ser que mudemos a maneira de pensar. Deixando de lado as narrativas legitimatórias de qualquer projeto bacana, de qualquer ideia daora, de qualquer sonho fantástico, penso que talvez seja preciso partir - nua e cruamente - da seguinte constatação: em um campo hierárquico tudo conspira contra a distribuição. Pronto! Não assumir isso dificulta a compreensão dos enormes desafios que estão colocados diante de nós. O desafio básico - sobre o qual venho falando em livros, artigos, vídeos e programas os mais variados há mais de cinco anos - é sempre o mesmo: não propriamente como viver em rede, mas sim como viver da rede? Não vale ter sua fonte de sustentação e sobrevivência fornecida por empreendimentos hierárquicos (ou pela renda financeira advinda de negócios hierárquicos) e, nas horas vagas, ensaiar empreendimentos em rede. Pois a questão aqui é como uma rede de pessoas pode se manter, sobreviver ao menos, com empreendimentos em rede. Fazer o proselitismo das redes enquanto se tem como pagar o aluguel, o supermercado, a padaria, o plano de saúde, a farmácia e as dívidas com dinheiro advindo das estruturas próprias do mundo hierárquico é mais
  • 29. 29 fácil. É como vender cosméticos da Natura depois do expediente para complementar a renda. E aí é o seguinte. Se você não vive numa comunidade de subsistência e tem contas a pagar no final do mês, se não mora com a mamãe e o papai, se não é sustentado por alguém (cônjuge, parentes ou terceiros), se não tem um patrocinador (mecenas), se não tem emprego e salário fixo e nem vive de renda, então - estando em uma sociedade mercantil - tem que vender alguma coisa para sobreviver. Não há alternativa. Para vender produtos ou serviços e viver disso você tem que colocar no mercado vários produtos ou serviços. Não pode ficar esperando que vai achar o produto espetacular ou o serviço mágico que vai bombar. Se você faz isso em rede, várias pessoas têm que estar dedicadas a inventar, prototipar, testar, produzir ou formatar e vender várias coisas ao mesmo tempo. E, além disso, essas pessoas têm que viver disso. É difícil, extremamente difícil. Porque as pessoas não estão acostumadas a fazer várias coisas ao mesmo tempo. Os seres humanos somos, todos, multi- tarefas, mas fomos programados para fazer cada coisa de uma vez (para sair bem-feito tem que ser assim: é o que diz a gestão da reprodução no mundo hierárquico). Para um empreendedor individual, vá-lá! Mas para muitos que vão viver das mesmas ofertas de produtos ou serviços, não dá. Neste caso, fazer uma coisa de cada vez é o caminho certo para o precipício (e não no bom sentido, daquele abismo que temos que pular mesmo se quisermos viver em rede, mas no sentido de despencar na geena dos caídos, onde a salvação será voltar ao passado e ser novamente recrutado para o exército dos clones a serviço de alguma organização hierárquica).
  • 30. 30 Muitas pessoas raramente conseguirão sobreviver de um empreendimento único, sobretudo de um produto único ou de um serviço único. Para tanto, o preço de venda do produto ou serviço deveria ser muito alto ou as vendas deveriam ser muito numerosas. Em ambos os casos isso exige altos investimentos iniciais, infraestrutura robusta, marketing intenso e um número grande de pessoas dedicadas a tarefas específicas. Com uma rede pequena (e toda rede voluntariamente articulada, na prática, acaba ficando pequena, porque a interação recorrente clusteriza), não há alternativa. A não ser que se comece a contratar doidamente outras pessoas (como prestadores de serviços) ou a incorporar novas pessoas (como parceiros) para fazer tudo que uma pequena equipe não consegue fazer. No primeiro caso, o risco é altíssimo de o empreendimento em rede acabar virando uma empresa hierárquica. Nos dois casos teremos diminuição de receita per capita (mais contratados e mais parceiros significam um denominador maior para dividir os resultados). O que não resolve o problema de fazer do empreendimento a atividade de sustentação das pessoas envolvidas. É por esta razão (entre outras) que as pessoas fazem empresas hierárquicas em vez de articular redes de empreendedores. Em rede - elas pensam e com razão (considerando a forma como pensam) - não dá para todo mundo ganhar o suficiente. O problema parece insolúvel nas condições atuais: quer dizer, em mundos em que os graus de separação não caírem para algo próximo de 3 ou menos. A não ser que paremos de pensar hierarquicamente.
