O entrevistado discute: 1) A importância do Brasil para a eyeforpharma e os objetivos de seus eventos no país; 2) Os principais desafios da indústria farmacêutica como sustentabilidade dos sistemas de saúde e acesso da população; 3) A necessidade de cooperação entre setor público, privado e judiciário para melhorar o acesso no Brasil.
Ministro Alexandre Padilha discursa na Reunião do BRICs - julho 2011
Entrevista revela desafios e oportunidades para melhorar o acesso à saúde no Brasil
1. foto: divulgação
Entrevista - Eyeforpharma
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2. A
Assim como toda empresa privada, a eyeforpharma
visa o lucro, mas garante que a grande missão da
companhia é transformar a indústria farmacêutica
em uma força positiva na assistência à saúde
A eyeforpharma foi criada com a intenção de
ser um ponto central em que executivos da in-
dústria farmacêutica de nível sênior, grupos de
pacientes e outros especialistas pudessem com-
partilhar ideias e manter informações sobre as
tendências e práticas na indústria farmacêuti-
ca. Para tal, a empresa realiza eventos e publi-
ca relatórios e outros materiais especializados
com informações e comentários de alto valor.
Um dos maiores trunfos da companhia é a
capacidade de reunir informações obtidas di-
retamente junto aos executivos, ao invés de re-
correr a consultores e fornecedores, que já são
fonte de informação da maioria das publica-
ções especializadas no setor. A partir das dis-
cussões e compartilhamento de dados exclusi-
vos, a eyeforpharma espera facilitar mudanças
positivas, permitindo que o diálogo traga bene-
fícios à indústria.
Desde outubro de 2014, o responsável pelo
desempenho global da empresa é o sueco Mag-
nus Franzén, que ocupa, atualmente, o cargo de
head analyst do eyeforpharma. O papel principal
do executivo, que fala português já com boa fluên-
cia, é liderar e planejar o material de inteligência
de mercado, por meio de pesquisas contínuas e
atuação junto aos formadores de opinião da indús-
tria farmacêutica, governos, profissionais de saúde
e demais stakeholders. Ele concedeu uma entre-
vista exclusiva ao Guia da Farmácia e revela algu-
mas peculiaridades da saúde no Brasil em compa-
ração a outros países.
Guia da Farmácia • Qual a importância do Bra-
sil para a eyeforpharma?
Magnus Franzén • O Brasil é de grande interesse
para a eyeforpharma. A América Latina, em geral,
possui um enorme potencial para nós, e percebemos
que podemos fazer uma diferença real com nossos
eventos. Queremos que eles se tornem pontos de
encontro ainda mais importantes para a região. Por
exemplo, embora altamente dependente do contexto
nacional, há um grande potencial para intercâmbio de
ideias e aprendizados com relação ao acesso ao mer-
cado nos países.
Guia • Quantos eventos são realizados anual-
mente no mundo todo e no Brasil?
Franzén • A eyeforpharma organiza cerca de 30
conferências por ano em todos os cantos do mundo:
Europa, Estados Unidos, Japão, África do Sul, Austrália
e, claro, na América Latina (Brasil, Colômbia, Argentina
e México) e nosso evento regional em Miami.
No Brasil, temos apenas um evento até agora, mas
esperamos expandir e, no próximo ano, organizar even-
tos relacionados a marketing digital, marketing multi-
canal e estudos clínicos. Outras áreas a que visamos
são a cadeia de suprimento e distribuição, a biotecno-
logia e o desenvolvimento empresarial.
Guia • A pauta das apresentações no Brasil se di-
ferencia muito da dos Estados Unidos, por exem-
plo? Por quê?
Franzén • O acesso ao mercado constitui sempre
uma questão muito local, dependente da composição
do sistema de saúde, regulamentações e instituições
nacionais. Portanto, sob esse aspecto, os programas
Setor farmacêutico
sustentável
Por Lígia Favoret to
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3. são muito diversos. Entretanto, os desafios subjacen-
tes são, na verdade, bastante similares.
Não é apenas no Brasil que os sistemas de saúde es-
tão lutando contra altos custos e uma população de
pacientes que cada vez necessitará de mais atendimen-
to de saúde. Esta é uma questão global. Para um even-
to de acesso ao mercado na Europa, os tópicos gerais
ainda são como fornecer valor aos pagantes, como as-
segurar a sustentabilidade tanto em termos empresa-
riais como de sistema e como interagir com eles e su-
perar o fardo de má reputação do setor farmacêutico.
