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24 CONTABILISTA 215
COLABORAÇÃO ISCAL
O
direito à liberdade de ges-
tão empresarial, tendo
como corolário o princípio
da autonomia privada, na vertente
de liberdade de iniciativa económi-
ca e empresarial encontra-se cons-
titucionalmente reconhecido nos
art.º 61.º, art.º 80.º, al. c) e art.º 86.º
da Constituição da República Por-
tuguesa (CRP). Integra este acervo a
liberdade de planeamento fiscal, de
escolha de forma societária, de or-
ganização da empresa, da forma de
financiamento, do local da sede da
empresa, afiliadas e estabelecimen-
tos estáveis, entre outras.
Por sua vez, o art.º 103.º da CRP es-
tabelece como fim do sistema fiscal
a satisfação das necessidades fi-
nanceiras do Estado e demais en-
tidades públicas no quadro de uma
repartição justa do rendimento e da
riqueza criados, cuja administra-
ção e liquidação foi atribuída, pelo
Olhares divergentes da
jurisprudência CAAD sobre
a aplicação da CGAA
A discussão e reflexão crítica relativamente à aplicação da cláusula geral antiabuso (CGAA)
mantém-se atual. Este trabalho analisa duas orientações divergentes que resultaram de decisões
do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) relativamente à mesma factualidade.
Por Joana Silva*, Sara Ferreira Pinto* e Tereza Guia Arraiano* | Artigo recebido em janeiro de 2018
Decreto-Lei n.º 118/2001, de 15 de
dezembro, à Autoridade Tributária
e Aduaneira (AT).
O princípio da livre disponibili-
dade económica das empresas que
concretiza a ideia de Estado fiscal
obsta que a autoridade fiscal limi-
te ou balize as opções jurídicas do
contribuinte. Sucede, porém, que
não obstante o Estado reconhecer
a livre conformação fiscal dos indi-
víduos para que estes planifiquem a
sua vida económica não desconsi-
dera as suas próprias necessidades
financeiras nem a necessidade de
assegurar a desejável manutenção
do princípio da neutralidade, de
modo a garantir, designadamente,
a equilibrada concorrência entre as
empresas, reprimindo os abusos de
posição dominante e outras práticas
lesivas do interesse geral.
Portanto, as liberdades de inicia-
tiva e de empresa não são direitos
absolutos podendo ser limitados
especialmente se a vantagem fis-
cal de um comportamento co-
loca em causa e/ou contraria a
totalidade do ordenamento jurí-
dico-tributário como sistema de
partilha de encargos tributários,
como seja, a ocultação de factos
ou valores que devam constar de
livros de contabilidade ou de de-
clarações fiscais, a obtenção de
reembolsos de tributos indevidos,
ou a existência de negócios simu-
lados, quer quanto ao valor quer
quanto à natureza.
Com vista a combater a fraude e
evasão fiscal os Estados têm toma-
do medidas legislativas através de
vários mecanismos legais, entre os
quais a cláusula geral anti-abuso
(CGAA), prevista no n.º 2 do artigo
38.º da Lei Geral Tributária (LGT).
Num tempo em que escasseiam
recursos para suportar um Esta-
FEVEREIRO 2018 25
COLABORAÇÃO ISCAL
do fiscal que se tem revelado des-
perdiçador e ineficiente face a uma
economia cada vez mais digital e
uma sociedade cada vez mais des-
materializada, não obstante ter sido
largamente debatida na doutrina, a
discussão e reflexão crítica relativa-
mente à aplicação da CGAA mantém
a sua acuidade e atualidade, pelo que
nos debruçaremos sobre duas orien-
tações divergentes que resultaram
de decisões do Centro de Arbitragem
Administrativa (CAAD) relativa-
mente à mesma factualidade, anali-
sando os aspetos mais relevantes da
mesma, refletindo sobre os mesmos
com as ilações devidas.
A problemática em análise:
autorização de aplicação da CGAA
Com vista a expor a problemática
que estamos a analisar, iremos re-
correr a três processos do CAAD,
nomeadamente o processo n.º
47/2013-T, o processo n.º 51/2014-T
e o processo n.º 131/2014-T.
Atendendo a que os processos sobre
os quais recaem esta problemáti-
ca são extremamente semelhantes,
seguiremos o processo n.º 47/2013-
T, como exemplo dos restantes.
De uma forma geral, estamos pe-
rante uma transformação de so-
ciedades por quotas em sociedades
anónimas, a qual resulta na con-
sequente alienação das suas ações,
a existência da CGAA, sendo que o
ato de transformação societária se
tornou ineficaz, originando assim
que o requerente pague a liquidação
contestada a 18 de janeiro de 2013.
Caracterização da CGAA
A Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezem-
bro, aprovou o Orçamento do Es-
tado para 1999 na qual a CGAA fora
introduzida na legislação portu-
guesa pela primeira vez. Contudo,
esta primeira abordagem não se en-
quadrava adequadamente, devido
à sua falta de preparação e estudo
prévio, o que resultou na sua não
aplicação.
Após algumas alterações, aquan-
do a reforma fiscal de dezembro de
2000, através da Lei n.º 30/2000,
de 29 de dezembro, a CGAA fora
alterada, passando assim a ter a
seguinte redação, no art.º 38.º, n.º
2 da LGT: «São ineficazes no âm-
bito tributário os atos ou negócios
jurídicos essencial ou principal-
mente dirigidos, por meios artifi-
ciosos ou fraudulentos e com abuso
das formas jurídicas, à redução,
eliminação ou diferimento tem-
poral de impostos que seriam de-
vidos em resultado de factos, atos
ou negócios jurídicos de idêntico
fim económico, ou à obtenção de
vantagens fiscais que não seriam
alcançadas, total ou parcialmente,
Figura 1.1 - Cronologia dos acontecimentos do processo nº47/2013 - T
evitando a tributação das mesmas.
Como podemos observar na figu-
ra 1.1, a 31 de julho de 2008 foi ce-
lebrado um contrato-promessa de
compra e venda de participações
sociais entre os sócios da sociedade
comercial por quotas “A” e a socie-
dade anónima “B”, sendo que a so-
ciedade “A” se comprometeu a ven-
der à sociedade “B” 90 por cento do
capital detido.
A 29 de outubro de 2008, os só-
cios da sociedade “A” aprovaram
a transformação da sociedade por
quota em sociedade anónima, sen-
do que o requerente votou a favor da
mesma, passando assim a deter cin-
co por cento do capital da socieda-
de anónima, tendo em atenção que
adquiriu cinco por cento do capital
da sociedade por quotas em 2005.
Posteriormente, dois dias a seguir,
o requerente vendeu a sua partici-
pação social à sociedade anónima.
A 31 de outubro de 2012, os sócios
alienaram 90 por cento das partici-
pações sociais em conjunto e o re-
querente vende a totalidade da sua
participação.
Por fim, o diretor de finanças do do-
micílio fiscal da sociedade autorizou
o procedimento de inspeção tribu-
tária, emitindo a ordem de serviço,
tendo este início a 12 de outubro de
2011. Durante o procedimento, a
administração tributária conclui
26 CONTABILISTA 215
COLABORAÇÃO ISCAL
sem utilização desses meios, efe-
tuando-se então a tributação de
acordo com as normas aplicáveis
na sua ausência e não se produzin-
do as vantagens fiscais referidas.»
Doutrinariamente, a CGAA é ca-
racterizada por ser composta por
quatro elementos: elemento meio,
resultado, intelectual e normativo.
Primeiramente, o elemento meio
corresponde à via que fora utili-
zada com vista a obter determi-
nado ganho ou vantagem fiscal
desejada, sendo que temos de ter
em consideração os atos que tive-
ram na origem da obtenção deter-
minado fim fiscal.
Seguidamente, o elemento resul-
tado consiste na vantagem fiscal
e equivalência económica obtidas,
sendo que esta vantagem fiscal
resulta da comparação com a ope-
ração «normal», isto é, a que teria
sido praticada com vista a atingir
determinado resultado não-fis-
cal, segundo Courinha. Assim,
caracteriza-se numa situação cla-
ramente mais favorável, no que
respeita à carga tributária, da que
resultaria se o contribuinte tivesse
praticado os atos «normais» sujei-
tos a tributação.
Por sua vez, o elemento intelectual
resulta da motivação do contri-
buinte, no qual detém como ca-
racterística principal a alteração
das prioridades que movem o con-
tribuinte, sendo necessário que a
finalidade fiscal prevaleça sobre a
finalidade não fiscal.
Segundo Courinha, não podemos
apenas inferir da análise dos atos
praticados em causa, mas também
ter em consideração que as escolhas
adotadas pelo contribuinte sejam
fiscalmente orientadas e, conse-
quentemente, determinado resul-
tado fiscal prevaleça, então, sobre o
resultado não fiscal.
Assim, o elemento intelectual
preenche os elementos meio e re-
sultado, na medida em que, apenas
após a verificação do elemento inte-
lectual, se pode censurar os outros
dois. Todavia, estamos perante uma
prova irrefutável, visto que apenas
se obteria através da confissão do
contribuinte, sendo que a Admi-
nistração Tributária (AT) recorre a
provas indiciárias, perante um con-
texto de razoabilidade e normalida-
de, deduzindo a vontade do sujeito
dos atos celebrados.
Atendendo ao elemento normati-
vo, este representa a reprovação
normativo-sistemática da vanta-
gem obtida, no qual «identifica
a desconformidade do resultado
obtido através do ato abusivo com
a ratio legis, espírito ou propósito
da lei e os princípios do sistema
fiscal.» Visto que este elemento,
ao longo dos anos, tem sido acom-
panhado por opiniões diversas, a
AT alega que não se pode analisar
os art.os 10.º, n.º 2, alínea a) + 43.º
n.º 4, alínea b) do CIRS isolada-
mente, mas sim em conjugação
com o art.º 38.º, n.º 2 da LGT. O
objetivo da Administração Tribu-
tária previa um incentivo, o qual
estava direcionado aos «inves-
tidores que transformam e apro-
veitam a nova forma de gestão»,
e não aos que se aproveitam da
inépcia do legislador.
A estes quatro requisitos acres-
ce o elemento sancionatório, que
se cifra, a final, na consequência
legal de aplicação da CGAA, acar-
retando a ineficácia do ato ou do
negócio jurídico para efeitos fis-
cais, mantendo, porém, o ato ou
o negócio jurídico a sua valida-
de e eficácia no âmbito civil (en-
tre partes e terceiros). A ineficá-
cia consagrada na Lei sanciona o
comportamento elisivo pelo que
os efeitos fiscais obtidos ou a obter
deixam de ser vinculativos para a
administração fiscal, passando a
desconsiderar os atos praticados
e negócios jurídicos celebrados,
adaptando-os em termos capazes
de negar as vantagens fiscais pri-
mordialmente visadas.
Verificação da aplicação
da cláusula geral antiabuso -
elemento meio
Elemento meio - No processo em
análise, o elemento meio consis-
te na combinação de dois fatores,
designadamente a transformação
da sociedade por quotas em socie-
dade anónima e a alienação das
participações sociais, resultando
assim na eliminação do imposto
que outrora seria devido.
Efetivamente, no processo
n.º47/2013 - T, houve então um
contrato-promessa, «segundo
o qual a compra poderia ter por
objeto quotas ou ações e a AT
alega que as vantagens indica-
das são apenas aparentes e que
para a compradora seriam in-
significantes.» Isto é, se a efe-
tiva transformação societária
se demonstrasse como um fator
fulcral na realização do contra-
to, tal estaria previsto no con-
trato-promessa assinado. Assim,
a transformação societária tor-
na-se questionável quando rea-
lizada apenas dois dias antes da
celebração do contrato, tendo o
contrato-promessa sido assinado
três meses antes.