  • 31. 31 Quando fazemos um grupo proprietário para empreender em rede, já estamos quase fadados a não empreender em rede. O grupo, a clusterização que emerge da interação recorrente entre algumas pessoas em detrimento de outras, já limita a força dos laços fracos, justamente aqueles que podem ensejar a emergência dos fenômenos de rede. Quando tudo vira laço forte, a maravilhosa incidência dos inputs inesperados, advindas da interação fortuita, com o outro imprevisível, fica diminuída. Há uma seleção negativa que reforça os de dentro em relação aos de fora. Essa seleção é dita negativa porque é anti-adaptativa. Cria fronteiras opacas em vez de membranas. Dificulta a alostase. Torna qualquer empreendimento uma espécie assim de banco de germoplasmas in vitro. Protegidos do fluxo, os grupos tendem a reproduzir passado: não é outra a razão pela qual as organizações fechadas têm tanta dificuldade de inovar... Penso que a solução para isso não pode ser outra senão a seguinte: 1) cada produto ou serviço é um empreendimento; e 2) cada empreendimento é um grupo. Não há um grupo. Há muitos grupos. Com muitos atalhos. Os atalhos são as pessoas. As mesmas pessoas devem participar de muitos grupos com outras pessoas (e não apenas com as mesmas pessoas, do contrário seria o mesmo grupo fazendo muitas coisas). Um mesmo grupo fazendo muitas coisas é forçado a racionalizar seus investimentos, criando estruturas capazes de atender às várias demandas. É o lógico. É o que parece a coisa correta a ser feita. É o que permite planejar o que será feito amanhã (e não ficar desesperado improvisando a cada momento, puxando gambiarras, tendo retrabalho et coetera). Mas...
  • 32. 32 Se caímos na tentação de montar infraestruturas, fábricas, lojas, escritórios, sistemas, sites e equipes unificados para vários produtos ou serviços em nome da eficiência (e de maiores ganhos futuros), então vamos ter que arcar com os problemas próprios das iniciativas centralizadas (justamente aqueles que exigem alto capital inicial) e que são, basicamente (embora raramente sejam monetizados e assim declarados): custos de transação, custos de sobre-esforço para alcançar sinergias que não surgem espontaneamente (porque não deixamos) e custos provenientes dos atritos de gestão. Esses três custos básicos são capazes de inviabilizar qualquer iniciativa, a não ser que tenhamos como pagá-los "por fora" (a partir da acumulação centralizada de recursos, advindos dos investimentos dos owners, ou tendo que sacrificar o presente em nome de um futuro de maiores ganhos... mas aí a iniciativa não será mais em rede: os owners continuarão sendo owners, tipo assim "cada um no seu quadrado"). É simples de entender: se centralizou significa que não distribuiu! Não vale apenas para a gestão de pessoas. Vale para qualquer tipo de recurso. Organizar uma empresa em rede pode reduzir três custos invisíveis (em geral não computados nos balanços) que consomem boa parte dos recursos de qualquer organização: custos de transação, custos de atrito de gestão e custos de sinergia. Em geral, porém, para que isso aconteça é preciso partir de um conceito de empresa múltipla (como constelação de empreendimentos autônomos coligados) e não insistir no velho conceito de uma mesma estrutura administrativo-produtiva que tenta controlar vários empreendimentos. Como as pessoas que tentam fazer empresas em rede não abrem mão do controle ou, pelo menos, de alguma
  • 33. 33 coordenação de todas as iniciativas antes que elas se sinergizem, os custos de sinergia crescem ao ponto de anular os ganhos com a redução dos custos de transação e dos custos de atrito de gestão. E aí concluem que não dá certo. Elas não veem que a empresa em rede é um ambiente favorável ao surgimento de várias enterprises sinérgicas (depois que essas aventuras acontecem e se houver tempo suficiente para que elas possam interagir entre si), mas não uma empresa no sentido tradicional do termo (unitária), quer dizer, uma estrutura de poder para dizer o que vai ser feito e o que não vai ex ante.