Guia • Quais são os temas de maior repercus-
são hoje sobre a saúde no mundo?
Franzén • Em minha opinião, os tópicos dominan-
tes em todo o mundo são, como alcançar a sustenta-
bilidade nos sistemas de saúde, desacelerar custos, re-
duzir desperdícios e, ao mesmo tempo, atender às ne-
cessidades de uma população cada vez mais velha e
com mais doenças crônicas.
Embora existam diversas soluções tecnológicas muito
interessantes chegando ao mercado com rapidez cres-
cente, o projeto e a modificação de processos serão
fatores cruciais para qualquer solução, e eu acho que
isto está cada vez mais claro para todos. Isso é muito
importante para o setor farmacêutico, já que, em úl-
tima análise, forçará as empresas a buscar novas ma-
neiras de conduzir seus negócios.
Guia • Como você avalia o sistema de saúde pú-
blico e privado no Brasil?
Franzén • Normalmente, deixo essa avaliação para
os especialistas. O que percebo, como estrangeiro, é
a situação muito lastimável e antagônica entre o setor
e o governo. Os desafios são tão impressionantes que
só podem ser tratados em conjunto.
O setor tem uma grande responsabilidade de cons-
tituir uma força mais positiva na saúde no Brasil. Isso
significará inevitavelmente decisões que não façam ne-
cessariamente sentido comercial no curto prazo. Sig-
nificará também compreender e ter empatia com a si-
tuação do cliente. Os recursos são escassos, e será ne-
cessário encontrar uma maneira de oferecer soluções
que correspondam à realidade.
Certamente, o governo pode ser mais acessível. Por
exemplo, para a conferência, eu propus um tópico so-
bre judicialização e como diferentes atores do sistema
poderiam cooperar para assegurar que as decisões do
judiciário sejam fundamentadas o máximo possível em
melhores informações.
Em uma conversa com uma pessoa de alto cargo no
Ministério da Saúde, ela sentiu que a judicialização era
uma situação perversa e que, em hipótese alguma, de-
veríamos discutir como auxiliar o Judiciário a tomar de-
cisões bem fundamentadas em informações, para co-
meço de conversa, essa pessoa não deveria tomar de-
cisões. O que é verdade. O problema é que a judiciali-
zação é uma realidade, e isso não vai mudar amanhã
nem na próxima semana. É uma realidade com a qual
temos de conviver. Então, por que não fazê-lo da me-
lhor maneira possível?
Dito isso, em nossa conferência e também ao falar
com diversas pessoas, há algumas importantes forças
positivas, pessoas com missão e compreensão da im-
portância da cooperação, no Brasil, no setor, no gover-
no e no sistema privado de saúde. Forças que, tenho
certeza, nos próximos anos, desempenharão um papel
importante com relação à assistência à saúde no País.
Guia • Quais foram os resultados desse último
evento no Brasil? Seus objetivos foram atingidos?
Franzén • Considerando o feedback que recebi, a
conferência foi um grande sucesso. Acredito que o pro-
grama, da mesma forma que os palestrantes, foi mais
forte do que nunca. Utilizamos um novo formato pa-
ra permitir a efetiva discussão detalhada dos tópicos,
o que me parece ter sido muito produtivo.
Em termos de nossos objetivos, eu esperava um pou-
co mais de inscrições, mas, considerando a situação eco-
nômica do Brasil, acho que foi muito bom.
“SE A SITUAÇÃO DE
JUDICIALIZAÇÃO NÃO PODE
SER RESOLVIDA FACILMENTE,
AS PARTES ENVOLVIDAS
PRECISAM UNIR-SE PARA
ENCONTRAR UMA MANEIRA
DE TORNÁ-LA MENOS
PREJUDICIAL PARA O
SISTEMA. ISSO DEIXARIA MAIS
DINHEIRO DISPONÍVEL PARA
GASTAR EM OUTRAS COISAS“
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ENTREVISTA - EYEFORPHARMA
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4. Guia • Como você determinou os assuntos que
foram abordados no evento?
Franzén • Fazemos muita pesquisa. Imediatamen-
te após o evento do ano passado, comecei a conver-
sar com as pessoas e, ao publicar o programa, já ha-
via tido mais de 50 conversas. Geralmente, conversa-
mos apenas com o setor, mas fizemos um esforço real
para entrar em contato também com planos de saú-
de, seguros, representantes do setor público e o go-
verno. Tudo isso não só para determinar os tópicos de
interesse do ponto de vista do setor, mas do sistema
de saúde como um todo.