Com efeito, a reorganização so-
cietária poderá ser realizada por
duas vias:
• Através da prévia transfor-
mação da sociedade, a qual fora
utilizada pelos requerentes no
processo em análise, resultando
assim na exclusão da tributação;
FEVEREIRO 2018 27
COLABORAÇÃO ISCAL
• Através da alienação das quotas,
a qual é considerada a via normal
e, consequentemente, objeto de
tributação, ao abrigo do art.º 10.º
do CIRS.
Nas diversas situações em estu-
do, há que ter em consideração
que não se pode analisar as ações
dos contribuintes isoladamente,
mas sim a globalidade da atuação
do contribuinte, retirando então
a sua intenção.
Assim, a AT alega que os diversos
argumentos económicos apresen-
tados no relatório justificativo de
transformação societária não se
efetivaram, nomeadamente:
• Desenvolvimento futuro da em-
presa: diria respeito à comprado-
ra, visto que é a adquirente da
quase totalidade da sociedade,
tendo o poder de decisão sobre a
forma jurídica a assumir pela so-
ciedade;
• Ganhos de eficiência e proje-
ção: os quais não se capitaliza-
riam dentro do período de tempo
em que os vendedores detinham
ainda o controlo e consequente
proveito dos futuros ganhos da
sociedade;
• Gestão mais profissional e con-
trolo mais eficiente: não seria
válido, atendendo a que a vende-
dora já não teria o controlo efeti-
vo da sociedade.
Por último, os vendedores não po-
dem alegar que a atividade da so-
ciedade, designadamente o «bom
ambiente» da mesma, se tenha
alterado após a transformação so-
cietária, pois aquando a venda, a
atividade da sociedade já não teria
efeito sobre a vendedora.
Em suma, os argumentos justi-
ficativos expostos no relatório
justificativo da transformação
societária não se verificam, efeti-
vando-se assim o elemento meio.
28 CONTABILISTA 215
COLABORAÇÃO ISCAL
Elemento resultado
Relativamente aos diferentes resul-
tados fiscais obtidos, as mais-va-
lias, isto é, a diferença entre o preço
de realização e o preço de aquisição
de quotas, seriam tributadas a 10
por cento, nos termos do art.º 72.º,
n.º 4 em conjugação com o art.º 10.º,
n.º 1, alínea b) do CIRS, na redação
em vigor em 2008.
Contrariamente, a alienação de
participações sociais não seria tri-
butada a 10 por cento, na aceção do
art.º 10.º, n.º 2 alínea, a) e art.º 43.º,
n.º 4, alínea b) do CIRS, na redação
em vigor em 2008, pelo que este úl-
timo regime era claramente mais
vantajoso.
Por outro lado, a equivalência do re-
sultado não fiscal, atendendo a que
a compradora adquiriu 90 por cento
da sociedade, o resultado económi-
co seria de obter o controlo da titu-
laridade da sociedade bem como da
direção e da administração, inde-
pendentemente da forma societária
que a sociedade assumisse.
Do mesmo modo, o timing para a
decisão da transformação da so-
ciedade face às vantagens fiscais,
ou seja, o curto espaço de tempo no
qual ocorreu a transformação não
permite a verificação das respetivas
vantagens económicas.
Por conseguinte, temos, também,
de ter em conta que «é a motivação
fiscal que determina a atuação do
contribuinte», o que tornará o ato
censurável, dependendo da nature-
za da motivação.
No tocante à decisão do proces-
so n.º 51/2014-T, que recaiu sobre
uma situação de transformação de
seis sociedades por quotas em so-
ciedades anónimas (todas em 15 de
janeiro de 2009), adquiridas poste-
riormente (todas em 14 de outubro
de 2009) por uma sociedade gestora
de participações sociais (SGPS), ve-
rificou-se que todas foram vendidas
pela mesma pessoa (singular) e ad-
quiridas pela mesma SGPS de que
é único administrador (99,996 por
cento) a pessoa singular que as alie-
nou e contra quem a AT instaurou o
procedimento da CGAA, tributando
as mais-valias resultantes da alie-
nação das ações como se se tratas-
sem de mais-valias resultantes da
alienação de quotas. Para o sentido
desta decisão terão sido decisivos
não só os encargos suportados para
realização do conjunto de operações
onde se integram os negócios jurí-
dicos de transformação societária
não justificados «na perspetiva do
grupo societário», não se demons-
trando as alegadas vantagens de
financiamento supostamente gera-
das pela operação.
Acresce que o CAAD sopesou, igual-
mente, as formas jurídicas instru-
mentalizadas nas operações realiza-
das,considerandoqueassociedades,
enquanto pessoas coletivas de direi-
to, detêm uma função económico-
-social ligada a interesses comuns
com caráter duradouro e considerou
FEVEREIRO 2018 29
COLABORAÇÃO ISCAL
que estas finalidades são subjacentes
ao regime fiscal e, por conseguinte,
imprescindíveis.
Elemento intelectual
Sendo o elemento intelectual ca-
racterizado pela motivação do con-
tribuinte e, como anteriormente
mencionado, podendo apenas ser
confirmado pela confissão do pró-
prio contribuinte, a AT terá de re-
correr a provas indiciárias.
Com efeito, o indício mais forte que
nos fora apresentado é o curto pe-
ríodo entre a transformação da so-
ciedade e a venda das participações
sociais, o qual ocorreu num perío-
do de dois dias, não permitindo aos
vendedores obterem qualquer ga-
nho efetivo, enquanto detentores
das participações sociais.
Outro indício, não menos impor-
tante, é o facto do contrato-pro-
messa que fora celebrado três meses
antes, concedendo tempo suficiente
para que a operação da transforma-
ção societária ocorresse. De igual
modo, a forma societária da socie-
dade é indiferente para os vendedo-
res, pois já produz qualquer efeito
para estes.
Elemento normativo
De acordo com o processo n.º47/
2013-T e com o acórdão do TCA-Sul
04255/10, de 15 de fevereiro de 2011,
as normas antiabuso têm na sua
origem a necessidade de instituir
meios de reação apropriados, com
vista a assegurar não só o cumpri-
mento do princípio da igualdade na
repartição da carga tributária, mas
também a prossecução da satisfa-
ção das necessidades financeiras do
Estado e demais entidades públicas.
Efetivamente, embora a AT reco-
nhecer que está intrínseco na racio-
nalidade económica do contribuin-
te a minimização dos impostos a
suportar, este terá de escolher a via
menos onerosa de tributação, den-
tro do limiar tanto da lei como do
direito, sendo o seu limite a fraude
à lei. Com efeito, atendendo sempre
ao art.º 103.º, n.º 1 da Constituição
da República Portuguesa (CRP), o
qual alega que «o sistema fiscal visa
a satisfação das necessidades finan-
ceiras do Estado e outras entidades
públicas e uma repartição justa dos
rendimentos e da riqueza.»
Como anteriormente mencionado,
o art.º 1.º do CIRS, na redação em
vigor em 2008, teria de ser conju-
gado com o art.º 38.º, n.º 2 da LGT,
este último tem como finalidade
primordial o sancionamento dos
comportamentos e intenções que se
escondem por detrás de operações
artificiais.
Concluindo, o argumento apre-
sentado pelos requerentes de uma
existente «lacuna consciente de
tributação» na lei, não seria válido,
visto que, e como exposto no pro-
cesso n.º 131/2014 – T, «os direitos
de liberdade de empresa e de ini-
ciativa económica não são direitos
absolutos, não podem ser exercidos
de forma abusiva, a fim de subverter
o espírito das normas de tributação
e de concessão dos benefícios fiscais
e, dessa maneira, atingir um resul-
tado contrário ao Direito.»
De igual forma, no processo
n.º47/2013 – T, a artificialidade pela
qual caracteriza as ações do con-
tribuinte não poderá ser tolerada
pelo Direito e, atendendo a que os
direitos expressos na lei não são ab-
solutos, não devendo ser exercidos
de forma abusiva, considera-se que
o elemento normativo está, então,
preenchido.
Elemento sancionatório
Nas decisões em apreço, o elemento
sancionatório traduziu-se na tribu-
tação das mais-valias resultantes
de alienação de ações como se tra-
tassem de mais-valias resultantes
de alienação de quotas, e, por con-
seguinte, tributadas à taxa de 10 por
cento, ao invés de se manter a ex-
clusão de tributação.
Impossibilidade de aplicação
da CGAA - Da não verificação
do elemento normativo
A jurisprudência arbitral tem-se
pronunciado em termos maioritá-
rios no sentido da não aplicação da
CGAA quanto à problemática em
causa, nomeadamente na decisão
do processo n.º 123/2012, de 9 de
maio de 2013; na decisão do pro-
cesso n.º 124/2012, de 6 de junho
de 2013; na decisão do processo
n.º138/2012, de 12 de julho de 2013;
na decisão do processo n.º 138/2012,
de 12 de julho de 2013 e na decisão
do processo n.º 139/2013, de 19 de
dezembro de 2013.
A recusa da verificação do elemento
normativo pelo CAAD nestas deci-
sões é baseada em dois argumentos:
a existência de uma lacuna na lei e a
existência de uma opção dada pelo
legislador fiscal.
Existência de uma lacuna na lei
Os árbitros do processo n.º 43/2013
recorrem à doutrina de Courinha
(2004) de modo a estabelecer que
um resultado obtido ou pretendido
deve ser reprovado quando, con-
frontado com a intenção ou espíri-
to da lei, se verifica que este não é
desejado, previsto ou promovido
pelo Direito, mas antes rejeitado.
Nestes termos, o autor conclui que o
apuramento das «fronteiras do ato
elisivo» depende do «requisito da
condenação pelo ordenamento fis-
cal do resultado obtido».
De modo a reforçar este argu-
mento, no Processo n.º 124/2012 é
30 CONTABILISTA 215
COLABORAÇÃO ISCAL
recorrido à doutrina de Saldanha
Sanches (2006:180) estabelecendo
que «é necessário encontrar no
ordenamento jurídico-tributário
e como condição sine qua non de
aplicação da cláusula antiabuso,
os sinais inequívocos de uma in-
tenção de tributar (…) primeiro,
porque a evitação fiscal abusiva
não pode confundir-se com a per-
manente tentativa do contribuinte
para reduzir a sua tributação ou
para ponderar cuidadosamente
- planeamento fiscal abusivo – as
consequências da Lei fiscal na sua
atividade empresarial ou pessoal
(…) segundo, porque nesse esforço
permanente do que podemos qua-
lificar como omissões deliberadas
– justas, ou não, é uma outra coi-
sa – do legislador fiscal e, se isso
aconteceu, não pode atribuir-se ao
aplicador da lei a tarefa que cabe
primariamente ao legislador.»
Como exemplo de «lacuna cons-
ciente de tributação», o autor
(2006:182) aponta para a transfor-
mação de uma sociedade por quo-
tas em uma sociedade anónima
salientando que «se o legislador, ao
mesmo tempo que tributa as mais-
-valias das alienações das quotas,
deixa por tributar as mais-va-
lias das ações ou as tributava com
uma taxa mais reduzida, não pode
deixar de se aceitar fiscalmente a
transformação de uma sociedade
comercial em sociedade por ações
mesmo que a transformação seja
motivada por razões exclusiva-
mente fiscais.»