  • 34. 34 OS CUSTOS INVISÍVEIS Empreendimentos hierárquicos têm altos custos, sobretudo custos invisíveis. Chamei de custos invisíveis àqueles custos que em geral não aparecem nos balanços, inclusive porque raramente são monetizados e, muitas vezes, nem se imagina que eles existam. Esses custos invisíveis são, basicamente, de três tipos: custos de transação, custos de sinergia e custos de atritos de gestão. 1 - Custos de transação. Sobre os custos de transação já se sabe alguma coisa, desde que Ronald Coase (1937) classificou esses custos em três principais categorias: a) custos de busca de informação: os custos incorridos para verificar se o produto já existe em determinado mercado, para verificar qual o menor preço oferecido no mercado ou para verificar a utilidade e a funcionalidade do produto; b) custos de barganha: os custos de se estabelecer, com o comprador, um acordo que seja o mais justo possível; e c) custos de policiamento: os custos incorridos ao garantir que o comprador cumpra o acordo da transação e de tomar as providências adequadas caso haja uma ruptura do acordo por parte deste (3).
  • 35. 35 Mas é claro que existem outros custos de transação que não cabem bem nessas velhas categorias, como os custos de transação interna decorrentes de descumprimento ou desfuncionalidade dos contratos de trabalho. Ademais, é preciso ver que quando Coase escreveu o célebre The nature of the firm (há 78 anos) o ambiente era radicalmente diferente: em 1937 a expectativa média de vida das empresas era de 75 anos e hoje é de menos de 15 anos (4) e não se sabia direito (na verdade ainda não se sabe) qual a relação entre os custos de transação e a sustentabilidade de uma empresa. Apenas um exemplo para ilustrar a ampliação do conceito de custo de transação: a empresa não adota uma plataforma de rede (uma ferramenta virtual, funcionando em tempo-real ou sem-distância) para a gestão - e a execução - do trabalho remoto por temer que o empregado entre na justiça exigindo pagamento de horas-extra com base na alegação de que trabalhou virtualmente em casa depois do expediente e ao não fazer isso desaproveita a imensa potencialidade do seu capital humano. A redução das possibilidades de aproveitar o capital humano da empresa diante das restrições (reais ou imaginárias) da legislação trabalhista, também é custo de transação. Observa-se que os custos de transação interna aumentam quando há custos de sinergia e custos de atrito de gestão. 2 - Custos de sinergia. Sobre os custos de sinergia, sabe-se muito pouco. Esses custos estão relacionados ao sobre-esforço que se faz para alcançar sinergias que não surgem espontaneamente, em geral porque o padrão de organização e os modos de funcionamento da empresa não deixam. Caixinhas fechadas, departamentos que não se comunicam, pessoas que não conversam, excesso de competição interna, verdadeiros feudos conformados por vice-presidentes, diretores e gerentes - tudo isso
  • 36. 36 dificulta a sinergia. E quando a sinergia é baixa, várias pessoas, departamentos ou aéreas acabam fazendo a mesma coisa, contratam consultores diferentes para projetos que têm o mesmo objetivo ou objetivos congruentes, não compartilham as avaliações sobre os resultados positivos e negativos de suas iniciativas et coetera. Tudo que dificulta a sinergia espontânea é custo de sinergia: => Estamos falando da falta de conexão banda larga de qualidade acessível em toda empresa. => Estamos falando de dispositivos móveis de conexão e de programas de mensagens instantâneas (como o Whatsapp) e das mídias sociais (como o Facebook) que não são liberados (e, quando são, não são usados para a interação (dos empregados entre si e da empresa com o público). => Estamos falando da falta de espaços livres e de ambientes compartilháveis (e de espaços de não-trabalho nos locais de trabalho; e, ainda, da escala e da feição não-humanas dos ambientes físicos) dentro da empresa. => Estamos falando do excesso de reuniões presenciais de alinhamento e da falta de plataformas de rede para todo o fluxo de gestão. => Estamos falando da não-adoção de processos de rede voltados à inovação, como o crowdsourcing, a open innovation, a interactive co- creation. => Estamos falando da falta de estímulos e incentivos ao empreendedorismo (interno e externo) dos colaboradores.