Guia • Nos Estados Unidos, 50% das mortes po-
dem ser prevenidas. Alternativas de prevenção se-
riam o caminho para proporcionar longevidade e
maior qualidade de vida à população?
Franzén • Prevenção é um tópico muito interes-
sante. Recentemente, a J&J, por exemplo, anunciou
que a prevenção será um elemento fundamental de
seu crescimento no longo prazo. Acho isso excelen-
te. De fato, a prevenção é uma parte importante da
resposta a muitos dos desafios mencionados ante-
riormente. E este é definitivamente o caminho que
estamos seguindo.
O que é complicado para o setor é compreender
qual será seu papel e como ganhar dinheiro com isso.
Do jeito que está atualmente, o negócio do setor far-
macêutico são as pessoas doentes, não as saudáveis.
A questão é que, se o setor farmacêutico não com-
preender isso, outros o farão. Não se surpreenda se o
panorama da assistência à saúde e do setor farmacêu-
tico se mostrar muito diferente em cinco, dez anos.
Guia • Como melhorar o acesso da população
à saúde?
Franzén • Ah! Essa é a grande questão. Evidente-
mente, não há respostas curtas. Mas basicamente, do
meu ponto de vista, trata-se de: 1) trabalhar com a pre-
venção para assegurar que, para começo de conver-
sa, menos pessoas realmente necessitem de assistên-
cia à saúde (o que pressionará menos o sistema e, as-
sim, melhorará o acesso); 2) trabalhar com processos
e projetos para tratar do inacreditável desperdício no
sistema; e 3) aproveitar a nova tecnologia, visando à
prestação de assistência à saúde mais barata, mais efi-
ciente, mais cuidadosa e mais segura a mais pessoas.
Talvez seja menos claro onde o setor farmacêutico
se encaixa nesse processo, e eu acho que muitas em-
presas terão de refletir muito sobre isso nos próximos
anos. Algumas já se encontram nesse caminho; outras
ainda precisam encontrá-lo.
Guia • No Brasil, os medicamentos que não são
disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde
(SUS) são pagos, em sua totalidade, pela popu-
lação. De que forma isso poderia ser melhorado?
Franzén • Outra grande questão. Um grande mer-
cado de despesas pequenas evidentemente não é
interessante, mas infelizmente essa é a situação vi-
gente em muitos países da América Latina. De cer-
ta forma, os pontos mencionados anteriormente so-
bre como ampliar o acesso também se aplicam aqui,
pois se trata basicamente de liberação de mais re-
cursos no sistema público (e privado) para cobertu-
ra de mais medicamentos.
Além disso, se a situação de judicialização não po-
de ser resolvida facilmente, as partes envolvidas pre-
cisam unir-se para encontrar uma maneira de torná-
-la menos prejudicial para o sistema. Repetindo, isso
deixaria mais dinheiro disponível para gastar em ou-
tras coisas.
Guia • Você acredita que o futuro para o trata-
mento de doenças raras e incuráveis está nos me-
dicamentos biológicos? As análises clínicas são o
principal entrave hoje para que haja uma produ-
ção efetiva e novas descobertas para biológicos?
Franzén • Sim e não. Certamente, no sentido de
os biológicos (e biossimilares) estarem aí para ficar.
Mas não no sentido de que os medicamentos bioló-
gicos começarão a se mesclar com a eletrônica e ou-
tras tecnologias e que, no futuro, veremos “medica-
mentos” que serão algo mais do que meramente bio-
lógicos. Da maneira como o diagnóstico, a medicina
personalizada, a nanotecnologia, etc. estão avançan-
do, nos próximos anos, estaremos vendo algumas coi-
sas de ficção científica.
Em termos das análises clínicas constituírem um en-
trave. No Brasil, certamente. Como a tendência é pes-
quisar e desenvolver medicamentos para populações
de pacientes mais específicas (seja por doenças raras ou
populações mais limitadas em uma indicação), o cus-
to e a complexidade de experimentos e pesquisa au-
mentarão – esse é um desafio global. E considerando
que o Brasil já está enfrentando sérios desafios nessa
área, o futuro não parece muito promissor.
Repetindo, cooperação e colaboração serão cruciais.
As partes envolvidas precisam se unir e, assim, o se-
tor alcançará a confiança para poder tomar parte.
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