Deste modo os árbitros concluem
que mesmo que a transformação
fosse motivada por razões exclusi-
vamente fiscais, é o legislador que
opta, expressamente, por tributar a
venda das quotas e por não tributar
a venda das ações naquele contexto,
conforme decorre dos artigos su-
pracitados.
Opção dada pelo legislador fiscal
Atendendo à coexistência no orde-
namento jurídico-tributário da tri-
butação em sede de IRS dos ganhos
decorrentes da venda de quotas com
a não tributação em sede daque-
le imposto dos ganhos resultantes
da venda de ações o contribuinte é
confrontado com dois regimes.
Quanto a esta problemática, o
CAAD na decisão proferida no
Processo n.º 138/2012, de 12 de
julho de 2013, recorre às palavras
de Saldanha Sanches (2006:180)
afirmando que «perante tal op-
ção do legislador fiscal – justa
ou não, mas tal já é uma questão
distinta - não estaria vedado ao
contribuinte o aproveitamento
daquele regime que se lhe afigure
mais favorável, no contexto de um
planeamento fiscal abusivo, e não
caberia ao aplicador da lei substi-
tuir-se às opções de tributar ou de
não tributar certas realidades.»
Na decisão arbitral n.º 43/2013, de
26 de novembro, é reforçado este
ponto de vista, sublinhando que
«desde início da vigência do CIRS,
que a divergência de tratamento
tributário das mais-valias obtidas
com a alienação de quotas e ações
tem merecido críticas e propos-
tas de alteração legislativa» e que
tal solução legislativa, comportava
uma assumida promoção da trans-
formação de sociedades, opção esta
que, por isso, não pode refutar ar-
tificiosa.
Partilhando a mesma opinião da
jurisprudência do CAAD, nomea-
damente a não aplicação da CGAA
nos casos de transformação de so-
ciedades por quotas em sociedades
anónimas e a subsequente aliena-
ção das participações sociais, Cou-
rinha defende que até à revogação
do art.º 10.º, nº1, alínea b) do CIRS
pela Lei n.º 15/2010, de 26 de julho,
era estabelecido um benefício fiscal
extremamente influente no com-
portamento adotado pelos contri-
buintes.
De acordo com Courinha (2014:189),
«tal como em todas as situações
onde a neutralidade fiscal é posta
em causa por um tratamento van-
tajoso dado a certas realidades por
Num tempo em que escasseiam recursos para
suportar um Estado fiscal que se tem revelado
desperdiçador e ineficiente face a uma economia
cada vez mais digital e uma sociedade cada vez
mais desmaterializada, não obstante ter sido
largamente debatida na doutrina, a discussão e
reflexão crítica relativamente à aplicação da CGAA
mantém a sua acuidade e atualidade
FEVEREIRO 2018 31
COLABORAÇÃO ISCAL
contraponto a outras que lhe são
sucedâneas ou similares, uma não
tributação como aquela que aqui se
debate comporta sempre um ele-
mento dinâmico.»
Este elemento dinâmico, segun-
do o autor (2014:190), consiste «na
pretendida relação de causa-efei-
to entre a perda de receita fiscal e
o estímulo assim dado à adoção de
um comportamento económico por
parte do sujeito passivo, o qual é
preferido em detrimento de um ou-
tro» e pode ser observado quando
o legislador promove as sociedades
anónimas preterindo as sociedades
por quotas, estabelecendo um tra-
tamento de discriminação positiva
exclusivamente assente na forma
jurídica e que o sujeito passivo con-
sequentemente acolhe.
Quaisquer dúvidas relacionadas
com a existência do incentivo à
transformação de sociedades por
quota em anónimas e a alteração
da forma jurídica das participações
sociais por parte do legislador fis-
cal, são dissipadas ao atender à re-
dação da versão inicial do Estatuto
dos Benefícios Fiscais (EBF).
No art.º 35.º do EBF – atualmente,
o art.º 43.º, nº 6, alínea a) do CIRS
– sob a epígrafe «transformação de
sociedades por quotas em socieda-
des anónimas» considera-se que a
data de aquisição de ações resultan-
tes da transformação de sociedades
por quotas em sociedades anónimas
é a data de aquisição das quotas que
lhes deram origem. Como conse-
quência e de acordo com o enten-
dimento de Courinha (2014) « não
se pode alegar que o sujeito passivo
está em fraude à lei fiscal quando
ele se comporta exatamente como
o legislador que atribuiu o benefí-
cio fiscal pretendeu que ele se com-
portasse, a saber, transformando
as sociedades por quotas de que era
sócio em sociedades anónimas pre-
viamente à alienação das respetivas
ações, com isto se valendo o bene-
fício.»
Para esclarecimento da evolução
histórica do regime jurídico em
estudo, tomaremos, em seguida,
como referência o voto de venci-
do do conselheiro Lopes de Sousa
constante da decisão do processo
n.º 51/2014-T.
Assim, o artigo 10.º, n.º 1, alínea b)
do CIRS, com a redação do Decreto-
-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novem-
bro, previa que a exclusão de tribu-
tação das mais-valias resultantes
da alienação onerosa de ações deti-
das pelo seu titular durante mais de
24 meses.
Por sua vez, o então art.º 35.º do De-
creto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho
(EBF), fixava como data de aquisi-
ção de ações resultantes da trans-
formação de sociedades por quotas
em sociedades anónimas a data da
aquisição das quotas que lhes ti-
nham dado origem.
A Lei n.º 30-B/92, de 28 de dezem-
bro, diminuiu o período temporal
de detenção de ações exigido para
exclusão de tributação (de 24 para 12
meses) e, posteriormente, a Lei n.º
39-B/94, de 27 de dezembro, proce-
deu à remuneração dos artigos em
causa.
Com a publicação da Lei n.º-
30-G/2000, de 29 de dezembro, eli-
minou-se a exclusão da tributação
das mais-valias provenientes da
alienação de ações adquiridas após
a sua entrada em vigor, mantendo-
-se expressamente o regime ante-
rior para as ações adquiridas antes
dessa data (artigo 3.º, n.º 5 da Lei
n.º30-G/2000, de 29 de dezembro).
Sucede, porém, que este novo regi-
me não chegou a ser aplicado, por-
quanto, no tocante aos anos de 2001
e 2001, o n.º 9 do art. 147.º da Lei n.º
109-B/2001, de 27 de dezembro, es-
tabeleceu que era-lhes aplicável o
regime anterior à Lei n.º 30-G/2000
e, posteriormente, o Decreto-Lei
n.º 228/2002, de 31 de outubro, re-
introduziu o regime de não tribu-
tação das mais-valias derivadas da
alienação de ações detidas pelo seu
titular durante mais de 12 meses
(alínea a) n.º 2 do art.º 10.º do CIRS),
redação que se manteve até à entra-
da em vigor da Lei n.º15/2010, de 26
de julho, que revogou aquele pre-
ceito legal.
Courinha acrescenta um outro ar-
gumento de modo a sustentar a sua
opinião quanto à inaplicabilidade
da CGAA: o facto de a transforma-
ção de sociedades por quotas em
sociedades anónimas e a subse-
quente alienação das participações
sociais não constar no Decreto-Lei
n.º29/2008, de 25 de fevereiro.
A implementação do regime de co-
municação dos esquemas de pla-
neamento fiscal agressivo, através
do Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25
de fevereiro, tem como principal
objetivo o conhecimento pela AT
de esquemas de planeamento fiscal
abusivo, para futuramente realizar
alterações legislativas e regula-
mentares.
Segundo Courinha (2014), o facto de
a transformação de sociedades por
quotas em sociedades anónimas não
constar no Decreto-lei, apesar de
ser frequentemente uma estrutura
de planeamento fiscal, demonstra
uma reserva não confessada por
parte da própria fazenda pública em
aplicar a CGAA nestes casos. O que
significa que este aspeto não deve
ser apenas tido em consideração
como realçado na deliberação de
casos com esta temática.
Conforme o autor anteriormente
referido, tratando-se de uma estru-
tura de planeamento fiscal muito
32 CONTABILISTA 215
COLABORAÇÃO ISCAL
conhecida (e praticada em termos
quase massificados) é de estranhar
a sua não identificação naquela lis-
ta, onde estão apresentados os casos
marcadamente conhecidos suscetí-
veis de sujeição ao regime previsto
no n.º 2 do art.º 38.º da LGT.
Courinha ressalva a opção fei-
ta pela AT, arguindo que talvez os
serviços centrais da AT se tives-
sem apercebido da mais que pro-
vável inviabilidade da aplicação da
CGAA a tais operações, evitando
por isso listá-las.
Diversos membros da doutrina par-
tilham a mesma posição tomada
pelo CAAD, nomeadamente Sal-
danha Sanches (2006) que defende
que a problemática em questão não
deve ser abrangida pela CGAA dado
tratar-se de uma clara opção do le-
gislador por tipos estruturais e por
intensificar a falta de neutralida-
de da lei fiscal com a concessão de
um tratamento mais vantajoso às
ações face às demais participações
sociais.
Quanto à transformação de so-
ciedades por quotas em socieda-
des anónimas, Fernandes Oliveira
(2009) insinua que não é possível
a aplicação da CGAA dado que está
em causa um direito de opção que
o sistema fiscal permite aos contri-
buintes.
Por fim, Alberto Xavier (1981) suge-
re como exemplo de planeamento
fiscal legítimo, o aproveitamento
das diferenças de tratamento fiscal
entre os diferentes tipos societários
quando o tratamento de um seja in-
justificadamente mais favorável do
que o concedido a outro.
Análise crítica
As decisões dos CAAD em estudo,
grosso modo, analisam a factuali-
dade controvertida perscrutando
e aplicando os quatro requisitos da
CGAA, de acordo com a doutrina
largamente difundida de Gustavo
Courinha.
O cerne da divergência interpre-
tativa das decisões do CAAD em
análise reside, essencialmente, no
sentido e alcance dado ao elemento
normativo, que tem sido considera-
do por parte da doutrina como sen-
do um dos requisitos da CGAA mais
relevantes e significativos uma vez
que, embora não decorra expressa-
mente da lei, não pode ser ignorada
a intenção de combate à evasão fis-
cal que inspira e enforma o regime
da CGAA.
O elemento normativo exige que
perante uma concreta situação que
possua natureza anómala e indicie
que tenha sido fiscalmente motiva-
da, o intérprete questione, primei-
ramente, se a intenção da norma ou
os princípios essenciais de um certo
setor de tributação são contrários à
aceitação daquele resultado. Ora,
esta exigência torna a tarefa de
aplicação da CGAA uma operação
bastante complexa, por vezes de
resultados dúbios, especialmente,
nas situações em que precisamente
o legislador permitiu a adoção de
comportamentos fiscalmente mais
vantajosos para os contribuintes,
especialmente, perante o direito à
liberdade de gestão empresarial e ao
planeamento fiscal do contribuinte.
As decisões do CAAD em apreço
no presente artigo traduzem duas
interpretações divergentes sobre
idêntica factualidade, cujo âmago
reside no sentido e alcance dado ao
resultado da conjugação da alínea
b) do n.º 2 do art.º 10.º do Código do
IRS, com a alínea b) do n.º 4 do art.º
43.º do Código do IRS, bem como o
n.º 2 do art.º 38.º da LGT, ou seja, a
aplicação da CGAA.