  • 37. 37 => E estamos falando da não adoção do trabalho por projeto (em que os trabalhadores são também empreendedores associados em comunidades de projeto). Os óbices à sinergia que deveria brotar espontaneamente das relações entre as pessoas empregadas na empresa e seus stakeholders externos são sumidouros de recursos que, se fossem monetizados, calculados e incluídos no balanço de uma empresa, escandalizariam os seus donos ou acionistas e deixariam o conselho de administração e o CEO em sérias dificuldades. Mas os custos de sinergia são também, em parte, custos de atrito de gestão. 3 - Custos de atrito de gestão. Sobre os custos de atrito de gestão - os maiores de todos os custos invisíveis - já se tem, de fato, a desconfiança de que eles existem, mas em geral as pessoas evitam olhar para o problema, preferindo achar que esses custos são inerentes à qualquer organização: um preço inevitável a pagar (e que deve ser pago sem reclamação). Esses custos são decorrentes do modelo de gestão baseado em comando-e-controle. Eles são custos altíssimos para manter um padrão de organização hierárquico regido por modos de regulação autocráticos (para verticalizar o tecido social da empresa é necessária uma operação constante e um gasto intensivo em energia não-produtiva). O padrão de organização mais centralizado do que distribuído obriga os fluxos (de informações, objetos e pessoas) a passar por caminhos únicos, pré-traçados, não raro dando voltas e mais voltas: quanto maior o percurso, obviamente, maior o atrito. Mais energia dissipada: que não produz luz, só calor! A falta de múltiplos caminhos (quer dizer, de redes internas à empresa e ao seu ecossistema ou a pouca "vascularização do
  • 38. 38 organismo") aumenta incrivelmente o atrito de gestão e o seu respectivo custo: => Estamos falando daquele memorando que desce para o segundo andar, sobe para o quinto andar e vai parar no terceiro andar antes que a ação que deveria ser executada se realize. => Estamos falando dos colaboradores que só podem entrar por um lugar determinado e sair por outro lugar também determinado, tendo que passar por cancelas, catracas, portões eletrônicos. => Estamos falando dos computadores, infectados pela TI e pela Segurança da Informação com programas maliciosos, que caem de 5 em 5 minutos e obrigam o usuário a digitar novamente login e senha e que dão um aviso que serão desativados 5 minutos antes do final do expediente. => Estamos falando do aprisionamento de corpos (a proibição do trabalho remoto: a exigência de presença física, indistintamente, de todos os colaboradores, para atividades que não requerem presença física) em um mundo que já abandou o feudalismo há vários séculos. => Estamos falando dos controles feitoriais (empregados que não produzem encarregados de vigiar e punir os que produzem), em um mundo em que o escravismo como modo de produção já foi abolido há mais de um século. => Estamos falando da organização vertical ou da organização dita "matricial", que aliena os trabalhadores (que, a rigor, não sabem bem o que estão fazendo) e, novamente, da não adoção do trabalho por projeto.
  • 39. 39 => Estamos falando da falta de democracia na empresa - isto mesmo: democracia! Em um mundo que já abandonou há mais de um século a monarquia (absolutista), as empresas ainda são, em boa parte, monárquicas. Estamos falando, enfim, de todos os mecanismos e procedimentos que são adotados para compensar ou "corrigir" (como se isso fosse possível) a falta de confiança (ou o baixíssimo capital social interno da empresa e do seu ecossistema) e esses mecanismos e procedimentos que aumentam o atrito de gestão, não raro também impedem a emergência espontânea da sinergia e, diretamente ou indiretamente, oneram a gestão (aparecendo também, portanto, como custos de sinergia e custos de transação). Sim, é preciso cortar os custos. Mas se fôssemos monetizar e somar os custos de transação, os custos de sinergia e os custos de atrito de gestão, veríamos que eles são tão grandes, mas tão absurdamente grandes, que deveriam ser os primeiros a ser cortados. Cortar pessoal pode ser necessário, mas demissões capazes de ter um impacto significativo (de 10 a 20% dos funcionários, quando isso é possível) não representam uma economia tão grande quanto reduzir uma pequena parte dos custos invisíveis. E - o que é pior - não é uma solução que alcança a raiz do problema. Porque mesmo com pessoal reduzido, os custos invisíveis continuarão. Aliás, em geral, eles até tendem a aumentar. Pois menos gente fazendo as mesmas coisas: a) estressa todo mundo, instaura o pânico para bater metas, gera desavenças entre dirigentes e subordinados, aumenta a competição entre
  • 40. 40 subordinados (que querem mostrar serviço para não ser demitidos na próxima leva), acarreta um declínio do capital social interno da empresa (quer dizer, derrui a confiança) aumentando os custos de transação; b) reduz o tempo livre dos colaboradores para se relacionar e para criar, diminuindo a interatividade e, consequentemente, a inovatividade da empresa e aumentando os custos de sinergia; e c) obriga a mais comando e mais controle e esse superavit de ordem top down aumenta inevitavelmente os custos de atrito de gestão. Investigadores da nova ciência das redes que vêm aplicando processos de rede em empresas estão chegando à conclusão de que é necessário, para as empresas que querem durar mais, tomar a decisão de começar a cortar os custos invisíveis. E que é possível fazer isso, sobretudo em momentos de crise como o que estamos vivendo (quando as empresas ficam tentadas a adotar a solução que parece mais fácil e mais garantida: cortar pessoal). Isso, é claro, exige uma transformação mais profunda. Mas não há outro jeito. Empresas que querem durar mais (e atravessar as crises) têm que ser empresas capazes de se transformar mais. Empreendimentos empresariais terão tanta dificuldade de fazer isso quanto mais sua estrutura for hierárquica e seus modos de regulação forem autocráticos. Uma das vantagens (se se puder falar assim) de empreendimentos em rede é a redução drástica dos custos de transação, dos custos de sinergia e dos custos decorrentes dos atritos de gestão.