Atento o supra exposto, conside-
rando os elementos de interpreta-
ção previstos no sistema jurídico
português, passaremos a comparar
as diferentes perspetivas das deci-
sões deste trabalho. Ou seja, con-
forme estatuído no n.º 1 do art.º 9.º
do Código Civil e porque se trata de
um elemento jurídico, a interpre-
tação não deve cingir-se à letra da
lei, mas reconstituir o pensamento
legislativo, acrescentando, desta
forma, certeza e segurança na tri-
butação.
O elemento gramatical, não sen-
do o fim em si da interpretação, é,
indubitavelmente, o seu ponto de
partida.
Da leitura das decisões do CAAD
que se pronunciaram pela não au-
torização de aplicação CGAA em
estudo (orientação maioritária),
ressalta, desde logo, ser sua con-
vicção de que a letra da lei conce-
de um tratamento mais favorável a
quem procedesse à transformação
da sociedade por quotas em socie-
dade anónima, reconhecendo, por
essa via, um benefício fiscal. Assim,
tendo o próprio legislador fiscal to-
mado a decisão «justa ou não » de
lesar a neutralidade fiscal pelo tra-
tamento mais favorável concedido,
não cabe ao aplicador da lei substi-
tuir-se às opções de tributar ou não
tributar certas realidades.
Contrariamente, as decisões que
autorizaram a aplicação da CGAA
alertam para a necessidade de não
se poder fazer uma leitura da lei
«de forma isolada, mas em conju-
gação com o art.º 38, n.º 2 da LGT».
Esta orientação ressalta a função
da CGAA como meio de proteção
de princípios jurídicos superiores,
designadamente, a prossecução da
justiça, o cumprimento do princí-
pio da igualdade na repartição da
carga tributária bem como do en-
calço da satisfação das necessidades
financeiras do Estado (nos termos
FEVEREIRO 2018 33
COLABORAÇÃO ISCAL
do n.º 1, do art.º 103.º da CRP), re-
presentando uma forma de com-
bate à contradição entre formas
jurídicas adotadas pelas partes e
os fins económicos típicos dos atos
e negócios jurídicos, prevalecendo
interesses de natureza pública com
relevo superior sobre valores como
a certeza e segurança das relações
jurídico-tributárias . Deste modo,
a aplicação da CGAA encontra-se
justificada se, no caso decidendo,
se verificar que os fins económicos
se afastam das típicas formas jurí-
dicas, sob pena de perversão do sis-
tema.
No tocante ao elemento histórico, a
orientação maioritária defende que
o legislador tributou deliberada-
mente apenas as mais-valias resul-
tantes de alienação de quotas, não
só por se tratar de uma norma várias
vezes revista, ponderada e mantida
, mas também por ter resistido inal-
terada tão longamente, não caben-
do ao aplicador da lei substituir-se
às opções do legislador fiscal.
No polo oposto, a orientação mino-
ritária não reconhece aos critérios
de política fiscal justificativos do
tratamento favorável da exclusão de
tributação das mais-valias de ações
a potencialidade de legitimar o uso
abusivo do mesmo, entendimen-
to que veio a ser confirmado pela
revogação do n.º 2 do art.º 10.º do
Código do IRS, pela Lei n.º 15/2010,
de 26 de julho, como a «forma do
legislador reagir aos abusos per-
petrados em nome de uma alegada
abertura legislativa.»
No tocante ao elemento teleológi-
co, traduzindo a ratio legis, o fim
visado pelo legislador ao redigir a
norma, de acordo com a orienta-
ção maioritária, a reposição, pela
Lei n.º 16-B/2002, de 31 de maio, do
regime anterior que excluía de tri-
butação as mais-valias resultantes
da alienação de ações, com justifi-
cação no impacto negativo provo-
cado pela anterior reforma fiscal no
mercado de capitais, bem como a
circunstância das diversas propos-
tas de alteração daquele regime de
exclusão nunca terem vingado, de-
signadamente, os relatórios da Co-
missão para o Desenvolvimento da
Reforma Fiscal, em 1996 e do Grupo
de Trabalho para o Estudo da Polí-
tica Fiscal, Competitividade, Efi-
ciência e Justiça do Sistema Fiscal,
em 2009, evidenciam que, mesmo
sendo abusivo, o regime deve ser
permitido, porque desejado e até
incentivado pelo legislador.
Do ponto de vista sistemático esta
orientação releva o facto de, à data,
existir um acervo de leis relaciona-
das com as sociedades comerciais
com um tratamento preferencial
pelo modelo de organização socie-
34 CONTABILISTA 215
COLABORAÇÃO ISCAL
tária da sociedade anónima, de-
signadamente, o Decreto-Lei n.º
76-A/2006, de 29 de março, que
atualizou e flexibilizou os modelos
de governo das sociedades anóni-
mas, adotando medidas de sim-
plificação e eliminação de atos e
procedimentos notariais e regis-
trais para, conforme consta do seu
preâmbulo, «promover a competi-
tividade das empresas portuguesas,
permitindo o seu alinhamento com
modelos organizativos avançados.»
Contrariamente, a ideia que per-
passa as decisões da orientação
minoritária é a de condenação do
aproveitamento do regime de ex-
clusão tributária por parte de quem,
recorrendo a meios artificiosos ou
fraudulentos, transformou socie-
dades por quotas em sociedades
anónimas, defendendo que essa si-
tuação não pode deixar de merecer
censura normativo-sistemática por
parte do ordenamento jurídico .
Acresce que estas decisões confron-
tam os fins típicos do negócio jurí-
dico efetivamente celebrado com
aqueles que normalmente seriam
celebrados nas circunstâncias em
discussão, numa lógica de econo-
mia financeira societária. Assim,
nos casos em que a transformação
das sociedades por quotas em socie-
dades por ações se revelou um ato
inútil do ponto de vista societário,
como seja, por não visar a atração
comprovada de capitais, nem alte-
rações na estrutura organizativa,
conclui-se que essa situação factual
concreta evidenciava uma situa-
ção abusiva. Para a formação desta
convicção terá contribuído de for-
ma decisiva o probatório produzido
nos autos de processos.
Perante o excurso, torna-se inevi-
tável questionarmo-nos qual a ratio
legis dos preceitos legais (isolada e
conjuntamente) em análise e qual
a sua valoração pelo ordenamento
jurídico.
A CGAA, tal como prevista no n.º
2 do art.º 38.º da LGT não se traduz
numa fórmula rígida e fechada, an-
tes uma previsão aberta que visa
tornar ineficazes fiscalmente os
atos jurídicos dirigidos à redução,
eliminação ou deferimento tempo-
ral de impostos que seriam devidos
não fosse o emprego de meios arti-
ficiosos e fraudulentos e com abuso
de formas jurídicas, escopo alcan-
çável por via interpretativa.
Ora, uma das críticas dirigidas
contra as decisões que autorizaram
a aplicação da CGAA traduz-se no
facto de se entender que por meio
destas decisões o julgador estar-se-
-ia a imiscuir numa zona de pla-
neamento fiscal aberto pelo legisla-
dor aos contribuintes, vedada quer
à administração fiscal quer ao po-
der jurisdicional incorrendo, deste
modo, no risco de uma aplicação
equívoca do sistema fiscal.
Com efeito, é inegável que as nor-
mas em apreço estiveram em vigor
durante cerca de uma década e que
norma que equiparou os momentos
de aquisição para efeitos de tributa-
ção, inicialmente prevista no art.º
35.º do EBF, com a redação dada
pelo Decreto-Lei n.º 198/01, de 3 de
julho passou a constar do próprio
Código de IRS, na alínea b) n.º 4 do
art.º 43.º (hoje, n.º 6 do dito inciso
legal).
A elisão fiscal, contudo, realiza-se
através de atos ou negócios lícitos
«mas que a lei fiscal qualifica como
não sendo conformes com a subs-
tância da realidade económica que
lhe está subjacente, assim deven-
do qualificar-se como anómalos,
anormais ou abusivos» acarretando
sérios prejuízos para a concorrên-
cia empresarial, erosão das receitas
fiscais, «a distorção do princípio da
equidade e um claro menosprezo
do cumprimento das regras de ci-
dadania, situações que se fundam
em causas de carácter político, eco-
nómico, psicológico e técnico», tal
como refere o Acórdão do TCA- Sul,
processo n.º 04255/10 de 15-02-2011.
As decisões que autorizaram a aplicação da CGAA
alertam para a necessidade de não se poder fazer
uma leitura da lei «de forma isolada, mas em
conjugação com o art.º 38.º, n.º 2 da LGT».
Esta orientação ressalta a função da CGAA como
meio de proteção de princípios jurídicos superiores,
designadamente, a prossecução da justiça,
o cumprimento do princípio da igualdade
na repartição da carga tributária.
FEVEREIRO 2018 35
COLABORAÇÃO ISCAL
Conforme explanado, a orientação
minoritária perfila que as altera-
ções societárias motivadas por ra-
zões que não a atração de capitais,
alterações na estrutura organiza-
tiva, a captação e/ou dispersão de
capital, reforço das condições de fi-
nanciamento do grupo, mesmo que
meramente eventuais ou futuras
constituem evidências de situações
abusivas em especial se ocorrer
concentração de capital num indi-
víduo.
Ora, esta orientação, não obstante
aceitar que o legislador previu um
regime de tributação mais favorável
às sociedades anónimas, designa-
damente, pelo reconhecimento de
benefícios fiscais de que o regime
de exclusão de tributação das mais-
-valias resultantes da alienação de
ações previsto na então alínea a) do
n.º 2 do art.º 2.º do Código do IRS é
exemplo, não deixam de perscru-
tar se as finalidades que presidiram
àquela exclusão de tributação foram
cumpridas no caso concreto.
Ou seja, nestas situações em que a
fronteira entre a ratio legis e a atua-
ção contra legis, porém, ainda, in-
tra legis dos particulares é muito
ténue, as decisões do CAAD supra
referenciadas procedem a um estri-
to controlo de verificação do proba-
tório que parece aproximar-se das
doutrinas e princípios de interpre-
tação desenvolvidos em diversos
países em matéria de aplicação da
CGAA, designadamente, a substan-
ce over from doctrine (materialida-
de do negócio jurídico sobrepõe-se
à sua forma) ou o business purpose
(no âmbito do qual se escrutina a
validade dos motivos económicos
subjacentes ao negócio jurídico face
aos da simples economia fiscal).
Neste contexto, perante a constata-
ção de que se estava perante o uso de
expedientes puramente artificiais,
a autorização da aplicação da CGAA
justificou-se como meio de com-
bate ao abuso de direito no sentido
de prevalecer a substância sobre a
forma, ou seja, o interesse público
da descoberta da verdade material
face aos interesses financeiros dos
particulares, indo no sentido da
jurisprudência comunitária, desig-
nadamente, o acórdão Cadbury-S-
chewepps (C-196/06).
Figura, com efeito, pouco verosí-
mil que o legislador, ao conceber
o regime de exclusão de tributa-
ção das mais-valias resultantes da
alienação de ações, originadas pela
conversão de sociedade por quotas
em anónima, previsse e quisesse
aí englobar as situações em que a
transformação societária ocorreria
pouco tempo depois da alienação
(nas decisões apreciadas, entre as
operações mediaram dois dias ou
alguns meses, não ultrapassando o
prazo de um ano) ou aquelas em que
o adquirente e vendedor correspon-
dessem à mesma entidade do ponto
de vista económico (no caso uma
SGPS que acaba por deter o contro-
lo das sociedades anónimas), sem
que dessa operação adviesse qual-
quer ganho para a sociedade e para
a concorrência empresarial, com
custos avultados e desnecessários
dentro da lógica económica-em-
presarial.
Será ainda legítimo indagar sobre
as razões que conduziram o legis-
lador a considerar, através de uma
ficção legal, que a data de aquisi-
ção das ações corresponde à data
de aquisição das quotas que lhe
deram origem. Não terá o legis-
lador, simplesmente, pretendido
evitar custos administrativos que,
a final, se revelariam desneces-
sários? Deverá a alínea b) do n.º
4 do art.º 43.º do Código do IRS,
enquanto norma de determinação
do rendimento coletável, inserida
no capítulo II do Código do IRS,
ter o mesmo valor interpretativo
que uma norma de incidência, tal
como a constante da alínea b) do
n.º 2 do art.º 10.º do Código do IRS
que determina a exclusão de tri-
butação de mais-valias resultan-
tes de alienação de ações?
A tarefa reservada ao intérprete
de que resultaram as decisões ob-
jeto do presente trabalho, peran-
te a eventualidade de aplicação
da CGAA traduz-se, com efeito,
numa tarefa bastante complexa
pelo que qualquer reflexão sobre
as mesmas captará apenas parte
da realidade porquanto afigura-se
que os factos provados no processo
terão sido determinantes no senti-
do da decisão.
Não se olvide que o planeamento
fiscal traduz um direito subjetivo
dos contribuintes, cujo núcleo deve
ser respeitado e garantido. Porém,
o direito subjetivo ao planeamento
não é um direito absoluto pelo que o
sujeito passivo detém, simultanea-
mente, um ónus de planeamento e
um direito subjetivo de optar en-
tre os vários comportamentos le-
galmente admissíveis sob pena de
violação do princípio da igualdade
e da capacidade contributiva.
Antes de finalizar, atento que na
data de elaboração deste trabalho
algumas das decisões aqui retrata-
das não tinham transitado em jul-
gado, de acordo com a indicação
constante no site do CAAD, a dis-
cussão em torno desta matéria está
longe de se encontrar encerrada.z
Bibliografia disponível em («A Ordem – Publi-
cações – Revista Contabilista – Bibliografia»)
*Alunas do mestrado em Fiscalidade no
Instituto Superior de Contabilidade
e Administração de Lisboa

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Olhares divergentes da jurisprudência CAAD sobre a aplicação da CGAA

  • 1. 24 CONTABILISTA 215 COLABORAÇÃO ISCAL O direito à liberdade de ges- tão empresarial, tendo como corolário o princípio da autonomia privada, na vertente de liberdade de iniciativa económi- ca e empresarial encontra-se cons- titucionalmente reconhecido nos art.º 61.º, art.º 80.º, al. c) e art.º 86.º da Constituição da República Por- tuguesa (CRP). Integra este acervo a liberdade de planeamento fiscal, de escolha de forma societária, de or- ganização da empresa, da forma de financiamento, do local da sede da empresa, afiliadas e estabelecimen- tos estáveis, entre outras. Por sua vez, o art.º 103.º da CRP es- tabelece como fim do sistema fiscal a satisfação das necessidades fi- nanceiras do Estado e demais en- tidades públicas no quadro de uma repartição justa do rendimento e da riqueza criados, cuja administra- ção e liquidação foi atribuída, pelo Olhares divergentes da jurisprudência CAAD sobre a aplicação da CGAA A discussão e reflexão crítica relativamente à aplicação da cláusula geral antiabuso (CGAA) mantém-se atual. Este trabalho analisa duas orientações divergentes que resultaram de decisões do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) relativamente à mesma factualidade. Por Joana Silva*, Sara Ferreira Pinto* e Tereza Guia Arraiano* | Artigo recebido em janeiro de 2018 Decreto-Lei n.º 118/2001, de 15 de dezembro, à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). O princípio da livre disponibili- dade económica das empresas que concretiza a ideia de Estado fiscal obsta que a autoridade fiscal limi- te ou balize as opções jurídicas do contribuinte. Sucede, porém, que não obstante o Estado reconhecer a livre conformação fiscal dos indi- víduos para que estes planifiquem a sua vida económica não desconsi- dera as suas próprias necessidades financeiras nem a necessidade de assegurar a desejável manutenção do princípio da neutralidade, de modo a garantir, designadamente, a equilibrada concorrência entre as empresas, reprimindo os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral. Portanto, as liberdades de inicia- tiva e de empresa não são direitos absolutos podendo ser limitados especialmente se a vantagem fis- cal de um comportamento co- loca em causa e/ou contraria a totalidade do ordenamento jurí- dico-tributário como sistema de partilha de encargos tributários, como seja, a ocultação de factos ou valores que devam constar de livros de contabilidade ou de de- clarações fiscais, a obtenção de reembolsos de tributos indevidos, ou a existência de negócios simu- lados, quer quanto ao valor quer quanto à natureza. Com vista a combater a fraude e evasão fiscal os Estados têm toma- do medidas legislativas através de vários mecanismos legais, entre os quais a cláusula geral anti-abuso (CGAA), prevista no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária (LGT). Num tempo em que escasseiam recursos para suportar um Esta-
  • 2. FEVEREIRO 2018 25 COLABORAÇÃO ISCAL do fiscal que se tem revelado des- perdiçador e ineficiente face a uma economia cada vez mais digital e uma sociedade cada vez mais des- materializada, não obstante ter sido largamente debatida na doutrina, a discussão e reflexão crítica relativa- mente à aplicação da CGAA mantém a sua acuidade e atualidade, pelo que nos debruçaremos sobre duas orien- tações divergentes que resultaram de decisões do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) relativa- mente à mesma factualidade, anali- sando os aspetos mais relevantes da mesma, refletindo sobre os mesmos com as ilações devidas. A problemática em análise: autorização de aplicação da CGAA Com vista a expor a problemática que estamos a analisar, iremos re- correr a três processos do CAAD, nomeadamente o processo n.º 47/2013-T, o processo n.º 51/2014-T e o processo n.º 131/2014-T. Atendendo a que os processos sobre os quais recaem esta problemáti- ca são extremamente semelhantes, seguiremos o processo n.º 47/2013- T, como exemplo dos restantes. De uma forma geral, estamos pe- rante uma transformação de so- ciedades por quotas em sociedades anónimas, a qual resulta na con- sequente alienação das suas ações, a existência da CGAA, sendo que o ato de transformação societária se tornou ineficaz, originando assim que o requerente pague a liquidação contestada a 18 de janeiro de 2013. Caracterização da CGAA A Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezem- bro, aprovou o Orçamento do Es- tado para 1999 na qual a CGAA fora introduzida na legislação portu- guesa pela primeira vez. Contudo, esta primeira abordagem não se en- quadrava adequadamente, devido à sua falta de preparação e estudo prévio, o que resultou na sua não aplicação. Após algumas alterações, aquan- do a reforma fiscal de dezembro de 2000, através da Lei n.º 30/2000, de 29 de dezembro, a CGAA fora alterada, passando assim a ter a seguinte redação, no art.º 38.º, n.º 2 da LGT: «São ineficazes no âm- bito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principal- mente dirigidos, por meios artifi- ciosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento tem- poral de impostos que seriam de- vidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, Figura 1.1 - Cronologia dos acontecimentos do processo nº47/2013 - T evitando a tributação das mesmas. Como podemos observar na figu- ra 1.1, a 31 de julho de 2008 foi ce- lebrado um contrato-promessa de compra e venda de participações sociais entre os sócios da sociedade comercial por quotas “A” e a socie- dade anónima “B”, sendo que a so- ciedade “A” se comprometeu a ven- der à sociedade “B” 90 por cento do capital detido. A 29 de outubro de 2008, os só- cios da sociedade “A” aprovaram a transformação da sociedade por quota em sociedade anónima, sen- do que o requerente votou a favor da mesma, passando assim a deter cin- co por cento do capital da socieda- de anónima, tendo em atenção que adquiriu cinco por cento do capital da sociedade por quotas em 2005. Posteriormente, dois dias a seguir, o requerente vendeu a sua partici- pação social à sociedade anónima. A 31 de outubro de 2012, os sócios alienaram 90 por cento das partici- pações sociais em conjunto e o re- querente vende a totalidade da sua participação. Por fim, o diretor de finanças do do- micílio fiscal da sociedade autorizou o procedimento de inspeção tribu- tária, emitindo a ordem de serviço, tendo este início a 12 de outubro de 2011. Durante o procedimento, a administração tributária conclui
  • 3. 26 CONTABILISTA 215 COLABORAÇÃO ISCAL sem utilização desses meios, efe- tuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzin- do as vantagens fiscais referidas.» Doutrinariamente, a CGAA é ca- racterizada por ser composta por quatro elementos: elemento meio, resultado, intelectual e normativo. Primeiramente, o elemento meio corresponde à via que fora utili- zada com vista a obter determi- nado ganho ou vantagem fiscal desejada, sendo que temos de ter em consideração os atos que tive- ram na origem da obtenção deter- minado fim fiscal. Seguidamente, o elemento resul- tado consiste na vantagem fiscal e equivalência económica obtidas, sendo que esta vantagem fiscal resulta da comparação com a ope- ração «normal», isto é, a que teria sido praticada com vista a atingir determinado resultado não-fis- cal, segundo Courinha. Assim, caracteriza-se numa situação cla- ramente mais favorável, no que respeita à carga tributária, da que resultaria se o contribuinte tivesse praticado os atos «normais» sujei- tos a tributação. Por sua vez, o elemento intelectual resulta da motivação do contri- buinte, no qual detém como ca- racterística principal a alteração das prioridades que movem o con- tribuinte, sendo necessário que a finalidade fiscal prevaleça sobre a finalidade não fiscal. Segundo Courinha, não podemos apenas inferir da análise dos atos praticados em causa, mas também ter em consideração que as escolhas adotadas pelo contribuinte sejam fiscalmente orientadas e, conse- quentemente, determinado resul- tado fiscal prevaleça, então, sobre o resultado não fiscal. Assim, o elemento intelectual preenche os elementos meio e re- sultado, na medida em que, apenas após a verificação do elemento inte- lectual, se pode censurar os outros dois. Todavia, estamos perante uma prova irrefutável, visto que apenas se obteria através da confissão do contribuinte, sendo que a Admi- nistração Tributária (AT) recorre a provas indiciárias, perante um con- texto de razoabilidade e normalida- de, deduzindo a vontade do sujeito dos atos celebrados. Atendendo ao elemento normati- vo, este representa a reprovação normativo-sistemática da vanta- gem obtida, no qual «identifica a desconformidade do resultado obtido através do ato abusivo com a ratio legis, espírito ou propósito da lei e os princípios do sistema fiscal.» Visto que este elemento, ao longo dos anos, tem sido acom- panhado por opiniões diversas, a AT alega que não se pode analisar os art.os 10.º, n.º 2, alínea a) + 43.º n.º 4, alínea b) do CIRS isolada- mente, mas sim em conjugação com o art.º 38.º, n.º 2 da LGT. O objetivo da Administração Tribu- tária previa um incentivo, o qual estava direcionado aos «inves- tidores que transformam e apro- veitam a nova forma de gestão», e não aos que se aproveitam da inépcia do legislador. A estes quatro requisitos acres- ce o elemento sancionatório, que se cifra, a final, na consequência legal de aplicação da CGAA, acar- retando a ineficácia do ato ou do negócio jurídico para efeitos fis- cais, mantendo, porém, o ato ou o negócio jurídico a sua valida- de e eficácia no âmbito civil (en- tre partes e terceiros). A ineficá- cia consagrada na Lei sanciona o comportamento elisivo pelo que os efeitos fiscais obtidos ou a obter deixam de ser vinculativos para a administração fiscal, passando a desconsiderar os atos praticados e negócios jurídicos celebrados, adaptando-os em termos capazes de negar as vantagens fiscais pri- mordialmente visadas. Verificação da aplicação da cláusula geral antiabuso - elemento meio Elemento meio - No processo em análise, o elemento meio consis- te na combinação de dois fatores, designadamente a transformação da sociedade por quotas em socie- dade anónima e a alienação das participações sociais, resultando assim na eliminação do imposto que outrora seria devido. Efetivamente, no processo n.º47/2013 - T, houve então um contrato-promessa, «segundo o qual a compra poderia ter por objeto quotas ou ações e a AT alega que as vantagens indica- das são apenas aparentes e que para a compradora seriam in- significantes.» Isto é, se a efe- tiva transformação societária se demonstrasse como um fator fulcral na realização do contra- to, tal estaria previsto no con- trato-promessa assinado. Assim, a transformação societária tor- na-se questionável quando rea- lizada apenas dois dias antes da celebração do contrato, tendo o contrato-promessa sido assinado três meses antes. Com efeito, a reorganização so- cietária poderá ser realizada por duas vias: • Através da prévia transfor- mação da sociedade, a qual fora utilizada pelos requerentes no processo em análise, resultando assim na exclusão da tributação;
  • 4. FEVEREIRO 2018 27 COLABORAÇÃO ISCAL • Através da alienação das quotas, a qual é considerada a via normal e, consequentemente, objeto de tributação, ao abrigo do art.º 10.º do CIRS. Nas diversas situações em estu- do, há que ter em consideração que não se pode analisar as ações dos contribuintes isoladamente, mas sim a globalidade da atuação do contribuinte, retirando então a sua intenção. Assim, a AT alega que os diversos argumentos económicos apresen- tados no relatório justificativo de transformação societária não se efetivaram, nomeadamente: • Desenvolvimento futuro da em- presa: diria respeito à comprado- ra, visto que é a adquirente da quase totalidade da sociedade, tendo o poder de decisão sobre a forma jurídica a assumir pela so- ciedade; • Ganhos de eficiência e proje- ção: os quais não se capitaliza- riam dentro do período de tempo em que os vendedores detinham ainda o controlo e consequente proveito dos futuros ganhos da sociedade; • Gestão mais profissional e con- trolo mais eficiente: não seria válido, atendendo a que a vende- dora já não teria o controlo efeti- vo da sociedade. Por último, os vendedores não po- dem alegar que a atividade da so- ciedade, designadamente o «bom ambiente» da mesma, se tenha alterado após a transformação so- cietária, pois aquando a venda, a atividade da sociedade já não teria efeito sobre a vendedora. Em suma, os argumentos justi- ficativos expostos no relatório justificativo da transformação societária não se verificam, efeti- vando-se assim o elemento meio.