  • 41. 41 VIVER DA REDE Se Albert Einstein (antes de virar pop star por ter aparecido exaustivamente na mídia broadcasting) tentasse ganhar a vida assim como eu ganho, produzindo intelectualmente e tentando vender produtos e serviços decorrentes de suas investigações, é absolutamente certo que iria à falência. Por isso não só ele, mas quase todos os que trabalham na produção de conhecimento novo, desbravando fronteiras em qualquer área de investigação, são empregados e têm salário (e outras garantias). O mesmo valeria para Dewey, Arendt, Foucault, Barabási ou Watts... e milhares de outros. Em geral são funcionários de alguma universidade. Ou são financiados por outra instituição hierárquica qualquer. Não têm que se preocupar muito com o que vão comer amanhã, como vão pagar o aluguel e como sobreviverão quando suas forças se esgotarem. Por outro lado, os que vivem por conta própria, da venda de seus produtos e serviços, vendem mais do mesmo. Vendem o que os compradores querem ouvir (e os compradores só querem ouvir o que conhecem, o que acham que funciona porque deu certo em algum lugar). Dizendo de outro modo: inovações dificilmente vendem até virar reprodução. Não me venham com esse papo do marketing de que as pessoas compram o que (acham que) é útil para elas, o que vai resolver o seu problema. No que tange a produtos de conhecimento, em geral, não compram. Pessoas e organizações compram somente o que acham que
  • 42. 42 podem comprar sem mudar a sua vida, seus padrões de relacionamento e sua forma de se organizar. Então, se você diz: "Olha, isso vai mudar o modo como você convive"; ou, "Veja, esse programa vai alterar a estrutura e a dinâmica da organização que você usa para ganhar a vida", então elas preferem não arriscar. Os malucos que insistem em investigar, descobrir, inventar e, ao mesmo tempo ganhar a vida sem a proteção, o patrocínio ou o financiamento de uma organização hierárquica, têm que viver navegando nos esgotos da Matrix, sempre procurando, com sua Nabuconozor, alguma brecha no sistema. É uma vida de aventuras (e desventuras) em que nunca há garantia de estabilidade. Jeanne Marie Gagnebin nos conta que depois de renunciar à sua carreira acadêmica, Walter Benjamin assume, a partir de 1925, "essa existência de "freier Schiriftsteller” (“escritor livre”) na qual a liberdade tem geralmente por preço a pobreza, às vezes a miséria". Vale a pena? Não sei dizer. Depende do que cada um sente e deseja. Eu já não poderia viver de outro modo.
  • 43. 43 DETERMINANTE É COMO VIVE O SUJEITO Quando as pessoas conversam sobre redes - viver em rede, viver da rede - é necessário prestar atenção às diferenças de perspectivas. Sem fazer qualquer juízo de valor, vejamos alguns exemplos de perspectivas diferentes: 1 - A perspectiva de quem não tem emprego é completamente diferente da perspectiva de quem tem a segurança de um salário (mesmo pequeno) no final do mês, férias, décimo-terceiro e outros benefícios (como plano de saúde e, às vezes, aposentadoria especial). 2 - A perspectiva de quem não tem renda (ações, capital investido, propriedades produtivas ou potencialmente produtivas, poupança e outros ativos que sirvam como garantias reais para tomar crédito) é completamente diferente da perspectiva de quem tem algum tipo de renda (e sabe que pode se dedicar a uma enterprise que não vão lhe faltar condições de sobrevivência no curto ou no médio prazos). 3 - A perspectiva de quem tem que viver somente dos seus próprios empreendimentos (e é obrigado a vender continuamente produtos ou serviços para pagar suas contas diárias, semanais e mensais) é completamente diferente da perspectiva de quem é sustentado por alguém (ou, pelo menos, conta com a ajuda de alguém - cônjuge, pai, mãe
  • 44. 44 ou outros parentes ou benfeitores - para as despesas do dia-a-dia ou para dar aquele apoio num momento de necessidade). 4 - A perspectiva de quem observa, investiga, gera explicações, escreve e publica por conta própria e/ou com seus amigos é completamente diferente da perspectiva de quem está abrigado em uma instituição que financia, apoia, fornece condições materiais, remunera o ócio criativo e ainda valida de modo diferencial a produção intelectual de seus membros. Em suma: 5 - A perspectiva de quem não pertence a um grupo (família, entidade ou instituição) e depende da volatilidade dos laços fracos para realizar qualquer iniciativa conjunta é completamente diferente da perspectiva de quem pertence a uma organização proprietária e fechada e pode contar com o apoio de laços fortes de identidade, que selecionam os "de dentro" de modo diferenciado em relação aos "de fora". Os discursos, as preferências intelectuais, os incômodos com a sua situação atual, não mudam a perspectiva do sujeito. Não é determinante o que ele pensa, deseja ou como gostaria de viver e sim como ele vive.