  • 5. 28 CONTABILISTA 215 COLABORAÇÃO ISCAL Elemento resultado Relativamente aos diferentes resul- tados fiscais obtidos, as mais-va- lias, isto é, a diferença entre o preço de realização e o preço de aquisição de quotas, seriam tributadas a 10 por cento, nos termos do art.º 72.º, n.º 4 em conjugação com o art.º 10.º, n.º 1, alínea b) do CIRS, na redação em vigor em 2008. Contrariamente, a alienação de participações sociais não seria tri- butada a 10 por cento, na aceção do art.º 10.º, n.º 2 alínea, a) e art.º 43.º, n.º 4, alínea b) do CIRS, na redação em vigor em 2008, pelo que este úl- timo regime era claramente mais vantajoso. Por outro lado, a equivalência do re- sultado não fiscal, atendendo a que a compradora adquiriu 90 por cento da sociedade, o resultado económi- co seria de obter o controlo da titu- laridade da sociedade bem como da direção e da administração, inde- pendentemente da forma societária que a sociedade assumisse. Do mesmo modo, o timing para a decisão da transformação da so- ciedade face às vantagens fiscais, ou seja, o curto espaço de tempo no qual ocorreu a transformação não permite a verificação das respetivas vantagens económicas. Por conseguinte, temos, também, de ter em conta que «é a motivação fiscal que determina a atuação do contribuinte», o que tornará o ato censurável, dependendo da nature- za da motivação. No tocante à decisão do proces- so n.º 51/2014-T, que recaiu sobre uma situação de transformação de seis sociedades por quotas em so- ciedades anónimas (todas em 15 de janeiro de 2009), adquiridas poste- riormente (todas em 14 de outubro de 2009) por uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), ve- rificou-se que todas foram vendidas pela mesma pessoa (singular) e ad- quiridas pela mesma SGPS de que é único administrador (99,996 por cento) a pessoa singular que as alie- nou e contra quem a AT instaurou o procedimento da CGAA, tributando as mais-valias resultantes da alie- nação das ações como se se tratas- sem de mais-valias resultantes da alienação de quotas. Para o sentido desta decisão terão sido decisivos não só os encargos suportados para realização do conjunto de operações onde se integram os negócios jurí- dicos de transformação societária não justificados «na perspetiva do grupo societário», não se demons- trando as alegadas vantagens de financiamento supostamente gera- das pela operação. Acresce que o CAAD sopesou, igual- mente, as formas jurídicas instru- mentalizadas nas operações realiza- das,considerandoqueassociedades, enquanto pessoas coletivas de direi- to, detêm uma função económico- -social ligada a interesses comuns com caráter duradouro e considerou
  • 6. FEVEREIRO 2018 29 COLABORAÇÃO ISCAL que estas finalidades são subjacentes ao regime fiscal e, por conseguinte, imprescindíveis. Elemento intelectual Sendo o elemento intelectual ca- racterizado pela motivação do con- tribuinte e, como anteriormente mencionado, podendo apenas ser confirmado pela confissão do pró- prio contribuinte, a AT terá de re- correr a provas indiciárias. Com efeito, o indício mais forte que nos fora apresentado é o curto pe- ríodo entre a transformação da so- ciedade e a venda das participações sociais, o qual ocorreu num perío- do de dois dias, não permitindo aos vendedores obterem qualquer ga- nho efetivo, enquanto detentores das participações sociais. Outro indício, não menos impor- tante, é o facto do contrato-pro- messa que fora celebrado três meses antes, concedendo tempo suficiente para que a operação da transforma- ção societária ocorresse. De igual modo, a forma societária da socie- dade é indiferente para os vendedo- res, pois já produz qualquer efeito para estes. Elemento normativo De acordo com o processo n.º47/ 2013-T e com o acórdão do TCA-Sul 04255/10, de 15 de fevereiro de 2011, as normas antiabuso têm na sua origem a necessidade de instituir meios de reação apropriados, com vista a assegurar não só o cumpri- mento do princípio da igualdade na repartição da carga tributária, mas também a prossecução da satisfa- ção das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas. Efetivamente, embora a AT reco- nhecer que está intrínseco na racio- nalidade económica do contribuin- te a minimização dos impostos a suportar, este terá de escolher a via menos onerosa de tributação, den- tro do limiar tanto da lei como do direito, sendo o seu limite a fraude à lei. Com efeito, atendendo sempre ao art.º 103.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual alega que «o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades finan- ceiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.» Como anteriormente mencionado, o art.º 1.º do CIRS, na redação em vigor em 2008, teria de ser conju- gado com o art.º 38.º, n.º 2 da LGT, este último tem como finalidade primordial o sancionamento dos comportamentos e intenções que se escondem por detrás de operações artificiais. Concluindo, o argumento apre- sentado pelos requerentes de uma existente «lacuna consciente de tributação» na lei, não seria válido, visto que, e como exposto no pro- cesso n.º 131/2014 – T, «os direitos de liberdade de empresa e de ini- ciativa económica não são direitos absolutos, não podem ser exercidos de forma abusiva, a fim de subverter o espírito das normas de tributação e de concessão dos benefícios fiscais e, dessa maneira, atingir um resul- tado contrário ao Direito.» De igual forma, no processo n.º47/2013 – T, a artificialidade pela qual caracteriza as ações do con- tribuinte não poderá ser tolerada pelo Direito e, atendendo a que os direitos expressos na lei não são ab- solutos, não devendo ser exercidos de forma abusiva, considera-se que o elemento normativo está, então, preenchido. Elemento sancionatório Nas decisões em apreço, o elemento sancionatório traduziu-se na tribu- tação das mais-valias resultantes de alienação de ações como se tra- tassem de mais-valias resultantes de alienação de quotas, e, por con- seguinte, tributadas à taxa de 10 por cento, ao invés de se manter a ex- clusão de tributação. Impossibilidade de aplicação da CGAA - Da não verificação do elemento normativo A jurisprudência arbitral tem-se pronunciado em termos maioritá- rios no sentido da não aplicação da CGAA quanto à problemática em causa, nomeadamente na decisão do processo n.º 123/2012, de 9 de maio de 2013; na decisão do pro- cesso n.º 124/2012, de 6 de junho de 2013; na decisão do processo n.º138/2012, de 12 de julho de 2013; na decisão do processo n.º 138/2012, de 12 de julho de 2013 e na decisão do processo n.º 139/2013, de 19 de dezembro de 2013. A recusa da verificação do elemento normativo pelo CAAD nestas deci- sões é baseada em dois argumentos: a existência de uma lacuna na lei e a existência de uma opção dada pelo legislador fiscal. Existência de uma lacuna na lei Os árbitros do processo n.º 43/2013 recorrem à doutrina de Courinha (2004) de modo a estabelecer que um resultado obtido ou pretendido deve ser reprovado quando, con- frontado com a intenção ou espíri- to da lei, se verifica que este não é desejado, previsto ou promovido pelo Direito, mas antes rejeitado. Nestes termos, o autor conclui que o apuramento das «fronteiras do ato elisivo» depende do «requisito da condenação pelo ordenamento fis- cal do resultado obtido». De modo a reforçar este argu- mento, no Processo n.º 124/2012 é
  • 7. 30 CONTABILISTA 215 COLABORAÇÃO ISCAL recorrido à doutrina de Saldanha Sanches (2006:180) estabelecendo que «é necessário encontrar no ordenamento jurídico-tributário e como condição sine qua non de aplicação da cláusula antiabuso, os sinais inequívocos de uma in- tenção de tributar (…) primeiro, porque a evitação fiscal abusiva não pode confundir-se com a per- manente tentativa do contribuinte para reduzir a sua tributação ou para ponderar cuidadosamente - planeamento fiscal abusivo – as consequências da Lei fiscal na sua atividade empresarial ou pessoal (…) segundo, porque nesse esforço permanente do que podemos qua- lificar como omissões deliberadas – justas, ou não, é uma outra coi- sa – do legislador fiscal e, se isso aconteceu, não pode atribuir-se ao aplicador da lei a tarefa que cabe primariamente ao legislador.» Como exemplo de «lacuna cons- ciente de tributação», o autor (2006:182) aponta para a transfor- mação de uma sociedade por quo- tas em uma sociedade anónima salientando que «se o legislador, ao mesmo tempo que tributa as mais- -valias das alienações das quotas, deixa por tributar as mais-va- lias das ações ou as tributava com uma taxa mais reduzida, não pode deixar de se aceitar fiscalmente a transformação de uma sociedade comercial em sociedade por ações mesmo que a transformação seja motivada por razões exclusiva- mente fiscais.» Deste modo os árbitros concluem que mesmo que a transformação fosse motivada por razões exclusi- vamente fiscais, é o legislador que opta, expressamente, por tributar a venda das quotas e por não tributar a venda das ações naquele contexto, conforme decorre dos artigos su- pracitados. Opção dada pelo legislador fiscal Atendendo à coexistência no orde- namento jurídico-tributário da tri- butação em sede de IRS dos ganhos decorrentes da venda de quotas com a não tributação em sede daque- le imposto dos ganhos resultantes da venda de ações o contribuinte é confrontado com dois regimes. Quanto a esta problemática, o CAAD na decisão proferida no Processo n.º 138/2012, de 12 de julho de 2013, recorre às palavras de Saldanha Sanches (2006:180) afirmando que «perante tal op- ção do legislador fiscal – justa ou não, mas tal já é uma questão distinta - não estaria vedado ao contribuinte o aproveitamento daquele regime que se lhe afigure mais favorável, no contexto de um planeamento fiscal abusivo, e não caberia ao aplicador da lei substi- tuir-se às opções de tributar ou de não tributar certas realidades.» Na decisão arbitral n.º 43/2013, de 26 de novembro, é reforçado este ponto de vista, sublinhando que «desde início da vigência do CIRS, que a divergência de tratamento tributário das mais-valias obtidas com a alienação de quotas e ações tem merecido críticas e propos- tas de alteração legislativa» e que tal solução legislativa, comportava uma assumida promoção da trans- formação de sociedades, opção esta que, por isso, não pode refutar ar- tificiosa. Partilhando a mesma opinião da jurisprudência do CAAD, nomea- damente a não aplicação da CGAA nos casos de transformação de so- ciedades por quotas em sociedades anónimas e a subsequente aliena- ção das participações sociais, Cou- rinha defende que até à revogação do art.º 10.º, nº1, alínea b) do CIRS pela Lei n.º 15/2010, de 26 de julho, era estabelecido um benefício fiscal extremamente influente no com- portamento adotado pelos contri- buintes. De acordo com Courinha (2014:189), «tal como em todas as situações onde a neutralidade fiscal é posta em causa por um tratamento van- tajoso dado a certas realidades por Num tempo em que escasseiam recursos para suportar um Estado fiscal que se tem revelado desperdiçador e ineficiente face a uma economia cada vez mais digital e uma sociedade cada vez mais desmaterializada, não obstante ter sido largamente debatida na doutrina, a discussão e reflexão crítica relativamente à aplicação da CGAA mantém a sua acuidade e atualidade
  • 8. FEVEREIRO 2018 31 COLABORAÇÃO ISCAL contraponto a outras que lhe são sucedâneas ou similares, uma não tributação como aquela que aqui se debate comporta sempre um ele- mento dinâmico.» Este elemento dinâmico, segun- do o autor (2014:190), consiste «na pretendida relação de causa-efei- to entre a perda de receita fiscal e o estímulo assim dado à adoção de um comportamento económico por parte do sujeito passivo, o qual é preferido em detrimento de um ou- tro» e pode ser observado quando o legislador promove as sociedades anónimas preterindo as sociedades por quotas, estabelecendo um tra- tamento de discriminação positiva exclusivamente assente na forma jurídica e que o sujeito passivo con- sequentemente acolhe. Quaisquer dúvidas relacionadas com a existência do incentivo à transformação de sociedades por quota em anónimas e a alteração da forma jurídica das participações sociais por parte do legislador fis- cal, são dissipadas ao atender à re- dação da versão inicial do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF). No art.º 35.º do EBF – atualmente, o art.º 43.º, nº 6, alínea a) do CIRS – sob a epígrafe «transformação de sociedades por quotas em socieda- des anónimas» considera-se que a data de aquisição de ações resultan- tes da transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas é a data de aquisição das quotas que lhes deram origem. Como conse- quência e de acordo com o enten- dimento de Courinha (2014) « não se pode alegar que o sujeito passivo está em fraude à lei fiscal quando ele se comporta exatamente como o legislador que atribuiu o benefí- cio fiscal pretendeu que ele se com- portasse, a saber, transformando as sociedades por quotas de que era sócio em sociedades anónimas pre- viamente à alienação das respetivas ações, com isto se valendo o bene- fício.» Para esclarecimento da evolução histórica do regime jurídico em estudo, tomaremos, em seguida, como referência o voto de venci- do do conselheiro Lopes de Sousa constante da decisão do processo n.º 51/2014-T. Assim, o artigo 10.º, n.º 1, alínea b) do CIRS, com a redação do Decreto- -Lei n.º 442-A/88, de 30 de novem- bro, previa que a exclusão de tribu- tação das mais-valias resultantes da alienação onerosa de ações deti- das pelo seu titular durante mais de 24 meses. Por sua vez, o então art.º 35.º do De- creto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho (EBF), fixava como data de aquisi- ção de ações resultantes da trans- formação de sociedades por quotas em sociedades anónimas a data da aquisição das quotas que lhes ti- nham dado origem. A Lei n.º 30-B/92, de 28 de dezem- bro, diminuiu o período temporal de detenção de ações exigido para exclusão de tributação (de 24 para 12 meses) e, posteriormente, a Lei n.º 39-B/94, de 27 de dezembro, proce- deu à remuneração dos artigos em causa. Com a publicação da Lei n.º- 30-G/2000, de 29 de dezembro, eli- minou-se a exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação de ações adquiridas após a sua entrada em vigor, mantendo- -se expressamente o regime ante- rior para as ações adquiridas antes dessa data (artigo 3.º, n.º 5 da Lei n.º30-G/2000, de 29 de dezembro). Sucede, porém, que este novo regi- me não chegou a ser aplicado, por- quanto, no tocante aos anos de 2001 e 2001, o n.º 9 do art. 147.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, es- tabeleceu que era-lhes aplicável o regime anterior à Lei n.º 30-G/2000 e, posteriormente, o Decreto-Lei n.º 228/2002, de 31 de outubro, re- introduziu o regime de não tribu- tação das mais-valias derivadas da alienação de ações detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses (alínea a) n.º 2 do art.º 10.º do CIRS), redação que se manteve até à entra- da em vigor da Lei n.º15/2010, de 26 de julho, que revogou aquele pre- ceito legal. Courinha acrescenta um outro ar- gumento de modo a sustentar a sua opinião quanto à inaplicabilidade da CGAA: o facto de a transforma- ção de sociedades por quotas em sociedades anónimas e a subse- quente alienação das participações sociais não constar no Decreto-Lei n.º29/2008, de 25 de fevereiro. A implementação do regime de co- municação dos esquemas de pla- neamento fiscal agressivo, através do Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25 de fevereiro, tem como principal objetivo o conhecimento pela AT de esquemas de planeamento fiscal abusivo, para futuramente realizar alterações legislativas e regula- mentares. Segundo Courinha (2014), o facto de a transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas não constar no Decreto-lei, apesar de ser frequentemente uma estrutura de planeamento fiscal, demonstra uma reserva não confessada por parte da própria fazenda pública em aplicar a CGAA nestes casos. O que significa que este aspeto não deve ser apenas tido em consideração como realçado na deliberação de casos com esta temática. Conforme o autor anteriormente referido, tratando-se de uma estru- tura de planeamento fiscal muito
  • 9. 32 CONTABILISTA 215 COLABORAÇÃO ISCAL conhecida (e praticada em termos quase massificados) é de estranhar a sua não identificação naquela lis- ta, onde estão apresentados os casos marcadamente conhecidos suscetí- veis de sujeição ao regime previsto no n.º 2 do art.º 38.º da LGT. Courinha ressalva a opção fei- ta pela AT, arguindo que talvez os serviços centrais da AT se tives- sem apercebido da mais que pro- vável inviabilidade da aplicação da CGAA a tais operações, evitando por isso listá-las. Diversos membros da doutrina par- tilham a mesma posição tomada pelo CAAD, nomeadamente Sal- danha Sanches (2006) que defende que a problemática em questão não deve ser abrangida pela CGAA dado tratar-se de uma clara opção do le- gislador por tipos estruturais e por intensificar a falta de neutralida- de da lei fiscal com a concessão de um tratamento mais vantajoso às ações face às demais participações sociais. Quanto à transformação de so- ciedades por quotas em socieda- des anónimas, Fernandes Oliveira (2009) insinua que não é possível a aplicação da CGAA dado que está em causa um direito de opção que o sistema fiscal permite aos contri- buintes. Por fim, Alberto Xavier (1981) suge- re como exemplo de planeamento fiscal legítimo, o aproveitamento das diferenças de tratamento fiscal entre os diferentes tipos societários quando o tratamento de um seja in- justificadamente mais favorável do que o concedido a outro. Análise crítica As decisões dos CAAD em estudo, grosso modo, analisam a factuali- dade controvertida perscrutando e aplicando os quatro requisitos da CGAA, de acordo com a doutrina largamente difundida de Gustavo Courinha. O cerne da divergência interpre- tativa das decisões do CAAD em análise reside, essencialmente, no sentido e alcance dado ao elemento normativo, que tem sido considera- do por parte da doutrina como sen- do um dos requisitos da CGAA mais relevantes e significativos uma vez que, embora não decorra expressa- mente da lei, não pode ser ignorada a intenção de combate à evasão fis- cal que inspira e enforma o regime da CGAA. O elemento normativo exige que perante uma concreta situação que possua natureza anómala e indicie que tenha sido fiscalmente motiva- da, o intérprete questione, primei- ramente, se a intenção da norma ou os princípios essenciais de um certo setor de tributação são contrários à aceitação daquele resultado. Ora, esta exigência torna a tarefa de aplicação da CGAA uma operação bastante complexa, por vezes de resultados dúbios, especialmente, nas situações em que precisamente o legislador permitiu a adoção de comportamentos fiscalmente mais vantajosos para os contribuintes, especialmente, perante o direito à liberdade de gestão empresarial e ao planeamento fiscal do contribuinte. As decisões do CAAD em apreço no presente artigo traduzem duas interpretações divergentes sobre idêntica factualidade, cujo âmago reside no sentido e alcance dado ao resultado da conjugação da alínea b) do n.º 2 do art.º 10.º do Código do IRS, com a alínea b) do n.º 4 do art.º 43.º do Código do IRS, bem como o n.º 2 do art.º 38.º da LGT, ou seja, a aplicação da CGAA. Atento o supra exposto, conside- rando os elementos de interpreta- ção previstos no sistema jurídico português, passaremos a comparar as diferentes perspetivas das deci- sões deste trabalho. Ou seja, con- forme estatuído no n.º 1 do art.º 9.º do Código Civil e porque se trata de um elemento jurídico, a interpre- tação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, acrescentando, desta forma, certeza e segurança na tri- butação. O elemento gramatical, não sen- do o fim em si da interpretação, é, indubitavelmente, o seu ponto de partida. Da leitura das decisões do CAAD que se pronunciaram pela não au- torização de aplicação CGAA em estudo (orientação maioritária), ressalta, desde logo, ser sua con- vicção de que a letra da lei conce- de um tratamento mais favorável a quem procedesse à transformação da sociedade por quotas em socie- dade anónima, reconhecendo, por essa via, um benefício fiscal. Assim, tendo o próprio legislador fiscal to- mado a decisão «justa ou não » de lesar a neutralidade fiscal pelo tra- tamento mais favorável concedido, não cabe ao aplicador da lei substi- tuir-se às opções de tributar ou não tributar certas realidades. Contrariamente, as decisões que autorizaram a aplicação da CGAA alertam para a necessidade de não se poder fazer uma leitura da lei «de forma isolada, mas em conju- gação com o art.º 38, n.º 2 da LGT». Esta orientação ressalta a função da CGAA como meio de proteção de princípios jurídicos superiores, designadamente, a prossecução da justiça, o cumprimento do princí- pio da igualdade na repartição da carga tributária bem como do en- calço da satisfação das necessidades financeiras do Estado (nos termos