  • 45. 45 POR QUE TEMOS QUE FICAR SEMPRE VENDENDO ALGUMA COISA As alternativas são simples numa sociedade mercantil: a) ou você é sustentado por alguém, recebe algum tipo de renda ou financiamento, ganha um salário; ou, b) tem que vender alguma coisa para sobreviver. Em geral os que ganham salários são pagos por alguém que recebe algum tipo de renda ou financiamento, arranca compulsoriamente dinheiro das pessoas via impostos ou vende alguma coisa. Os que recebem salários de organizações que vivem de impostos costumam achar que sua fonte de renda é mais nobre do que se vendessem produtos ou serviços. Acadêmicos, por exemplo, têm certa alergia ao mercado: acham meio indigno sair por aí vendendo qualquer coisa. Mas eles só podem fazer isso porque, no final do mês, está garantido que terão como pagar o aluguel e o supermercado, a padaria e a farmácia, a escola dos filhos e o dentista e o psicanalista Quem não tem tal garantia tem que se virar vendendo alguma coisa. Do contrário vai parar embaixo da ponte (se não tiver o papai e a mamãe para acolhê-lo). Os que recebem salário em geral não estão contentes com seu emprego. Mas preferem viver reclamando do tipo de trabalho que fazem do que empreender por conta própria e ter que vender alguma coisa. Gostariam de ser financiados para fazer o que realmente desejam. Mas quem poderá financiá-los sem receber algum tipo de renda, sem arrancar
  • 46. 46 compulsoriamente dinheiro das pessoas via impostos ou sem vender alguma coisa? Por outro lado, ao ter a garantia do salário fornecido por um emprego em que estão descontentes, as pessoas perdem importantes parcelas de sua liberdade que é a fonte de toda criatividade. Ao não poderem se jogar no fluxo criativo (porque sua agenda fica, em grande parte, controlada por seus empregadores) essas pessoas ficam menos alegres e menos felizes. Ademais, ao criar menos, elas ficam diminuídas de humanidade. Estão entendendo por que eu e vários amigos temos que ficar sempre vendendo alguma coisa? É porque não somos sustentados por ninguém, não recebemos qualquer tipo de renda ou financiamento e não ganhamos salário. Platão, desonestamente, acusava Protágoras (e os sofistas em geral) de vender seus conhecimentos para os jovens atenienses (na verdade eles vendiam seu tempo, na forma de cursos livres, sobretudo de retórica prática: uma habilidade exigida para interagir na Ecclesia, a instância participativa da Polis, quer dizer, da comunidade política democrática nascente). Os sofistas - que, como se vê, não por acaso, participaram decisivamente da primeira invenção da democracia - precisavam (e queriam) fazer isso para sobreviver. Platão não precisava: era um aristocrata (e um autocrata, um inimigo da democracia). Hoje os que se sustentam com o salário da universidade (e toda academia é platônica) também não acham de bom tom que pessoas como eu e alguns amigos vivam vendendo cursos e programas de aprendizagem. Nas alfândegas ideológicas em que se transformaram certas áreas da universidade, campeia certo preconceito contra o empreendedorismo e o livre-mercado
  • 47. 47 (que confundem, tolamente, com capitalismo, quando o capitalismo - não o dos livros que escrevem, mas o realmente existente - é justamente o contrário). Quem tem proventos garantidos por uma instituição hierárquica (quer dizer, sacerdotal: e todo sacerdócio é professoral, é uma burocracia do ensinamento) não precisa fazer isso. Mas nós, os sofistas, os livre-discentes de hoje, precisamos (e queremos, na medida em que não queremos ser sustentados por organizações hierárquicas). Então devo dizer, à Platão e seus descendentes, que sinto muito. Vamos continuar vendendo.
  • 48. 48 RECONFIGURAR O AMBIENTE Como eu sei com quem devo interagir para promover iniciativas conjuntas? Sintonia! Se tiver que explicar muito, convencer, insistir... babau! Como eu sei se está dando certo o que fazemos juntos? Sinergia! Se espontaneamente as coisas fluem, as habilidades e competências se complementam sem sobre-esforço adicional de planejar, administrar e cobrar... legal! Sintonia e sinergia. Um empreendimento em rede só surge quando trajetórias de vida (ou histórias fenotípicas) de três ou mais pessoas se cruzam por sintonia. A sinergia pode ensejar que essas pessoas continuem fazendo coisas juntas. Se a sintonia desaparece as linhas de vida se afastam. E não há muito jeito de reverter isso. Mas se a sinergia apresenta disfunções, há, sim, o que fazer: reconfigurar o ambiente. Reconfigurar o ambiente. Tem a ver com os fluxos. E com os caminhos. Mudanças nos ambientes físicos e virtuais têm reflexos nos caminhos e nos fluxos. Mas o fundamental são as pessoas. Só um fluxo entrante de novas pessoas pode alterar completamente a configuração do ambiente. Interação sempre entre as mesmas pessoas gera circularidades cristalizadoras que produzem escassez e, mais cedo ou mais tarde, "nós" organizacionais que opacam, ossificam ou hierarquizam as iniciativas. Quando coagula, tem que dissolver (Solve & Coagula), do contrário as bolhas ficam quebradiças. Mas o outro-imprevisível é o solvente (Solve).
  • 49. 49 Pessoas. As pessoas são os caminhos. Tudo que não for pessoa é entidade abstrata. Os projetos devem estar mais identificados com as pessoas que os promovem do que com qualquer marca designativa de uma entidade abstrata. As pessoas se aproximam umas das outras a ponto de iniciarem um projeto conjunto por sintonia. A configuração do campo que formam é função da sinergia. Aumentar os graus de distribuição. Os ambientes físicos e virtuais devem ser distribuídos. Vários espaços, várias plataformas, várias mídias. Cada pessoa pode ter seus próprios espaços, suas plataformas, suas mídias. Os projetos estarão onde estiverem (física ou virtualmente) as pessoas (interagindo). Várias vizinhanças colaborativas podem ser constituídas e desconstituídas. Impermanência. Acompanhar a vida nômade das coisas. Nada deve ser pensado para durar para sempre. Tudo dá certo enquanto dura (e só dura enquanto houver sinergia). Pode-se reconfigurar os ambientes, mas nem sempre se deve espichar a duração do que terminou. São bolhas.
  • 50. 50 UMA SÍNTESE 1 - Cada projeto, um empreendimento. 1.1 - Um projeto vira um empreendimento coletivo por sintonia (sem necessidade de muito convencimento e de recrutamento: entra quem deseja, quem achou legal). 2 - Cada empreendimento, uma comunidade de projeto autônoma. 2.1 - Comunidades de projeto autônomas fazem sua própria curadoria e se administram a si mesmas por sinergia (a maximização da sinergia compensa os custos de transação e os custos dos atritos de gestão). 3 - Comunidades de projeto podem se articular em rede com outras comunidades de projeto a partir de desejos congruentes, visões, propósitos e agendas compartilhados. 3.1 - Comunidades de projeto conectadas em rede podem "se abrigar" sob um mesmo branding, se houver sinergia entre elas. Isto é o que podemos chamar de empresa em rede: a empresa como ambiente favorável à enterprising, baseada na aventura de empreender e não na estrutura de poder. 3. 2 - Comunidades de projeto em rede que adotam um mesmo branding, não podem criar uma única estrutura obrigatória (seja física ou virtual) para todos os projetos, que seja operada centralizadamente por alguns. Neste caso ocorrerá, inexoravelmente, produção de escassez e a rede,
  • 51. 51 mais cedo ou mais tarde, se hierarquizará (com alguns tendo poderes regulatórios aumentativos em relação aos demais). 3. 3 - Se queremos fazer empreendimentos em rede, os meios devem ser múltiplos e distribuídos (vários meios: várias sedes, várias lojas, várias plataformas). Cada comunidade de projeto adotará os meios que conseguir operar sem depender de instâncias ou atores externos. 3. 3. 1 - Não pode haver uma comunidade de projeto cujo projeto seja administrar todas as comunidades de projeto conectadas sob o mesmo branding. Este projeto não será válido se a rede for mais distribuída do que centralizada. Em suma: A rede só existe enquanto as pessoas estão interagindo. Além da sintonia geral que ensejou a formação da rede, a continuidade das iniciativas dependerá da sinergia alcançada em cada comunidade de projeto e entre as diferentes comunidades de projeto. Dentro do escopo estabelecido, qualquer pessoa pode propor um novo empreendimento, pode entrar em um empreendimento já existente (se for aceita pela comunidade de projeto respectiva) e pode sair quando quiser (ela prestará contas unicamente às comunidades de projeto a que se conectou). Várias redes são assim acionadas. Cada parceiro é um nodo da rede. Todo nodo da rede vira um possível ponto de transações e de criação, produção e consumo, evocando uma nova economia em rede distribuída. Lembra um pouco, como disse o Fernando Baptista, a dinâmica do Bitcoin e do Ethereum, em que cada pessoa que disponibiliza parte de seu computador
  • 52. 52 para armazenar/processar as transações recebe moedas em troca, possibilitando assim a coisa funcionar de maneira completamente distribuída (sem necessidade de um servidor ou de capacidade de processamento instalada). A rede que promove tudo isso não pode ser uma organização proprietária, uma empresa, uma cooperativa, uma ONG ou assemelhadas e sim uma constelação de empreendimentos sinérgicos tocados voluntariamente por pessoas que se sintonizam e desejam fazer coisas juntas (lucrativas e não- lucrativas) em rede. É da própria natureza de rede distribuída de pessoas ter vários meios, várias plataformas, vários serviços. Não há vantagem em sistemas integrados de vez que a integração pode ser feita por cada comunidade de projeto que toca um empreendimento. Quem precisa de planejamento e integração (para não gerar sobretrabalho) são organizações centralizadas. Pois havendo distribuição, desconstitui-se o conceito de sobretrabalho (de vez que não recai sobre os mesmos as mesmas funções repetitivas). De novo: muitos meios, muitos caminhos, muitas possibilidades de serviços associados: este é o único ponto do qual não podemos abrir mão se queremos, de fato, empreender em rede.
  • 53. 53 UM PROBLEMA NÃO RESOLVIDO Empreender em rede é legal e coisa e tal, mas consome o nosso tempo e as nossas energias. E às vezes não temos esse tempo. Posso dar o meu depoimento pessoal. Com a trilogia Fluzz (2011), Small Bangs (2012) e Hierarquia (2012), criei um problema para continuar escrevendo: o que dizer, de mim, além? Escaparam, talvez, o A Terceira Invenção da Democracia (2013) e o inconcluso, até agora, A livre-aprendizagem na sociedade-em-rede (2015). Mas o que escapou apenas desdobrou ou desenvolveu: aplicou, não fundou. Para refundar precisaria pular de novo no abismo: investigar as relações entre alma e rede, além-do-último-Hillman. Uma parte de mim já está lá. Outra parte é puxada diariamente para aplicar, vender, sobreviver. Esse esgarçamento é phodda, mas se fosse sustentado por alguma organização hierárquica, aí é que não pularia mesmo. Ninguém ganha impunemente um salário. A segurança de um dinheirinho certo no final do mês para pagar as contas tem um preço: você tem que pagá-lo com um pedaço da sua alma (em outras palavras, tem que depositar - ou congelar - parte da sua liberdade para criar). Se não fizer isso, ficará devendo ao sistema. Fico devendo. Fuck the system.
  • 54. 54 NOTAS E REFERÊNCIAS (1) FRANCO, Augusto (2011): Resista à tentação de pertencer a um grupo. (2) FRANCO, Augusto (2012): Hierarquia: explorações na Matrix realmente existente. (3) Cf. COASE, Ronald (1937). The Nature of the Firm. Economica, New Series, Vol. 4, No. 16. (Nov., 1937), pp. 386-405. London: London School of Economics and Political Science, 1933. Disp. in http://goo.gl/Ruzb1F (4) Cf. Resultados do levantamento de 2011 sobre expectativa média de vida das empresas na base das 500 Standard & Poors.