  • 10. FEVEREIRO 2018 33 COLABORAÇÃO ISCAL do n.º 1, do art.º 103.º da CRP), re- presentando uma forma de com- bate à contradição entre formas jurídicas adotadas pelas partes e os fins económicos típicos dos atos e negócios jurídicos, prevalecendo interesses de natureza pública com relevo superior sobre valores como a certeza e segurança das relações jurídico-tributárias . Deste modo, a aplicação da CGAA encontra-se justificada se, no caso decidendo, se verificar que os fins económicos se afastam das típicas formas jurí- dicas, sob pena de perversão do sis- tema. No tocante ao elemento histórico, a orientação maioritária defende que o legislador tributou deliberada- mente apenas as mais-valias resul- tantes de alienação de quotas, não só por se tratar de uma norma várias vezes revista, ponderada e mantida , mas também por ter resistido inal- terada tão longamente, não caben- do ao aplicador da lei substituir-se às opções do legislador fiscal. No polo oposto, a orientação mino- ritária não reconhece aos critérios de política fiscal justificativos do tratamento favorável da exclusão de tributação das mais-valias de ações a potencialidade de legitimar o uso abusivo do mesmo, entendimen- to que veio a ser confirmado pela revogação do n.º 2 do art.º 10.º do Código do IRS, pela Lei n.º 15/2010, de 26 de julho, como a «forma do legislador reagir aos abusos per- petrados em nome de uma alegada abertura legislativa.» No tocante ao elemento teleológi- co, traduzindo a ratio legis, o fim visado pelo legislador ao redigir a norma, de acordo com a orienta- ção maioritária, a reposição, pela Lei n.º 16-B/2002, de 31 de maio, do regime anterior que excluía de tri- butação as mais-valias resultantes da alienação de ações, com justifi- cação no impacto negativo provo- cado pela anterior reforma fiscal no mercado de capitais, bem como a circunstância das diversas propos- tas de alteração daquele regime de exclusão nunca terem vingado, de- signadamente, os relatórios da Co- missão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, em 1996 e do Grupo de Trabalho para o Estudo da Polí- tica Fiscal, Competitividade, Efi- ciência e Justiça do Sistema Fiscal, em 2009, evidenciam que, mesmo sendo abusivo, o regime deve ser permitido, porque desejado e até incentivado pelo legislador. Do ponto de vista sistemático esta orientação releva o facto de, à data, existir um acervo de leis relaciona- das com as sociedades comerciais com um tratamento preferencial pelo modelo de organização socie-
  • 11. 34 CONTABILISTA 215 COLABORAÇÃO ISCAL tária da sociedade anónima, de- signadamente, o Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março, que atualizou e flexibilizou os modelos de governo das sociedades anóni- mas, adotando medidas de sim- plificação e eliminação de atos e procedimentos notariais e regis- trais para, conforme consta do seu preâmbulo, «promover a competi- tividade das empresas portuguesas, permitindo o seu alinhamento com modelos organizativos avançados.» Contrariamente, a ideia que per- passa as decisões da orientação minoritária é a de condenação do aproveitamento do regime de ex- clusão tributária por parte de quem, recorrendo a meios artificiosos ou fraudulentos, transformou socie- dades por quotas em sociedades anónimas, defendendo que essa si- tuação não pode deixar de merecer censura normativo-sistemática por parte do ordenamento jurídico . Acresce que estas decisões confron- tam os fins típicos do negócio jurí- dico efetivamente celebrado com aqueles que normalmente seriam celebrados nas circunstâncias em discussão, numa lógica de econo- mia financeira societária. Assim, nos casos em que a transformação das sociedades por quotas em socie- dades por ações se revelou um ato inútil do ponto de vista societário, como seja, por não visar a atração comprovada de capitais, nem alte- rações na estrutura organizativa, conclui-se que essa situação factual concreta evidenciava uma situa- ção abusiva. Para a formação desta convicção terá contribuído de for- ma decisiva o probatório produzido nos autos de processos. Perante o excurso, torna-se inevi- tável questionarmo-nos qual a ratio legis dos preceitos legais (isolada e conjuntamente) em análise e qual a sua valoração pelo ordenamento jurídico. A CGAA, tal como prevista no n.º 2 do art.º 38.º da LGT não se traduz numa fórmula rígida e fechada, an- tes uma previsão aberta que visa tornar ineficazes fiscalmente os atos jurídicos dirigidos à redução, eliminação ou deferimento tempo- ral de impostos que seriam devidos não fosse o emprego de meios arti- ficiosos e fraudulentos e com abuso de formas jurídicas, escopo alcan- çável por via interpretativa. Ora, uma das críticas dirigidas contra as decisões que autorizaram a aplicação da CGAA traduz-se no facto de se entender que por meio destas decisões o julgador estar-se- -ia a imiscuir numa zona de pla- neamento fiscal aberto pelo legisla- dor aos contribuintes, vedada quer à administração fiscal quer ao po- der jurisdicional incorrendo, deste modo, no risco de uma aplicação equívoca do sistema fiscal. Com efeito, é inegável que as nor- mas em apreço estiveram em vigor durante cerca de uma década e que norma que equiparou os momentos de aquisição para efeitos de tributa- ção, inicialmente prevista no art.º 35.º do EBF, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 198/01, de 3 de julho passou a constar do próprio Código de IRS, na alínea b) n.º 4 do art.º 43.º (hoje, n.º 6 do dito inciso legal). A elisão fiscal, contudo, realiza-se através de atos ou negócios lícitos «mas que a lei fiscal qualifica como não sendo conformes com a subs- tância da realidade económica que lhe está subjacente, assim deven- do qualificar-se como anómalos, anormais ou abusivos» acarretando sérios prejuízos para a concorrên- cia empresarial, erosão das receitas fiscais, «a distorção do princípio da equidade e um claro menosprezo do cumprimento das regras de ci- dadania, situações que se fundam em causas de carácter político, eco- nómico, psicológico e técnico», tal como refere o Acórdão do TCA- Sul, processo n.º 04255/10 de 15-02-2011. As decisões que autorizaram a aplicação da CGAA alertam para a necessidade de não se poder fazer uma leitura da lei «de forma isolada, mas em conjugação com o art.º 38.º, n.º 2 da LGT». Esta orientação ressalta a função da CGAA como meio de proteção de princípios jurídicos superiores, designadamente, a prossecução da justiça, o cumprimento do princípio da igualdade na repartição da carga tributária.
  • 12. FEVEREIRO 2018 35 COLABORAÇÃO ISCAL Conforme explanado, a orientação minoritária perfila que as altera- ções societárias motivadas por ra- zões que não a atração de capitais, alterações na estrutura organiza- tiva, a captação e/ou dispersão de capital, reforço das condições de fi- nanciamento do grupo, mesmo que meramente eventuais ou futuras constituem evidências de situações abusivas em especial se ocorrer concentração de capital num indi- víduo. Ora, esta orientação, não obstante aceitar que o legislador previu um regime de tributação mais favorável às sociedades anónimas, designa- damente, pelo reconhecimento de benefícios fiscais de que o regime de exclusão de tributação das mais- -valias resultantes da alienação de ações previsto na então alínea a) do n.º 2 do art.º 2.º do Código do IRS é exemplo, não deixam de perscru- tar se as finalidades que presidiram àquela exclusão de tributação foram cumpridas no caso concreto. Ou seja, nestas situações em que a fronteira entre a ratio legis e a atua- ção contra legis, porém, ainda, in- tra legis dos particulares é muito ténue, as decisões do CAAD supra referenciadas procedem a um estri- to controlo de verificação do proba- tório que parece aproximar-se das doutrinas e princípios de interpre- tação desenvolvidos em diversos países em matéria de aplicação da CGAA, designadamente, a substan- ce over from doctrine (materialida- de do negócio jurídico sobrepõe-se à sua forma) ou o business purpose (no âmbito do qual se escrutina a validade dos motivos económicos subjacentes ao negócio jurídico face aos da simples economia fiscal). Neste contexto, perante a constata- ção de que se estava perante o uso de expedientes puramente artificiais, a autorização da aplicação da CGAA justificou-se como meio de com- bate ao abuso de direito no sentido de prevalecer a substância sobre a forma, ou seja, o interesse público da descoberta da verdade material face aos interesses financeiros dos particulares, indo no sentido da jurisprudência comunitária, desig- nadamente, o acórdão Cadbury-S- chewepps (C-196/06). Figura, com efeito, pouco verosí- mil que o legislador, ao conceber o regime de exclusão de tributa- ção das mais-valias resultantes da alienação de ações, originadas pela conversão de sociedade por quotas em anónima, previsse e quisesse aí englobar as situações em que a transformação societária ocorreria pouco tempo depois da alienação (nas decisões apreciadas, entre as operações mediaram dois dias ou alguns meses, não ultrapassando o prazo de um ano) ou aquelas em que o adquirente e vendedor correspon- dessem à mesma entidade do ponto de vista económico (no caso uma SGPS que acaba por deter o contro- lo das sociedades anónimas), sem que dessa operação adviesse qual- quer ganho para a sociedade e para a concorrência empresarial, com custos avultados e desnecessários dentro da lógica económica-em- presarial. Será ainda legítimo indagar sobre as razões que conduziram o legis- lador a considerar, através de uma ficção legal, que a data de aquisi- ção das ações corresponde à data de aquisição das quotas que lhe deram origem. Não terá o legis- lador, simplesmente, pretendido evitar custos administrativos que, a final, se revelariam desneces- sários? Deverá a alínea b) do n.º 4 do art.º 43.º do Código do IRS, enquanto norma de determinação do rendimento coletável, inserida no capítulo II do Código do IRS, ter o mesmo valor interpretativo que uma norma de incidência, tal como a constante da alínea b) do n.º 2 do art.º 10.º do Código do IRS que determina a exclusão de tri- butação de mais-valias resultan- tes de alienação de ações? A tarefa reservada ao intérprete de que resultaram as decisões ob- jeto do presente trabalho, peran- te a eventualidade de aplicação da CGAA traduz-se, com efeito, numa tarefa bastante complexa pelo que qualquer reflexão sobre as mesmas captará apenas parte da realidade porquanto afigura-se que os factos provados no processo terão sido determinantes no senti- do da decisão. Não se olvide que o planeamento fiscal traduz um direito subjetivo dos contribuintes, cujo núcleo deve ser respeitado e garantido. Porém, o direito subjetivo ao planeamento não é um direito absoluto pelo que o sujeito passivo detém, simultanea- mente, um ónus de planeamento e um direito subjetivo de optar en- tre os vários comportamentos le- galmente admissíveis sob pena de violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva. Antes de finalizar, atento que na data de elaboração deste trabalho algumas das decisões aqui retrata- das não tinham transitado em jul- gado, de acordo com a indicação constante no site do CAAD, a dis- cussão em torno desta matéria está longe de se encontrar encerrada.z Bibliografia disponível em («A Ordem – Publi- cações – Revista Contabilista – Bibliografia») *Alunas do mestrado em Fiscalidade no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa